Os primeiros dragões que apareceram na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes. Receberam precários ensinamentos e a sua formação moral ficou irremediavelmente comprometida pelas absurdas discussões surgidas com a chegada deles ao lugar.
Poucos souberam compreendê-los e a ignorância geral fez com que, antes de iniciada a sua educação, nos perdêssemos em contraditórias suposições sobre o país e raça a que poderiam pertencer.
A controvérsia inicial foi desencadeada pelo vigário. Convencido de que eles, apesar da aparência dócil e meiga, não passavam de enviados do demônio, não me permitiu educá-los. Ordenou que fossem encerrados numa casa velha, previamente exorcismada, onde ninguém poderia penetrar. [...]
Apenas as crianças, que brincavam furtivamente com os nossos hóspedes, sabiam que os novos companheiros eram simples dragões.
Entretanto, não foram ouvidas.
RUBIÃO, Murilo. Os dragões. In. Murilo Rubião: obra completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 46.
Nos contos de Murilo Rubião, o inusitado passa a ser visto como algo que faz parte do cotidiano, sem sustos para narradores e personagens; o recurso expressivo que contribui para essa ocorrência no texto é o (a)