A viagem do elefante, de José Saramago, narra a viagem, de Lisboa até Viena, de um elefante asiático (ao qual José Saramago chamou Salomão), presente de D. João III a seu primo Maximiliano II, arquiduque da Áustria. O tempo da narrativa é o século XVI e a obra enfatiza, entre outras coisas, contradições e fraquezas humanas encarnadas pelos personagens e criticadas pelo narrador.
“A rainha bisbilhava uma oração, principiara já outra, quando de repente se interrompeu e gritou, Temos o Salomão, Quê, perguntou o rei, perplexo, sem perceber a intempestiva invocação ao rei de judá, Sim, senhor, Salomão o elefante, E para que quero eu aqui o elefante, perguntou o rei já algo abespinhado, Para o presente, senhor, para o presente de casamento, respondeu a rainha, pondo-se de pé, eufórica, excitadíssima, Não é presente de casamento, Dá o mesmo. O rei acenou com a cabeça lentamente três vezes seguidas, fez uma pausa e acenou outras três vezes, ao fim das quais admitiu, Parece-me uma ideia interessante, É mais do que interessante, é uma ideia boa, é uma ideia excelente, retrucou a rainha com um gesto de impaciência, quase de insubordinação, que não foi capaz de reprimir, há mais de dois anos que esse animal veio da índia, e desde então não tem feito outra coisa que não seja comer e dormir a dorna da água sempre cheia, forragens aos montões, é como se estivéssemos a sustentar uma besta à argola, e sem esperança de pago [...], então que vá para viena”.
SARAMAGO, José. A viagem do elefante, São Paulo, Companhia das Letras, 2008, p. 13.
Glossário
bisbilhava: murmurava
abespinhado: zangado, irritado, agastado
Dos fragmentos abaixo, extraídos da obra de José Saramago, apenas um expõe os sentimentos contraditórios da esposa de Dom João III, rei de Portugal e dos Algarves, dona Catarina D’Áustria, em relação ao“ magnífico exemplar de elefante asiático” oferecido como presente de casamento ao arquiduque austríaco Maximiliano II. O fragmento em que se expõe esses sentimentos da rainha é: