As imagens do centro da cidade de Cabul, capital do Afeganistão, lotada de carros com pessoas tentando fugir do país e os aviões norte-americanos lotados ficarão marcadas na história. A tomada de poder do Talibã, grupo fundamentalista islâmico nacionalista, no Afeganistão ocorreu poucos dias após a retirada das forças armadas dos Estados Unidos da América, ação prometida Donald Trump e implementada por Joe Biden como um “tratado de paz” após os 20 anos da Guerra ao Terror.
Com o avanço da conquista de tribos ao redor do país, ao chegar em Cabul, o grupo não encontrou grande resistência, principalmente pelo então presidente, Ashraf Ghani, que se refugiou no Tajiquistão. Em publicação no Facebook, Ghani afirmou que deixou o país para evitar um maior derramamento de sangue.
Veja trecho da publicação:
“Queridos habitantes, hoje eu enfrentei uma escolha difícil. Eu deveria ficar e enfrentar o Talibã armado que queria entrar no palácio ou deixar o querido país ao qual dediquei minha vida para proteger nos últimos vinte anos. Se houvessem ainda incontáveis homens martirizados e eles iriam enfrentar a destruição e a destruição da cidade de Cabul, o resultado seria um grande desastre humano nessa cidade de seis milhões. O Talibã me removeu, eles estão aqui para atacar Cabul e sua população. Para evitar um derramamento de sangue, decidi que o melhor seria sair.”
Ao tomar o poder de todo o território e ocupar o palácio presidencial, o Talibã instituiu novamente o Emirado Islâmico do Afeganistão, nome utilizado pelo grupo antes da invasão norte-americana.
Entenda como surgiu o Talibã e por que a tomada de poder desse grupo fundamentalismo é uma questão preocupante e como esse tema pode ser cobrada nos próximos vestibulares:
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Como surgiu o Talibã?
A história do Talibã começa na Guerra Fria, no fim dos anos 80, quando a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) tomou posse do território afegão. Para resistir à invasão, e com o apoio financeiro dos Estados Unidos da América (EUA), guerreiros mujahidin foram treinados no Paquistão para resistir ao governo que cedia aos ensejos comunistas da União Soviética.
Ao retornar ao Afeganistão, esses guerrilheiros venceram a guerra civil que se estabeleceu após a saída da URSS, conseguiram reconquistar o território e assumir o país, implementando um governo extremista e teocrático, que visava exterminar minorias, oprimir mulheres e destruir patrimônios históricos, como as estátuas dos Budas de Bamiyan.
“O governo Talibã de 1996 a 2001, baseado na leitura ultraconservadora e fundamentalista do Alcorão, promovia execuções públicas, estabeleceu o fim das liberdades para mulheres, meninas não podiam ir às escolas, decretou a obrigatoriedade de burcas para mulheres, combate à ocidentalização, dentre outras ações de natureza violenta”, explica Alê Lopes, professora de Sociologia do Estratégia Vestibulares.
Após os Ataques do 11 de Setembro de 2001, o governo norte-americano, então presidido por George W. Bush, instaurou a Guerra ao Terror, que tinha como objetivo buscar os terroristas responsáveis pelos ataques e também dizia buscar resgatar os direitos humanos na região em parte do Oriente Médio.
Ainda em 2001, as tropas estadunidenses conseguiram depor o regime e encorajar diversos membros do grupo a abandonarem o movimento. Aqueles que remanesceram, continuaram a buscar novos guerrilheiros e traçaram as estratégias que resultaram nos acontecimentos de agosto de 2021.
Taleban, Talibã ou Taliban: como se escreve?
Com a ascensão do assunto, é possível encontrar diversas grafias diferentes sobre o nome desse grupo. Porém, não há um consenso que aponte qual é a forma correta. Por isso, as três opções são aceitas.
Curiosidade: a palavra significa “estudantes” em pashto, um dos idiomas utilizados no Afeganistão.
O que ocorreu com o Talibã durante os últimos 20 anos?
Após serem derrotados pelas forças norte-americanas, os membros do Talibã continuaram existindo em território afegão e, durante as duas últimas décadas, seguiram tentando recuperar o poder ao conquistar pequenas tribos ao redor do país.
