Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável. (...) A literatura desenvolve em nós a cota de humanidade, na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (...) A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas (...) Por isso é indispensável tanto a literatura sancionada quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e a que nasce dos movimentos de negação do estado de coisas predominante.
(O direito à literatura, 1988, p. 191)
O autor da breve citação acima é Antônio Candido (1918-2017), um dos maiores críticos literários brasileiros, falecido no mês de maio do ano passado. Sob inspiração dos trechos supracitados, disserte sobre a importância do romance O estrangeiro (1942), do escritor franco-argelino Albert Camus (1913-1960), dando ênfase àquilo que Antônio Candido chama de “cota de humanidade” na compreensão do “semelhante”. Embora escrito no contexto da Segunda Guerra mundial (1939-1944), mostre em que medida a narrativa de Camus, ao tocar na relação entre franceses e árabes, pode ser considerada atual, tendo em vista o fenômeno da intolerância aos imigrantes, tal qual se verifica em diversas situações e regiões no mundo contemporâneo.
Para fundamentar esta reflexão, lance mão dos argumentos do sociólogo inglês Anthony Giddens apresentados no livro Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós, publicado originalmente em 1999, em especial aqueles que opõem o “fundamentalismo” e a “intolerância” ao “cosmopolitismo” e à “tolerância”, a fim de mostrar as dificuldades de a sociedade atual ser guiada por valores universais e democráticos.