Com o aumento da aquisição de armas de fogo em território nacional e manchetes envolvendo tiroteios em atentados internacionais, a discussão sobre armamento no Brasil volta ao debate público. Legislado apenas desde 2003, o assunto já foi tema de referendo nacional e ganhou novas regras nos últimos anos.
Pensando em como a pauta do armamento pode cair na sua prova, seja em questões de Filosofia, Sociologia, atualidades e até como tema da redação, o Portal Estratégia Vestibulares acompanhou a aula da professora Gabriela Garcia, que leciona Filosofia e te conta tudo o que você precisa saber sobre o assunto.
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Qual é a diferença entre posse e porte de armas no Brasil?
A legislação brasileira prevê a posse de arma para qualquer cidadão que desejar e cumprir os pré-requisitos. Já o porte de arma, por sua vez, é restrito aos profissionais de segurança pública, membros das Forças Armadas, policiais e agentes de segurança privada. Veja todas as diferenças entre as duas modalidades:
Posse de arma
É o registro e autorização para que uma pessoa possa comprar e ter arma de fogo e munição em casa ou em seu local de trabalho, desde que ela também seja dona do estabelecimento no qual a arma ficará.
Os pré-requisitos para conseguir a posse de arma são:
- Obrigatoriedade de cursos para manejar a arma e avaliação psicológica;
- Ter ao menos 25 anos;
- Ter ocupação lícita e residência;
- Não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal;
- Não ter antecedentes criminais nas justiças Federal, Estadual (incluindo juizados), Militar e Eleitoral;
- Comprovar efetiva necessidade de possuir a arma.
Porte de arma
É a autorização para que uma pessoa ande armado fora de sua casa ou local de trabalho. Como mencionado anteriormente, o porte restringe-se aos agentes de segurança pública e privada.
O portador da arma pode ter sua autorização cassada caso esteja em situação de embriaguez, drogado ou apresente alguma condição que altere a capacidade motora ou psíquica, como o uso de certos medicamentos.
Os pré-requisitos para conseguir o porte de arma são ser:
- Integrantes das Forças Armadas;
- Policiais militares, policiais civis e oficiais na ativa;
- Guardas municipais de capitais ou cidades com mais de 500 mil habitantes;
- Guardas municipais de cidades entre 50 mil e 500 mil quando estão em serviço;
- Promotores e juízes;
- Agentes penitenciários;
- Funcionários de empresas de segurança privada e de transporte de valores ou que precisem de arma para uso profissional.
Estatuto do Desarmamento
O Estatuto do Desarmamento é como é conhecida a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Ela foi sancionada para diminuir a circulação de armas de fogo no Brasil e estabelecer penas mais rigorosas para delitos de porte ilegal e contrabando.
Além de ter especificado os requisitos para posse e porte de armas de fogo em território nacional, o estatuto definiu condutas consideradas criminosas a respeito do armamento e suas respectivas penas. Veja:
- Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição sem cumprir as determinações do estatuto = pena de três anos de prisão, mais multa;
- Portar arma, acessório ou munição sem autorização ou em desacordo com o estatuto = pena de dois a quatro anos de prisão, mais multa.
A Lei também estabelece penas específicas para os crimes de comércio ilegal de arma de fogo, tráfico internacional e posse ou porte ilegal de arma de uso restrito.
Referendo sobre armamento no Brasil
Em outubro de 2005, quase dois anos após a criação do estatuto do desarmamento, a população brasileira foi consultada, em um referendo, sobre o artigo 35 da legislação.
O 35º artigo proíbe a comercialização de armas de fogo e munição em todo o Brasil, exceto para Forças Armadas, polícias e empresas de segurança privada. A pergunta feita no referendo foi “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”, e as alternativas de resposta eram “Sim”, a favor da proibição; e “Não”, contra a proibição.
O resultado foi que 63,68% dos votantes escolheram a opção “Não”, contrária à proibição prevista no artigo 35 do estatuto. Mesmo assim, o documento se manteve sem alterações.
