Saber quem conta a história é fundamental para entender qualquer texto literário em prosa, pois o narrador é a lente que revela fatos, personagens e emoções, além de moldar a forma como o leitor interpreta a narrativa.
Logo, esse é um conhecimento essencial para se destacar nas provas de vestibulares, especialmente em exames que exigem a leitura prévia de obras literárias, como a Fuvest.
Pensando nisso, o Portal Estratégia Vestibulares preparou este guia para te ajudar a compreender os tipos de narrador e como eles influenciam a construção da narrativa, com exemplos das principais obras da literatura brasileira. Confira!
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O que é o narrador?
O narrador é um dos cinco elementos que compõem a narrativa. Nesse viés, o narrador é a voz que conduz a história e tem a função de apresentar os acontecimentos, os personagens, o tempo e espaço do enredo. Além disso, o narrador é responsável por moldar a perspectiva como o leitor enxerga a narrativa.
Mas atenção: o narrador não é o autor! O autor é uma pessoa real que escreveu a história, já o narrador é ficcional, ainda que fale em primeira pessoa.
Tipos de narrador
Agora que você já sabe o que é o narrador e que ele se diferencia do autor. É preciso entender que o narrador pode ser classificado de acordo com a participação na história e foco narrativo.
Quanto à participação na história
- Narrador personagem: é o tipo de narrador que participa da história seja como protagonista ou secundário. Quando esse narrador é o protagonista, denomina-se autodiegético. De outro modo, quando ele participa da história mas não é o protagonista, denomina-se narrador homodiegético, como ocorre em Lucíola, de José de Alencar — em que Paulo narra os acontecimentos, mas a protagonista é Lúcia. Em ambos casos, a narrativa é escrita em primeira pessoa (eu/nós) e costuma ser construída com base no seu ponto de vista subjetivo e muitas vezes limitado, pois não é explorado o que se passa na mente de outros personagens;
- Narrador não personagem (heterodiegético): é aquele que narra os acontecimentos em 3ª pessoa (ele/ela/eles/elas) e não participa da história como personagem, observando apenas externamente. Além disso, pode ser dividido em subtipos que variam conforme o grau de conhecimento dos personagens.
Quanto ao foco narrativo
- Narrador onisciente (3ª pessoa): é o tipo de narrador que sabe de tudo o que se passa na narrativa, desde acontecimentos do passado e do futuro dos personagens, até pensamentos e sentimentos. Ele pode ser: um narrador onisciente neutro, o qual apenas narra sem juízo de valor, ou ser um onisciente intruso, que apresenta comentários e julgamentos sobre as ações dos personagens, com a finalidade de influenciar a opinião do leitor;
- Narrador onisciente múltiplo (3ª pessoa): é um narrador que apresenta diversas visões e opiniões, sem se ater a apenas um julgamento. Ele é flexível na maneira como transita nos pensamentos e personalidades dos personagens, a fim de o leitor ficar livre para se posicionar contra ou a favor dos personagens e suas ações. Nesse tipo de narrador, prevalece o discurso indireto livre, ou seja, os elementos do discurso direto (aspas e travessões, por exemplo) e indireto são fluidos e se fundem ao longo da narrativa;
- Narrador seletivo (3ª pessoa): é um tipo de narrador onisciente. Esse narrador foca em apenas um personagem, fazendo com que o leitor tenha uma visão limitada do que ocorre na trama; e
- Narrador observador (3ª pessoa objetiva): apenas relata o que é visível e audível, ou seja, o que é possível de observar. Ele pode também participar da história, mas não ser o protagonista e sim, um personagem secundário que conta a história de outrem. Ao contrário do narrador onisciente, o narrador observador não entra na mente dos personagens e costuma relatar os acontecimentos de forma imparcial.
Diferença entre foco narrativo ponto de vista
A diferença entre foco narrativo e ponto de vista pode confundir com frequência, devido a sutileza da distinção entre os conceitos. Porém, observe as diferenças:
- Foco narrativo: diz respeito a quem narra e de onde observa os fatos ao contar a história;
- Ponto de vista: é a perspectiva com que os fatos são apresentados, guiando a percepção do leitor. Isso pode acontecer pelo narrador ou pelos personagens, independentemente do foco adotado.
Exemplo:
Em Madame Bovary, de Gustave Flaubert, uma das obras inaugurais do Realismo, o narrador muda frequentemente o foco narrativo. Porém, em boa parte ele é onisciente (foco narrativo) e adota o ponto de vista de Emma Bovary, fazendo com que o narrador seja confundido com a protagonista Emma ao passo que conduz a narração.