“Entre 2001 e 2021, o grupo continuou existindo e buscando estabelecer um governo paralelo. Eles defendem que a soberania deve pertencer à religião a partir de uma ditadura de clérigos. Portanto, querem um sistema islâmico estatal. Tudo indica que, após décadas de confronto, primeiro contra comunistas, depois contra os Estados Unidos e aliados, o Talibã atingiu seu objetivo”, opina Lopes.
Mesmo agindo de forma mais discreta foi o Talibã que realizou o acordo com o ex-presidente norte-americano Donald Trump que resultou na retirada das tropas estadunidenses e da Otan.
O chamado “Acordo para Trazer a Paz ao Afeganistão” foi assinado no Catar, em fevereiro de 2020, e visava retirar das forças norte-americanas do Afeganistão até 11 de setembro de 2021, marco dos 20 anos do atentado terrorista que marcou a virada do século, desde que o Talibã garantisse que o território afegão não seja utilizado para planejar ou executar qualquer tipo de ação que ameace a segurança dos Estados Unidos.
O governo Biden adiantou a retirada das tropas e, consequentemente, deu abertura para que o Talibã conquistasse novamente o país, decisão que resultou em críticas à decisão do então presidente norte-americano.
“Joe Biden acabou de dar uma declaração falando que os Estados Unidos não entraria numa luta que o Afeganistão também não quer lutar [contra o Talibã]. Mas isso é geopolítica pura. Na verdade, os Estados Unidos não pode lutar nessa guerra porque estava ficando caro política e economicamente manter as tropas no território afegão”, aponta a professora de Geografia do Estratégia Vestibulares, Priscila Lima.
Para o jornalista e comentarista de política internacional, Guga Chacra, em coluna publicada no jornal O Globo, a decisão precipitada do governo norte-americano de retirar as tropas e o avanço do Talibã ficará como uma marca do governo Biden: “Aqui é preciso diferenciar a decisão de se retirar, tomada por Donald Trump e mantida por Biden, da retirada. Os EUA demonstram enorme incompetência no processo de remoção das tropas. Ao decidirem o momento da saída, deveriam estar mais preparados para o avanço do Talibã. Não estavam. O Pentágono, o Departamento de Estado e os serviços de inteligência americanos não conseguiram prever este final para a ocupação americana.”
Para a professora Priscila Lima, o movimento do Talibã de assumir o poder ainda é muito recente para ser visto como uma decisão positiva ou negativa no contexto geral. “A visão dessa tomada de posse do Talibã ser positiva ou negativa, atualmente, ainda não foi construída. Porém, é sempre importante a gente perguntar para quem essa decisão seria benéfica em um primeiro momento: para o Talibã está ótimo, já para boa parte da sociedade civil está péssimo”, provoca.
Cronologia do Talibã no Afeganistão
Veja a linha do tempo da história do Talibã no Afeganistão elaborada pela professora Alê Lopes:
- 1979: invasão da URSS ao Afeganistão;
- 1988: fundação da Al-Qaeda por Osama Bin Laden;
- 1989: os soviéticos se retiram do Afeganistão depois de dez anos;
- 1994: fundação do Talibã;
- 1996: Talibã assume o controle do Afeganistão.
- 2001: em 11 de setembro, ataque do grupo terrorista Al-Qaeda às Torres Gêmeas nos Estados Unidos;
- 2001: EUA invadem o Afeganistão e expulsam o Talibã de Cabul, que dava cobertura à Al-Qaeda nos territórios montanhosos;
- 2020: Trump assina um acordo de paz com o Talibã e se compromete a retirar as tropas de ocupação até 11 de setembro de 2021.
- Agosto de 2021: após 20 anos e mais de 1 trilhão de dólares, tropas dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) se retiram do país. Talibã começa a retomar ao poder do Afeganistão
Mudanças impostas pelo Talibã e possível diminuição do direito das mulheres
Com a tomada de poder, um dos grandes questionamentos é a manutenção dos direitos das mulheres, que podem ser restringidos por conta do que prega o Talibã, a partir da leitura da Sharia.
Também conhecida como “lei islâmica”, esse documento seria o registro de palavras do profeta Maomé e determina quais são as práticas permitidas para os muçulmanos, sendo que essa interpretação pode ser mais conservadora ou liberal, de acordo com cada etnia.
No caso do Talibã, em seu primeiro regime no Afeganistão, a Sharia foi lida seguindo à risca as escrituras, proibindo com que mulheres saíssem de casa desacompanhadas de um homem, tivessem acesso aos estudos, trabalhassem e exigiu com que qualquer mulher utilizasse a burca, vestimenta que cobre totalmente o corpo.