Flexibilizações no estatuto do desarmamento
Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro (PL) criou o Projeto de Lei (PL) n° 3723, que, segundo sua explicação, altera o Estatuto do Desarmamento, o Código Penal, a Lei de Segurança Bancária e a Lei de Segurança Nacional.
O objetivo é “disciplinar o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), estabelecer definições, modificar regras do registro, cadastro e porte de armas de fogo. Aumenta penas e modifica a descrição dos crimes. Regula o exercício das atividades de colecionador, atirador esportivo e caçador (CAC)”.
Hoje, o Projeto de Lei está em tramitação no Poder Legislativo e ainda não foi votado.
Além do PL, alguns outros decretos que flexibilizam o estatuto do desarmamento foram estabelecidos pelo presidente nos últimos anos. Acompanhe o que cada medida do Poder Executivo muda no estatuto*:
Armas de fogo
O que diz a legislação | O que propõe o PL 3.723/2019 |
O Estatuto do Desarmamento não chega a detalhar os diferentes tipos de armas de fogo. | Inclui no Estatuto do Desarmamento conceitos e diferenciações dos tipos de armas de fogo: longas, curtas, raiadas, automáticas etc. |
Segundo o Decreto 9.846/2019, de Bolsonaro, atiradores desportivos podem ter até 60 armas (30 de calibre permitido e 30 de calibre restrito). | O projeto não estabelece um limite máximo para aquisição de armas. Indica um limite mínimo, de forma que atiradores desportivos passam a ter direito a adquirir ao menos 16 armas de calibre permitido ou restrito, das quais pelo menos seis de calibre restrito. |
Conforme o Decreto 10.629/2021, agentes de segurança podem ter até 8 armas. | Autoriza policiais a adquirirem até 10 armas (de uso restrito ou permitido). Mas, por requerimento que comprove a necessidade, o número de armas pode ser ampliado ilimitadamente. |
O Decreto 10.629/2021 autorizou os Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) a transportarem uma arma de fogo curta (pistola ou revólver) municiada e pronta para uso, em qualquer horário, no trajeto entre o local de guarda do equipamento e os locais de treinamento, de prova, de competição, ou de manutenção, de caça ou de abate. Mas tal autorização não consta em lei. | Dá status de lei ao decreto de Bolsonaro. Autoriza os CACs a transportarem uma arma curta municiada e pronta para uso, em qualquer horário, no trajeto entre o local de guarda do equipamento e os locais de treinamento, de prova, de competição, ou de manutenção, de caça ou de abate. |
Munição
O que diz a legislação | O que propõe o PL 3.723/2019 |
O Decreto 10.629/2021 determina que atiradores e caçadores donos de armas de fogo podem adquirir no período de um ano: I. até mil unidades de munição e insumos para recarga de até 2 mil cartuchos para cada arma de fogo de uso restrito. II. até 5 mil unidades de munição e insumos para recarga de até 5 mil cartuchos para cada arma de uso permitido. | O projeto não determina nenhum limite à quantidade de munições. |
Registros
O que diz a legislação | O que propõe o PL 3.723/2019 |
O registro de armas de uso restrito e permitido de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) deve ser feito no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), instituído no Ministério da Justiça e gerenciado pela Polícia Federal. | Armas de uso restrito e permitido de agentes da Abin e do GSI devem ser registradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), sob responsabilidade do Exército. |
Armas usadas pelos CACs devem ser registradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma) — como estabelecido pelo Decreto 10.629/2021, e não por lei. | Dá status legal ao decreto de Bolsonaro e estabelece que armas usadas pelos CACs sejam registradas no Sigma. |
Regularização
O que diz a legislação | O que propõe o PL 3.723/2019 |
O Estatuto do Desarmamento concedeu em 2008 anistia para quem quisesse regularizar suas armas até dezembro de 2009. | Concede mais dois anos de prazo, a partir da entrada em vigor da lei, para que proprietários de armas de fogo sem registro possam buscar a regularização. |
Caçadores, atiradores e colecionadores (CACs)
O que diz a legislação | O que propõe o PL 3.723/2019 |
O Estatuto do Desarmamento não tem regras para Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs), que ficam sujeitos a decretos e portarias. | Insere no Estatuto do Desarmamento título específico, com sete capítulos, com regras relacionadas aos CACs. |
