(SOMATÓRIA)
No mundo quis o Tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por exprimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.
Mas por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tão longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.
Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mãos de um leve lenho.
Mas, segundo o que o Céu me tem mostrado,
já sei que deste meu buscar ventura
achado tenho já que não a tenho.
CAMÕES, L. de. Sonetos: Antologia comentada. São Paulo: Ática, 2012. p. 81.
Vocabulário:
dita: sorte; boa sorte.
Fortuna: destino, fado, sorte.
lenho: madeiro, embarcação, cruz (sagrado lenho).
ventura: fortuna, destino, sorte, acaso, felicidade.
01) O soneto cultivado por Luís Vaz de Camões no Classicismo português influenciou muitos poetas da literatura brasileira, a exemplo de Cláudio Manuel da Costa. Nas três primeiras estrofes, o eu lírico desenvolve o tema (exposição). A última estrofe, iniciada com a conjunção adversativa “Mas”, funciona como conclusão.
02) Em versos decassílabos, cuja métrica é denominada medida nova, o sujeito se vê perante sua própria condição como ser humano. Ao representar o sofrimento terreno do eu lírico, o poeta emprega marcas do antropocentrismo renascentista.
04) A gradação, recurso poético presente no primeiro verso da terceira estrofe, sugere que o eu lírico empregou estratégias no intuito de conseguir mudar a “sorte dura”, mas seus esforços não surtiram efeito. Os hipérbatos presentes na última estrofe, por exemplo, sugerem as dificuldades enfrentadas pelo eu lírico, que chega à conclusão de que não alcançou ventura.
08) No verso: “a vida pus nas mãos de um leve lenho.”, a hipérbole da expressão “leve lenho”, somada à sinestesia (figura que toma a parte pelo todo), deixa transparecer a ânsia do eu lírico no sentido de buscar ventura.
16) Há uma relação de oposição nas duas primeiras estrofes: enquanto o Tempo “quis” que o bem fosse achado e a Fortuna fosse experimentada, o destino mostrava que não “convinha” “nem ter esperanças”. “Tempo” e “destino” estão, portanto, personificados, são exemplos de prosopopeias.