A ativista paquistanesa e ganhadora do Nobel da Paz, Malala Yousafzai, é um exemplo da brutalidade do grupo contra mulheres. Yousafzai ficou conhecida ao redor do mundo após receber um tiro na cabeça por um militante talibã ao reivindicar o direito ao estudo para meninas muçulmanas.
Apesar das apreensões, em sua primeira coletiva de imprensa oficial, o principal porta-voz do grupo, Zabihullah Mujahid, disse que o Talibã respeitará os direitos das mulheres e afirmou que as afegãs “ficarão felizes em seguir as regras da Sharia.”
Além disso, Mujahid também declarou que o direito da imprensa também será preservado e ofereceu anistia a todos aqueles que algum dia protestaram contra o Talibã, assim como para soldados afegãos ou membros do governo anterior.
Apesar dessa apresentação mais diplomática do Talibã, será preciso tempo para descobrir quais são as reais intenções do grupo e as consequências para o povo afegão.
Como esse tema pode cair no vestibular?
De acordo com a professora Priscila Lima, esse tema tem tudo para ser cobrado nos vestibulares ainda deste ano, inclusive pela coincidência de datas. “Em 2021, faz 20 anos que os Estados Unidos invadiu o Afeganistão por conta dos ataques do 11 de setembro”, aponta.
É importante lembrar que o Talibã não foi responsável pelo ataque terrorista, mas sim a Al-Qaeda. Porém, o país recebeu Osama Bin Laden e permitiu com que o líder dos ataques permanecesse no território por um tempo considerável, o que deu respaldo para que o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) permitisse a invasão.
Para a professora, algo que o estudante deve ficar atento é a contextualização dos fatos. “É preciso saber quem era o Talibã há 20 anos e quem é o Talibã hoje, pensar qual é a importância desse grupo fundamentalista no cenário geopolítico relacionando com a estratégia de escoamento de energia, por exemplo”, explica.
Sobre a questão dos direitos das mulheres, a professora de Sociologia do EV, Alê Lopes, relembra que é preciso esquecer a visão ocidental de liberdade e lembrar o que a liberdade feminina significa dentro do Islamismo: “Quando falamos de estudar, trabalhar e dirigir o seu próprio carro são três elementos que marcam a ideia de liberdade das mulheres desses países como o Afeganistão e o Irã, por exemplo.
Assista a aula completa dos professores do Estratégia Vestibulares sobre o tema:
Indicações de livros e filmes sobre o tema
Na aula especial preparada pelo Estratégia Vestibulares, os professores deram indicações de alguns livros e filmes que abordam essa temática e podem servir de repertório sociocultural. Confira a lista abaixo:
O Caçador de Pipas (Khaled Hosseini)
Sinopse: O romance narra a tocante história da amizade entre Amir e Hassan, dois meninos que vivem no Afeganistão da década de 1970. Durante um campeonato de pipas, Amir perde a chance de defender Hassan, num episódio que marca a vida dos dois amigos para sempre. Vinte anos mais tarde, quando Amir está estabelecido nos Estados Unidos, após ter abandonado um Afeganistão tomado pelos soviéticos, ele retorna a seu país de origem e é obrigado a acertar as contas com o passado.
A Cidade do Sol (Khaled Hosseini)
Sinopse: Do relacionamento proibido entre um rico comerciante de uma das maiores cidades do Afeganistão e uma de suas empregadas nasce Mariam, uma jovem marcada pelo ostracismo e a tragédia que, rejeitada pelo pai, vive em um casebre na periferia com a mãe, tendo como único passatempo, além dos afazeres domésticos, observar os mosquitos, as flores e as pedras. Ainda adolescente, perde a mãe e é obrigada a se casar com um desconhecido trinta anos mais velho e cumprir o seu dever como mulher: servir ao marido e lhe dar muitos filhos. O destino, entretanto, parece ter outros planos para Mariam, assim como para seu país. 1993, Cabul. Laila tem catorze anos. Filha de um intelectual, ela cresceu sendo incentivada a estudar, cursar uma universidade, ter uma carreira e só depois, se assim o desejasse, pensar em se casar. Entretanto, quando seus dois irmãos são enviados para lutar contra os soviéticos, a mãe passa a ignorá-la e a se isolar em sua tristeza. Laila se vê então obrigada a assumir as responsabilidades da casa, enquanto tenta manter sua rotina na escola, seus encontros com as amigas e sua paixão secreta pelo vizinho. Laila havia sido criada para ser quem ela quisesse, entretanto, logo a guerra irá lhe mostrar que nem sempre seus desejos podem se tornar realidade. Mariam e Laila são duas mulheres com idades, trajetórias e origens opostas que acabam unidas pelas tragédias da guerra e as restrições impostas pelo talibã. Seus destinos se cruzam de forma inexorável, e elas, em todas as suas diferenças, se provarão como suas únicas fontes de alegria, amizade e esperança. Ambas representam uma legião de mulheres afegãs que lutam todos os dias pela garantia de seus direitos mais básicos e por pequenos momentos de felicidade.