Rastreabilidade
O que diz a legislação | O que propõe o PL 3.723/2019 |
As armas de fogo fabricadas a partir de um ano da data de publicação do Estatuto do Desarmamento devem conter dispositivo intrínseco de segurança e de identificação, gravado no corpo da arma. | Dispensa a venda de arma com dispositivo de segurança e identificação gravada no corpo do equipamento. |
O Estatuto do Desarmamento determina que as munições comercializadas sejam acondicionadas em embalagens com sistema de código de barras, gravado na caixa, para possibilitar a identificação do fabricante e do comprador. | Elimina exigência de marcação de munições e código de rastreio. |
Punições
O que diz a legislação | O que propõe o PL 3.723/2019 |
O parágrafo único do art. 14 do Estatuto do Desarmamento estabelece que o crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é inafiançável, salvo se a arma estiver no nome do agente. | Torna possível fiança para crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. |
Pena de dois a quatro anos de reclusão e multa para o crime de porte irregular de arma de fogo de uso permitido. | Determina pena de detenção, de três a cinco anos, e multa para o crime de porte irregular de arma de fogo de uso permitido. |
Pena de um a três anos de detenção, além de multa para o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido. | Impõe pena de dois a quatro anos de reclusão e multa para o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido. |
Pena de detenção, de um a dois anos, e multa para o crime de omissão de cautela. | Pena de detenção, de dois a três anos, e multa para o crime de omissão de cautela. |
O Estatuto do Desarmamento estabelece pena de dois a quatro anos de reclusão e multa para o crime de disparo de arma de fogo. | Para o crime de disparo de arma de fogo, a pena passa a ser de reclusão, de três a cinco anos, e multa. |
O Código Penal já prevê que o crime de roubo terá pena aumentada no caso de uso de arma de fogo de uso restrito ou proibido. | Agrava, no Código Penal, a pena do crime de roubo, se cometido com uso de qualquer arma de fogo. |
O Código Penal determina aumento da pena de um terço até a metade, caso o crime de extorsão seja cometido com uso de arma de fogo ou por duas ou mais pessoas. | No caso do crime de extorsão previsto no Código Penal, aplica a pena em dobro se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo ou por duas ou mais pessoas. |
*Levantamento e redação realizados pela Agência Senado
Campanha do Desarmamento
Quando sancionado, o estatuto do desarmamento também criou uma recompensa para brasileiros entregarem voluntariamente suas armas, que possuam ou não registro, aos órgãos de segurança pública. O valor pago varia de acordo com o tipo de arma, indo de R$150 a R$450.
País com mais mortes por armas de fogo
Em 2016, o Brasil ocupou o primeiro lugar no ranking mundial de países com mais mortes causadas por armas de fogos, com um número de 43,2 mil óbitos desse tipo. O levantamento foi elaborado pelo Global Burden Disease, órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS) que pesquisa as causas de morte pelo mundo.
“90% das mortes violentas ocorrem fora das situações de conflito. Em todo o mundo, armas de fogo são frequentemente o meio letal em casos de homicídio, suicídio e lesões não intencionais, indicando um importante problema de saúde pública, com custos sociais e econômicos que se estendem além da perda imediata da vida”, apontou a pesquisa.
Desde janeiro de 2019, quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência, até maio de 2022, mais de 1 milhão de novas armas particulares foram registradas no Brasil, graças aos decretos do presidente que flexibilizaram o estatuto do desarmamento. Os dados são da Polícia Federal e do Exército obtidos pelos institutos Sou da Paz e Igarapé por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).
Já um levantamento da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo em parceria com o Instituto Sou da Paz, revela que pelo menos 30% dos armamentos usados em crimes e apreendidos entre 2018 e 2019 têm registro no Sistema Nacional de Armas da Polícia Federal (Sinarm).
Como cai no vestibular?
Que os dados a respeito do armamento podem aparecer em questões sobre atualidades e servir como argumentos em redações que envolvam o tema, você já sabe, né, Estrategista?
