O dia 2 de outubro é o Dia Internacional da Não-Violência. A data foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em homenagem ao nascimento do líder pacifista indiano Mahatma Gandhi, para lembrar da importância de uma educação e uma cultura voltada para o fim da violência. Cultura de paz, pacifismo e a trajetória de Gandhi são temas importantes ao vestibular e que temos que ficar de olho.
Toda data histórica tem o objetivo de lembrar fatos e contextos de forma a produzir uma reflexão sobre nossas práticas atuais enquanto sociedade. As tragédias são lembradas para que não se repitam e as comemorações existem para que os avanços positivos se intensifiquem.
Em momentos conflituosos como o que estamos vivendo, com o fortalecimento do terrorismo, de grupos extremistas e o incentivo à violência em diversas sociedades mundiais, é ainda mais importante lembrar de ideias e conceitos como a Não-Violência e a cultura de paz. Os temas podem aparecer no vestibular de diversas formas, seja em questões de Ciências Humanas ou nas redações.
Portanto, os conceitos que vamos apresentar nesta matéria são de extrema importância para ampliar o repertório sociocultural, compreender novos conceitos e aplicar nas provas que estão por vir. Fique com o Estratégia Vestibulares!
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Violências e não-violência: o que é e como são definidas?
A violência está em toda parte. Ela faz parte da nossa cultura e está naturalizada no cotidiano nas mais diversas práticas, atitudes, gestos e comportamentos. Por não se tratar de apenas uma prática, o correto é utilizar o termo no plural. A Organização Mundial da Saúde (OMS) entende a violência como sendo um problema de saúde pública que provém do reflexo da privação de direitos básicos.
Para a OMS, violência é “o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”. Nessa definição, é importante destacar a palavra “poder”, que amplia a definição para além do convencional.
Dessa forma, a violência é muito mais do que agressão física e passa a ser entendida como relações de abuso de poder, intimidações, negligências, abusos psicológicos e sexuais. Nesse sentido, para compreender o exercício da violência, é preciso compreender as relações de poder na sociedade. Por exemplo, um estabelecimento que se recusa a atender um morador de rua ou um chefe que assedia uma funcionária ou um pai que humilha o filho e a esposa.
Os grupos historicamente oprimidos como as mulheres, negros, LGBTs, pessoas com deficiência e pessoas de classes sociais de menor poder aquisitivo saem em desvantagem e são considerados os mais vulneráveis. Em algumas sociedades, esses conflitos envolvem questões religiosas, inimizades históricas (como gregos e turcos) e outros padrões de violência que são naturalizados.
A Não-Violência como combate à opressão
Independentemente do tipo de violência que falamos, ela sempre causa danos graves, seja ele físico, psicológico, patrimonial ou social. A Não-Violência, ao contrário do que se pode sugerir, não se trata somente de não adotar práticas violentas mas sim combatê-las, de forma pacífica e sem atacar de volta, assim como fazia Gandhi.
Dessa forma, a Não-Violência compreende a luta contra a opressão humana, a dominação dos povos, pela independência e liberdade. O conceito de Não-Violência está ligado, portanto, à desobediência civil de leis opressoras e discriminatórias. No contexto indiano, quando ainda estava sob domínio inglês, Gandhi não cooperava com os colonizadores, desobedecia as leis inglesas, incentivava greves pacíficas e liderava os demais à libertação.
Isso não significa que o movimento não foi reprimido. Ao contrário, os pacifistas foram perseguidos e presos. O conhecido episódio da “Marcha do Sal”, liderada por Gandhi em 1930, ilustra os métodos da Não-Violência. Na época, o comércio de sal na Índia era proibido pelos ingleses e o líder indiano iniciou uma marcha de 400 km até o litoral em forma de protesto.
A ideia era utilizar o sal do mar e não dos colonizadores. Mais de 50 mil pessoas que aderiram à marcha foram presas sem resistir à prisão, muitos apanharam dos policiais e não reagiram. Por isso, o movimento liderado por Gandhi ficou famoso e conhecido em todo o mundo, mostrando a força da Não-Violência como forma de libertação. Anos depois, Martin Luther King Jr. adotou esse método ao desrespeitar as leis de segregação racial norte-americanas.
Cultura de paz e estudos para a paz
Os chamados “Estudos para a paz” compreendem uma série de pesquisas voltadas para a diminuição das violências, formas de opressão e discriminação. Jorge Salhani, mestre em Comunicação e pesquisador dos estudos para a paz, explica que ao contrário do que se imagina, essas teorias não compreendem apenas a harmonia e confraternização entre todos os povos, mas sim um combate ativo contra as práticas violentas na cultura em todo o mundo.
“A garantia dos direitos humanos, a igualdade de gênero, a não discriminação, o desenvolvimento sustentável, a garantia de educação e segurança a todas as pessoas são parte do objetivo da cultura de paz”, afirma.
Além disso, a cultura de paz é uma resolução aprovada no Conselho de Segurança da ONU, instância máxima de deliberação da entidade. A “">Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz”, define a cultura de paz como um conjunto de valores, tradições, normas e estilo de vida voltados para o fim da violência. Tais valores estão descritos no tópico abaixo.