Para elucidar, leia o trecho da obra que retrata o momento em que Emma recebe a carta de seu pai:
“E havia aqui um espaço entre as linhas, como se o bom homem tivesse deixado cair a pena para pensar um instante…”
Narrador confiável e não confiável
Ao ler uma narrativa é comum que o leitor confie totalmente naquilo que o narrador apresenta. Nem sempre, contudo, o narrador é uma fonte segura, o que influencia diretamente na percepção do leitor. Isso ocorre porque há dois tipos de narradores: narrador confiável e narrador não-confiável. Veja as diferenças a seguir:
- Narrador confiável: apresenta os acontecimentos de forma objetiva, coerente e integral, sem esconder ou distorcer informações intencionalmente. Ele pode ter opinião, mas preserva a credibilidade. Exemplos disso são o narrador observador ou o onisciente.
- Narrador não-confiável: omite, distorce ou interpreta equivocadamente os fatos. Ele também pode explicitar excessivamente o seu ponto de vista. Isso pode acontecer por ignorância, mentira ou desequilíbrio emocional. Um exemplo comum de narrador não-confiável é o narrador personagem, por estar emocionalmente envolvido.
Como o narrador impacta na narrativa?
O narrador é quem seleciona, organiza e apresenta os elementos da história, o que afeta diretamente a experiência do leitor, podendo envolvê-lo emocionalmente. Entenda como:
- Enredo: o narrador define o que é revelado, quando e como. Ele pode escolher se apresenta os acontecimentos de forma linear ou alternada, fidedigna ou distorcida, de acordo com seus interesses.
- Personagens: o narrador é o mediador entre o leitor e os personagens, seja por meio do acesso aos pensamentos e sentimentos dos personagens ou do conhecimento de sua aparência, falas e ações externas.
- Tempo: o tempo também é influenciado pelo narrador, o qual dita se o tempo será cronológico ou psicológico.
- Temática: o tema central da obra pode ser reforçado ou criticado pelo narrador a depender da maneira como ele expressa os acontecimentos.
Voz e tom do narrador
A voz é o estilo próprio do narrador e envolve a escolha do tipo de linguagem (formal, coloquial ou poética), do vocabulário, o uso ou não de figuras de linguagem e o ritmo das frases.
No Romantismo, por exemplo, a voz narrativa tende a ser subjetiva, idealizada e excessivamente descritiva. Já no Realismo, essa subjetividade dá lugar a uma linguagem mais contida, voltada para a observação crítica da realidade e a análise do comportamento humano.
Já o tom revela a atitude emocional ou crítica do narrador diante dos fatos narrados. Esse pode ser: neutro, irônico ou melancólico, por exemplo.
Narrador e metalinguagem
O narrador também pode adotar a metalinguagem e refletir sobre o próprio ato de narrar. Esse recurso pode ser observado em obras como A Hora da Estrela, de Clarice Lispector e em Dom Casmurro, no qual o narrador explica com ironia o título da obra:
“Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo.”
Narradores nas obras da literatura brasileira
A seguir, está uma lista dos principais narradores presentes em obras literárias brasileiras que costumam ser abordadas nos vestibulares:
- Machado de Assis: em Dom Casmurro, Bentinho atua como narrador-personagem (autodiegético), cuja visão subjetiva levanta dúvidas sobre a veracidade dos fatos. Afinal, Capitu realmente o traiu? Já em Memórias Póstumas de Brás Cubas, há o famoso narrador-defunto, que relata sua história postumamente, combinando ironia, metalinguagem e crítica social;
- Clarice Lispector: geralmente suas obras apresentam narradores complexos e íntimos, introspectivos, mergulhados na subjetividade. Em A Hora da Estrela, Rodrigo S.M. é um narrador-personagem que reflete sobre a própria construção da narrativa e da personagem Macabéa. Já no conto Amor, o narrador é onisciente e explora o psicológico da personagem;
- Guimarães Rosa: apresenta uma narrativa com linguagem inovadora. Em Grande Sertão Veredas, está presente o narrador-personagem (autodiegético) Riobaldo. Enquanto que em Campo Geral, o narrador é onisciente, com um foco narrativo específico na perspectiva de Miguilim; e
- Graciliano Ramos: apresenta um narrador onisciente seco e objetivo em sua principal obra, Vidas Secas, em que a narração intencionalmente exprime a crueza da realidade dura das personagens.
Como identificar e analisar o narrador
Em suma, identificar o narrador é o primeiro passo para compreender a lógica da narrativa. Para isso, separamos algumas perguntas que você pode fazer diante de uma obra literária:
- Quem é a pessoa verbal: a narração está em primeira ou terceira pessoa?
- Reconheça o tipo e foco narrativo: o narrador é personagem, observador ou onisciente?
- Analise o ponto de vista: de quem é a perspectiva? Há julgamentos sobre os personagens?
- Questione a confiabilidade: o narrador transmite todos os fatos fidedignamente ou há sinais de distorção, exagero ou parcialidade? Cuidado especialmente com os narradores-personagem!
- Reflita sobre o impacto do narrador: como ele influenciou a forma como você enxerga os personagens e os acontecimentos?
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