Por isso, a professora Gabi Garcia nos ajudou a entender melhor como o armamento pode ser abordado pela Filosofia e qual a melhor forma de se preparar para o assunto no vestibular.
De acordo com a professora, é importante começar entendendo as ideias de três pensadores sobre o uso da força e da violência: Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), Thomas Hobbes (1588 – 1676) e John Locke (1632 – 1704).
Nicolau Maquiavel
Autor do famoso livro “O Príncipe”, Maquiavel foi um filósofo revolucionário no âmbito da política, com uma teoria mais realista sobre o que são políticos e a relação entre ética e política. Para ele, que viveu na época da formação dos Estados europeus, “No ato político da conquista, a força, como um ato de violência, está inevitavelmente presente”, explica a professora.
Entenda dois conceitos importantes no pensamento de Maquiavel:
- Virtú: é a ética do político (príncipe), ou seja, a virtude está na capacidade de criar e respeitar as instituições necessárias ao convívio comum (povo e classe dominante). Isso não implica que os políticos sejam sujeitos eticamente excepcionais;
- Fortuna: diz respeito aos acontecimentos imprevisíveis que podem tanto servir ao governante quanto prejudicá-lo. Para agir bem, é necessário estar atento a cada detalhe da situação, e driblar a fortuna (que não tem a ver com dinheiro, nesse contexto) é o exercício de um bom dirigente.
“E aí, quem tem o uso exclusivo da força e da violência? É o Estado, é o Príncipe, é o governante, porque ele vai criar leis e regras. E se alguém não cumprir, cabe ao Estado punir essa pessoa”, explica a professora Gabi, e continua:
“O papel do Estado é garantir segurança para o povo, a segurança não deve ser só privada, ela é um bem público. Para eu existir, eu preciso me sentir seguro, e quem garante isso? O Estado”.
Thomas Hobbes
O pensamento de Hobbes traz a reflexão sobre a natureza humana e a necessidade de um governo e uma sociedade fortes. Para ele, mesmo que alguns indivíduos sejam mais fortes ou inteligentes que outros, nenhum consegue escapar do medo de que outros indivíduos possam lhe fazer mal.
A ideia do medo presente é que todos têm direito a tudo, e como as coisas são escassas, existe uma ideia constante de todos contra todos. E a partir disso, a dupla desejo e guerra faz nascer um novo modelo de homem, o cidadão.
- Homem natural: vive com medo e por isso está habitualmente em estado de guerra e conflito;
- Homem artificial/cidadão: é protegido por um aparato legal, proporcional ao desenvolvimento das potencialidades naturais humanas.
Gabi explica que o Estado idealizado por Hobbes utiliza plenamente das suas prerrogativas de monopólio da força para manutenção da paz e segurança dos cidadãos, evitando o conflito: “Se desse para viver nesse mundo ideal do Hobbes, onde o Estado garante segurança, a questão da arma não seria uma discussão”, pontua a professora.
John Locke
Considerado o pai do liberalismo, Locke acreditava que o governo tem como propósito proteger a vida, a liberdade e a propriedade das pessoas. Caso isso não aconteça, é direito do povo retirar sua confiança do governante.
Ao contrário de Hobbes, ele não entendia a natureza como um ambiente de guerra, pois o ser humano é dotado de razão. Sendo assim, mesmo que ele não respeite a lei da natureza, ele tem a consciência de que está cometendo uma transgressão.
Uso da força vs propriedade para Locke:
O pensador acreditava que apesar de constituir uma sociedade em que o direito à propriedade é garantido, não é possível excluir a defesa dessa posse. Sendo assim, o cenário traz também o direito de autoconservação por parte do indivíduo, usando a força privada.
Locke defendia que a ameaça ao domínio do proprietário sobre um bem que lhe pertence, como um roubo, por exemplo, dá margem a um estado de guerra entre as partes.
“Se eu vivo em uma sociedade que é regrada, que tem leis, e essa sociedade não permite que eu viva com segurança, é óbvio que eu vou querer ter o direito de me defender”, explica a professora Gabi.
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