O Livreiro de Cabul (Åsne Seierstad)
Sinopse: Após conviver três meses com o livreiro Sultan Khan, em Cabul, a jornalista norueguesa Åsne Seierstad compôs este retrato das contradições extremas e da riqueza daquele país. Por mais de vinte anos, Sultan Khan enfrentou as autoridades para prover livros aos moradores de Cabul, e assistiu aos soldados talibãs queimarem pilhas e pilhas de livros nas ruas. Por meio de uma narrativa envolvente, Åsne Seierstad dá voz à família Khan, apresentando ao leitor uma coleção de personagens comoventes que reflete as contradições do Afeganistão.
Syngué sabour: pedra de paciência (Atiq Rahimi)
Sinopse: A personagem central desta obra, uma mulher afegã, vela o marido – que vegeta em uma cama com uma bala alojada na cabeça. Os tempos são difíceis. Na rua, os tanques e as Kalashnikov atiram sem cessar, a guerra civil impera às portas da casa onde a mulher espera por um milagre. Enquanto isso, lentamente a mulher faz jorrar de dentro de si as recordações há muito escondidas. Passa a narrar ao marido fatos que ele sempre ignorara. Como a syngué sabour da mitologia persa, a pedra negra que recebe dos peregrinos suas dores e lamentos, o homem prostrado ouve sua esposa. Ouve a extraordinária confissão da mulher, que lhe segreda, de maneira inimaginável num país islâmico, tudo o que mantivera para si, soterrado sob uma espessa camada de tradição. A ideia para a obra surgiu a partir de um episódio em que Rahmi foi convidado para um evento literário em Cabul por uma amiga, a poeta Nadia Anjuman. Chegando lá, descobriu que a poeta estava morta, por “causas familiares”. Investigando, soube que Nadia havia sido espancada até a morte pelo próprio marido, com a conivência da mãe, pois eles discordavam de seu modo de vida.
Soldado Anônimo (2005)
Sinopse: Swoff (Jake Gyllenhaal) é a terceira geração de sua família a servir ao exército. Ele passa pelo campo de treinamento antes de ser designado para lutar no Iraque, onde precisa carregar seu fuzil e cerca de 50 quilos de equipamento nas costas através de desertos escaldantes. Estando em local que não entende, lutando contra um inimigo que não consegue ver e sem entender direito o porquê de estar ali, Swoff e seus companheiros de batalhão sobrevivem à adversidade local usando o humor negro e o sarcasmo.
Posto de Combate (2021)
Sinopse: Baseado na história real da Batalha de Kamdesh que transformou a tropa em uma das mais condecoradas da Guerra do Afeganistão. Uma pequena unidade de soldados americanos enfrenta um esmagador ataque coordenado do Talibã.
Rambo 3 (1988)
Sinopse: Veterano (Sylvester Stallone) da Guerra do Vietnã refugia-se em mosteiro budista, em busca de paz espiritual. O retiro é interrompido quando ele decide libertar seu mentor, que caiu nas mãos dos soviéticos, durante a ocupação do Afeganistão.
12 Heróis (2018)
Sinopse: Após os atentados de 11 de setembro de 2001, o capitão Mitch Nelson (Chris Hemsworth) decide abandonar o posto de escritório recém-conquistado para retomar à ação. Ao lado de seu batalhão das Forças Especiais dos Estados Unidos, ele assume a responsabilidade de formar a primeira equipe a operar no Afeganistão após os ataques ao World Trade Center. Baseado em fatos reais.