Valores da cultura de paz, segundo a ONU
O artigo 1º da resolução da ONU, orienta que a cultura de paz deve se nortear:
- No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação;
- No pleno respeito aos princípios de soberania, integridade territorial e independência política dos Estados e de não ingerência nos assuntos que são, essencialmente, de jurisdição interna dos Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional;
- No pleno respeito e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;
- No compromisso com a solução pacífica dos conflitos;
- Nos esforços para satisfazer as necessidades de desenvolvimento e proteção do meio-ambiente para as gerações presente e futuras;
- No respeito e promoção do direito ao desenvolvimento;
- No respeito e fomento à igualdade de direitos e oportunidades de mulheres e homens;
- No respeito e fomento ao direito de todas as pessoas à liberdade de expressão, opinião e informação;
- Na adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância e solidariedade, cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis da sociedade e entre as nações.
“De maneira geral, o intuito da cultura de paz é acabar com todas as violências, desde os seus níveis mais superficiais, perceptíveis, até suas camadas mais profundas, aquelas que são institucionalizadas e legitimadas pelos governos e pelas autoridades”, elucida o pesquisador Jorge Salhani.
Pacifismo x cultura de paz
No vestibular (e na vida) é importante saber identificar e diferenciar movimentos e momentos históricos. Apesar de pacifismo e cultura de paz se tratarem de questões relacionadas à paz, trata-se de questões distintas que se referem a processos diferentes.
O movimento pacifista tem origem na filosofia anti-guerra, surgiu no o século XIX e se fortaleceu nos ideais da não-violência de Gandhi, já mencionados neste artigo. Geralmente, esses movimentos se opõem a guerras e conflitos específicos. O movimento ganhou muita força nos anos 60, junto ao movimento hippie e a contracultura.
Os Beatles, por exemplo, surgem nesse contexto e são responsáveis por disseminar esses ideais em todo o mundo. Na época, os Estados Unidos estavam em guerra contra o Vietnã e imagens do horror circulavam o mundo através dos noticiários. Enquanto isso, os militantes denunciavam os horrores da miséria humana, da fome e da mercantilização da vida.
É claro que a cultura de paz também possui muitos desses fundamentos, no entanto, trata-se de um corrente teórica mais robusta, sistematizada cientificamente e com objetivos definidos e acordados internacionalmente, pela ONU.
“A cultura de paz deve ser pensada de uma forma mais ampla, crítica e com objetivos concretos. É insuficiente pensar somente na não violência como forma de chegarmos a uma cultura de paz. A não-violência é um conceito que está debaixo do guarda-chuva da cultura de paz.”, explica Jorge.
Conflito X violência: diferenças importantes
É muito comum associar a paz à ausência de conflitos. Mas esse vínculo é equivocado, já que o conflito jamais será extinto, é desejado e natural, já a violência é um produto de uma sociedade que falha em vários aspectos socioeconômicos. A violência se erradica com educação, oportunidade, menos desigualdades e ideais de respeito e tolerância.
Segundo os fundamentos da cultura de paz, os conflitos fazem parte da convivência humana, enquanto a violência é um sistema de opressão estrutural que precisa ser combatido. Por exemplo: é possível discordar sobre preferências pessoais, gostos, religião, futebol, estilo de vida, etc., mas jamais podemos negar a existência e a dignidade do outro, como as práticas do racismo, da lgbtfobia e da misoginia se embasam.
Também é importante destacar que o conceito não está ligado somente às questões de guerra, mas sim sobre as condições socioeconômicas do país ou região que permitem o surgimento da violência, como a desigualdade social e a ausência do Estado.
“O Brasil é um país que há muito tempo não entra em uma guerra, no sentido mais tradicional da palavra. Mas, mesmo assim, não podemos afirmar que existe paz ou uma cultura de paz no país. Há conflitos internos, um governo que não assegura os direitos básicos à população e que põe em risco a democracia e a violação de direitos humanos por parte das instituições”, exemplifica o especialista.
É possível adotar a não-violência no dia a dia?
Sim. Apesar da ideia se referir à macrosociedade, à problemas de governos e questões geopolíticas e históricas, as práticas do dia a dia podem ajudar a transformar o nosso entorno, de forma a melhorar nosso convívio social e torná-lo mais adequado à cultura de paz.
É preciso uma reflexão sobre os conflitos e entender que eles existem e são necessários para o progresso humano. As inquietações e divergências são o que move a ciência, por exemplo, e motivam os pensadores a refletirem. Nesse processo, muitos avanços são conquistados.
Você já ouviu aquela música que diz “Paz sem voz não é paz, é medo”? Ela se chama “Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero)”, do Rappa. Se ainda não ouviu, vamos deixar aqui para você analisar. É importante saber disso para não sair por aí dizendo sim pra tudo e aceitando a contragosto em nome da “paz”. A música nos ensina uma grande lição sobre a paz que a cultura de paz objetiva para a humanidade.
A cultura de paz não é sobre o simplismo de “vamos todos dar as mãos”. A análise é maior e deve ser feita com a seriedade que merece. “Precisamos entender o que está dificultando o surgimento da cultura de paz, quais são as violências que estão por trás disso e quem está legitimando essas violências. Essa análise crítica é fundamental e deve ser feita a todo tempo. Essas estratégias são importantes para se ter uma visão mais crítica da sociedade e das instituições que fazem parte dela”, explica Jorge.
Ou seja, ter um olhar crítico e atento à sua volta, compreender as desigualdades e o que tem sido feito pelos governantes para melhorar a situação, respeitando os direitos humanos e a dignidade dos seres é um ótimo passo para começar. Isso te parece familiar? Sim, a cultura de paz pode te ajudar e muito na redação dos principais vestibulares do país. Alô, Enem!