A oportuna reedição de Brás, Bexiga e Barra Funda pela editora Imago deverá voltar a chamar a atenção dos leitores brasileiros para o “lirismo documental” do paulistano Antônio de Alcântara Machado (1901-1935). Em artigo publicado em 11 de dezembro de 1926, no Jornal do Commercio, menos de um ano antes da publicação deste livro de contos, Alcântara Machado já se referia à poesia urbana e revelava o propósito de fazer uma literatura baseada nos cronistas ítalo-brasileiros de São Paulo e no lirismo da gente simples dos bairros operários.
De fato, Brás, Bexiga e Barra Funda pretende registrar da maneira mais objetiva possível o cotidiano dos italianinhos de São Paulo. A história do primeiro conto, “Gaetaninho”, por exemplo, pode se reduzir a uma notícia de qualquer jornal da época: um menino é atropelado por um bonde e morre. À notícia, o autor acrescenta informações sobre a condição social do menino: pobre, filho de operários italianos, sonha andar de automóvel. Depois desta apresentação, temos o presságio do final trágico: Gaetaninho sonha que está na boleia de um carro fúnebre no enterro da Tia Filomena.
A estrutura de “Gaetaninho”, aparentemente simples, realiza perfeitamente os objetivos do autor: documenta, mas não esquece o lirismo. Evita qualquer tipo de análise psicológica ou comentários sobre a pobreza dos bairros operários. Trata-se de uma prosa com adjetivação reduzida ao mínimo necessário e frases curtas.
Mas consegue, a despeito de sua “economia de palavras”, emocionar o leitor. Pequenos detalhes como a roupa de marinheiro, que acompanha o menino até no caixão, ou as flores “pobres” do enterro formam a parte lírica desta “notícia de jornal”. Não há cenas de desespero ou tristeza de parentes e amigos do menino. Ele morreu porque quis “amassar o bonde”. A ambiguidade do verbo (do italiano ammazzare, “matar”) fecha com sarcasmo os sonhos do italianinho.
(Sérgio Mauro. Pauliceia italiana, 1997.)
Está de acordo com o texto a afirmação: