Correção da prova de Português da 2ª Fase da Unicamp 2020

Correção da prova de Português da 2ª Fase da Unicamp 2020

Olá… Tudo bem? Sou a profª. Celina Gil, do Estratégia Vestibulares e Estratégia Militares. Com a ajuda da professora Luana Signorelli, escrevo este artigo para comentar as questões de Português da prova da 2ª Fase do Vestibular da Unicamp.

Nesta página, você vai conferir todas as questões resolvidas e comentadas. Você pode, inclusive, baixar os nossos comentários sobre a prova em um PDF gratuito.

Questão 01

este livro

Meu filho. Não é automatismo. Juro. É jazz do coração. É
prosa que dá prêmio. Um tea for two total, tilintar de verdade
que você seduz, charmeur volante, pela pista, a toda. Enfie a
carapuça.
E cante.
Puro açúcar branco e blue.

(Ana Cristina César, A teus pés. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 29.)

a) No poema “este livro” usa-se um recurso poético chamado aliteração. Explique o que é aliteração e identifique um exemplo de aliteração presente nesse texto poético.

b) O poema propõe uma definição do próprio livro e inclui algumas “instruções” para o provável leitor. Identifique dois verbos que instruem o leitor e explique a frase “Não é automatismo”, com base no conjunto do poema.

Comentários

Observação: esse mesmo poema caiu no 1º Simulado Unicamp proporcionado pelo Estratégia Vestibulares!

a) A aliteração é uma figura de linguagem (ou recurso expressivo) que ocorre quando há repetição de sons consonantais. Como só há 5 vogais no alfabeto do português, poderia haver 21 opções e, no caso desse curto poema, há pelo menos 6 exemplos que de letras que poderiam ser usadas: j, p, t, v, c e b.

Vamos aos exemplos:

  • j: “Juro. É jazz do coração”;
  • p: “prosa que dá prêmio” e “pela pista”;
  • t: “tea for two total, tilintar”;
  • v: “verdade/ que você seduz, charmeur volante”;
  • c: “carapuça./ E cante” e b: “branco e blue”.

Outras questões que poderiam ter sido exploradas na análise desse poema:

  • o simbolismo das cores branco e blue (azul), e justamente a polissemia desse termo, que pode representar tristeza e melancolia, já que a autora em vida foi depressiva;
  • os estrangeirismos, do inglês (jazz e blue) e do francês (charmeur: sedutora), justificado pelo fato de que a autora também viveu muito tempo no exterior;
  • o gênero do micropoema (lembrando que o micromachismo foi cobrado na redação), posto que o livro A teus pés como um todo é marcado pela mistura de gêneros.

b) “Enfie” e “cante”, pois eles estão no imperativo, indicando ordens de como o leitor deve lidar com o livro. “Não é automatismo”, porque não é um livro simples, já que é caracterizado pela mistura de gêneros e de improviso.

Nesse sentido, o leitor é convidado, até mesmo intimado, a tomar uma atitude contra o automatismo. A expressão idiomática em inglês “tea for two” significa conversa a dois, consistindo no diálogo entre o eu lírico da autora e o seu respectivo leitor.

Questão 02

Texto I

(…) Contemplava extasiada o céu cor de anil. E eu fiquei compreendendo que eu adoro o meu Brasil. O meu olhar posou nos arvoredos que existe no início da rua Pedro Vicente. As folhas movia-se. Pensei: elas estão aplaudindo este meu gesto de amor a minha Pátria. (…) Toquei o carrinho e fui buscar mais papeis. A Vera ia sorrindo. E eu pensei no Casemiro de Abreu, que disse: “Ri criança. A vida é bela”. Só se a vida era boa naquele tempo. Porque agora a época está apropriada para dizer: “Chora criança. A vida é amarga”.

(Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo. São Paulo: Ática, 2014, p. 35-36.)

RISOS

Ri, criança, a vida é curta,
O sonho dura um instante.
Depois… o cipreste esguio
Mostra a cova ao viandante!

A vida é triste ̶ quem nega?
̶ Nem vale a pena dizê-lo.
Deus a parte entre seus dedos
Qual um fio de cabelo!

Como o dia, a nossa vida
Na aurora ̶ é toda venturas,
De tarde ̶ doce tristeza,
De noite ̶ sombras escuras!

A velhice tem gemidos,
̶ A dor das visões passadas
̶ A mocidade ̶ queixumes,
Só a infância tem risadas!

Ri, criança, a vida é curta,
O sonho dura um instante.
Depois… o cipreste esguio
Mostra a cova ao viandante!

(Casemiro J. M. de Abreu, As primaveras. Rio de Janeiro: Tipografia de Paula Brito,1859, p. 237-238.)

a) Nas três linhas iniciais do texto I, a autora estabelece uma relação entre o sujeito da ação e o espaço em que ele se encontra. Mencione e explique dois recursos poéticos que compõem a cena narrativa.

b) A representação da infância no texto I se aproxima e, ao mesmo tempo, difere daquela que se encontra no texto II. Considerando que o texto I é um excerto do diário de Carolina Maria de Jesus e o texto II é um poema romântico, identifique e explique essa diferença na representação da infância, com base nos períodos literários.

Comentários

a) Os dois recursos poéticos observáveis nas três primeiras linhas são: rima e personificação. Há rima entre “anil” e “Brasil” e personificação em dois momentos, a folhas aplaudem o amor à pátria e o olhar “pousou” nos arvoredos.

b) No Romantismo, a infância é idealizada, considerada como o momento da felicidade perdida. O texto de Carolina foi escrito na década de 50 na mesma período da Terceira Geração Modernista. Ou seja, sua obra é pulicada depois de, pelo menos, dois movimentos literários recusarem a idealização romântica: o realismo e o Modernismo.

De certa forma, isso permitiu que Carolina pudesse registrar sem idealização o real sofrimento que se vive na infância, principalmente se a criança for extremamente pobre.

Questão 03

Resumindo seus pensamentos de vencido, Francisco Teodoro disse alto, num suspiro:

― Trabalhei, trabalhei, trabalhei, e aqui estou como Jó!

(…)

― Como Jó! Repetiu ele furioso, arrancando as barbas e unhando as faces. Não lhe bastava o arrependimento, a dor moral, queria o castigo físico, a maceração da carne, para completa punição da sua inépcia.

Não saber guardar a felicidade, depois de ter sabido adquiri-la, é sinal de loucura. Ele era um doido? Sim, ele era um doido. Tal qual o avô. Riu alto; ele era um doido!

(Júlia Lopes de Almeida, A Falência. Campinas: Editora da Unicamp, 2018, p. 296.)

a) O protagonista de A Falência encarna um tipo representativo da sociedade brasileira do século XIX. Aponte quatro características desse tipo social constatadas na trajetória de Francisco Teodoro.

b) No excerto acima, o narrador se detém no momento em que o protagonista, atormentado, revê sua trajetória e se recorda do avô. Caracterize a voz narrativa nesse excerto e explique seu funcionamento.

Comentários

a) O tipo representativo da sociedade brasileira do século XIX é o imigrante português que quer ascender. Geralmente, são personagens que representam dois extremos: saem de uma condição de pobreza, conseguindo superá-la rumo a mais impressionante riqueza.

Inclusive, uma personagem tipo se caracteriza pela sua previsibilidade e universalidade, o que podemos ainda associar aos traços marcantes dos movimentos literários do período, no caso, Naturalismo e Realismo. Francisco Theodoro é um rico comerciante/dono de um armazém de café do Rio de Janeiro.

A primeira característica da trajetória do protagonista Francisco Theodoro é sua ambição, sobretudo a financeira. Ele é um verdadeiro workaholic (viciado em trabalho), inclusive negligenciando a sua própria família em benefício próprio.

Nesse sentido, ele se assemelha a outra personagem do cânone literário, que é João Romão no romance O cortiço de Aluísio de Azevedo. *Observação: este livro fazia parte do repertório obrigatório do vestibular FUVEST 2020, podendo contemplar os alunos do público-alvo que possivelmente também estivessem prestando vestibular para essa outra instituição do Sudeste.

A segunda característica de Francisco Theodoro é justamente o percurso de uma trajetória de ascendência rumo à decadência, como indica o próprio título de A falência. O leitor chega a desconfiar como que um personagem tão esperto cai na armadilha de Inocêncio Braga, que o conduz à bancarrota. A terceira característica é o conservadorismo, um dos marcos de sua personalidade.

Isso inclui outros aspectos, como o machismo, por exemplo, presente em várias passagens do livro. Isso também pode ser expresso na forma de indiferença para com a família, no tratamento dos filhos (ele quer que o primogênito Mário seja seu sucessor, mas, ao mesmo tempo, nunca o treina de fato para o trabalho).

Isso ainda pode ser projetado no seu individualismo e egocentrismo, isto é, ele concentra todo o poder na sua própria figura, em si mesmo, constituindo isso num dos motivos de sua falência. Por exemplo, ele não deixava sequer sua mulher – Camila – trabalhar (caso o tivesse feito, talvez, ela teria se adaptado melhor à situação e teria uma fonte de renda).

Inclusive, na questão da ascendência/ruína, tanto financeira quanto humana, moral, existencial, podemos também destacar outro personagem paradigmático, que é Rubião, protagonista do romance realista Quincas Borba de Machado de Assis.

*Observação: este romance também integrava o repertório obrigatório FUVEST 2020. E o quarto traço seria o adultério, representativo dos romances realistas do século XIX, sendo esta inclusive uma das suas principais temáticas.

Esse ponto em A falência é representado principalmente no relacionamento adúltero entre Camila e doutor Gervásio, cujo peso é maior, sendo ela casada com Francisco Theodoro, o qual não sabemos que grau de consciência tem do adultério; e entre o do próprio doutor Gervásio com Camila, pois ele era casado, sendo que sua mulher se recusava a se divorciar dele por vingança.

b) No trecho em questão, a voz narrativa se vale do recurso da intertextualidade (diálogo entre textos) com a Escritura Sagrada da Bíblia. Isso tem o intuito de engrandecimento/enobrecimento da própria pessoa de Francisco Theodoro, que considera seu sofrimento digno das personagens bíblicas.

Inclusive, ele quer ter o mesmo comportamento ancestral de arrancar barbas e arranhar a face com unhas, por exemplo. Isso indica a extremidade, a urgência, a pungência do seu sofrimento imediato, o que acaba por culminar em suicídio.

Assim, o trecho relaciona Francisco Theodoro diretamente com o avô, pessoa simples e de origem humilde, pois ele era camponês. Embora Francisco Theodoro fosse de outra classe social, pois era rico, ele resgata essa memória familiar; num momento que se sente sozinho, busca resgatar suas raízes, suas origens. Num plano maior, verifica-se a comparação com a Bíblia, como se ele fosse descendente direto dos grandes patriarcas.

Questão 04

era uma vez uma mulher
e ela queria falar de gênero

era uma vez outra mulher
e ela queria falar de coletivos

e outra mulher ainda
especialista em declinações

a união faz a força
então as três se juntaram

e fundaram o grupo de estudos
celso pedro luft

(Angélica Freitas, Um útero é do tamanho de um punho. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p.14.)

Considerando o poema e a imagem, resolva as questões.

a) Explique as ambiguidades presentes nas duas primeiras estrofes do poema.

b) Que figura de linguagem é usada nos três últimos versos do poema? Justifique sua resposta.

Comentários

a) *Observação: O livro Um útero é do tamanho de um punho da escritora gaúcha Angélica Freitas foi cobrado no repertório obrigatório da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tendo inclusive gerado polêmicas.

As ambiguidades nas duas primeiras estrofes ocorrem devido ao uso de termos geralmente provenientes da gramática, ou aplicados a ela, no vocabulário do cotidiano. No caso, primeiramente há a ambiguidade em relação ao termo “gênero”, que pode se remeter a questões de gênero (homem, mulher etc.) e flexão de gênero na gramática (feminino e masculino).

Em segundo lugar, há ambiguidade acerca da expressão “coletivos”, podendo aludir ao substantivo coletivo, entre os quais como exemplo podemos mencionar matilha (coletivo de cão) e enxame (coletivo de abelha), e a acepção moderna, que consistem em iniciativas de agrupamentos, ajuntamentos em torno de uma causa.

Lembrando que os substantivos coletivos são aquelas palavras no singular que representam grupos e ambiguidade é um efeito de texto que ocorre quando um mesmo vocábulo ou expressão pode ser interpretado de mais de uma maneira. Ela pode aparecer de duas maneiras: como recurso expressivo, principalmente no caso da publicidade ou dos textos humorísticos; ou como um defeito na construção, prejudicando a clareza da mensagem. Ou seja, ela pode ser intencional ou não.

b) Atenção: tanto na primeira alternativa quanto na segunda os comandos estão indicando diretamente partes específicas do poema a que vocês deveriam recorrer. No caso, são os 3 últimos versos: “então as três se juntaram/ e fundaram o grupo de estudos/ celso pedro luft”.

Acreditamos que há 2 figuras de linguagens mais fortes, mais predominantes que poderiam ter sido indicadas aí. Iremos apontas, defini-las e, como o comando pediu, justificar porque poderiam ser elas. No entanto, também destacamos que essa é uma tipologia de questão da Unicamp que permite margem, abertura para outras possibilidades.

Metonímia: ocorre quando há uma substituição da parte pelo todo, ou seja, utiliza-se um termo para representar outro, pois há uma relação estabelecida entre eles. No caso, a obra (a gramática) de Celso Pedro Luft é conhecido por meio do seu grupo, de forma que há correspondência então entre autor e obra. Por exemplo, se falamos “eu frequento o grupo de estudos de Guimarães Rosa”, quer dizer que nesse grupo se estuda a obra desse autor, e não a vida desse autor propriamente dita.

Ironia: consiste tanto numa figura de linguagem quanto num efeito de texto. Ocorre quando aquilo que está sendo dito é o contrário do que realmente se pretende dizer. No caso, ela pode ser verificada no fato de que é um grupo formado por 3 mulheres (uma delas querendo inclusive falar sobre gênero), que no fundo estudam um homem (Celso Pedro Luft).

Questão 05

Voltou à moda o velho “faça você mesmo” ou bricolagem. A ideia de que às vezes é melhor trabalhar com a mão na massa, engajando os cidadãos, se tornou uma metáfora para práticas pedagógicas, ações políticas, retórica empreendedora. Mas poucos usam, no Brasil, o termo que melhor representa essa potência criativa de que as pessoas são capazes: gambiarra. Palavra menos nobre, gambiarra existe, no Brasil e em outros países de língua portuguesa, quase sempre como um termo popular, dialetal ou depreciativo. Porque é um faça-você-mesmo rebelde que recombina peças já existentes, no interior de regras dadas, para inventar novas funções e afirmar novas regras. Escolhi cinco livros que mostram as gambiarras em ação, entre eles, A invenção do cotidiano: Artes de fazer, de Michel de Certeau. Nesse livro, o historiador e teólogo francês apresenta um estudo analítico e um elogio político da criatividade do “cidadão comum”. Ao traçar uma distinção entre estratégias (as regras do jogo formuladas pelos que têm o poder de estabelecer regras) e táticas (os gestos, ações, invenções dos subjugados, que tentam lidar com as regras, mas também achar um jeitinho de driblá-las), Certeau revela as gambiarras que fazem com que o cotidiano se invente e reinvente.

(Adaptado de Yurij Castelfranchi, Livros para imaginar, apreciar e fazer gambiarras. Disponível em https://www.nexojornal.com.br/estante/favoritos/2019/5-livros-para-imaginar-apreciar-e-fazer-gambiarras. Acessado em 10/08/2019.)

a) Explique por que a gambiarra é, ao mesmo tempo, indisciplinada e criativa.

b) Segundo Castelfranchi, como Michel de Certeau associa a ideia de gambiarra às ações políticas do cidadão comum? Responda com base em dois exemplos citados no texto.

Comentários

a) Segundo o texto, a gambiarra “recombina peças já existentes, no interior de regras dadas, para inventar novas funções e afirmar novas regras”. Assim, ao mesmo tempo em que ela subverte as regras, sendo, portanto, indisciplinada, ela também cria, inova, sendo, portanto, criativa.

b) O autor diferencia dois tipos de situação diferentes: as estratégias e as táticas. As estratégias são pertencentes a aqueles que estão no poder, que podem “estabelecer regras”. As táticas são as ações daqueles que estão subjugados, lidando tanto quanto possível com as regras que não lhe são benéficas. Dois exemplos da associação da ideia de gambiarra às ações políticas são justamente a capacidade de lidar com as regras e buscar driblá-las ao mesmo tempo.

Questão 06

O dicionarista e historiador Nei Lopes, autor do Dicionário banto do Brasil, afirmou, em entrevista à Revista Fapesp:

Resolvi elaborar um dicionário para identificar os vocábulos da língua portuguesa com origem no universo dos povos bantos, denominação que engloba centenas de línguas e dialetos africanos. Palavras como babá, baia, banda, caçapa, cachimbo, dengo, farofa, fofoca e minhoca, por exemplo, têm origem provável ou comprovada em línguas bantas e o quimbundo pode ter sido o idioma que mais contribuiu à formação de nosso vocabulário. Ao constatar tal quantidade de palavras originárias de idiomas bantos que circulam pelo país, quis comprovar a importância dessas culturas para o contexto nacional. Assim, escrever dicionários, para mim, também é uma tarefa política. Percebi que dicionários funcionam como um meio didático eficaz para disseminar conhecimento. Os currículos costumam começar a abordagem sobre a África a partir da escravidão, partindo do princípio de que os nossos ancestrais foram todos escravos. Nos ensinamentos sobre o assunto, é preciso descolonizar o pensamento brasileiro, deixando evidente como os grandes centros europeus espoliaram o continente e que, hoje, a realidade africana é fruto dessas ações.

(Adaptado de Nei Lopes, O dicionário heterodoxo. Entrevista concedida a Cristina Queiroz. Revista Fapesp. Edição 275, jan. 2019. Disponível em http://revistapesquisa.fapesp.br/2019/01/10/nei-braz-lopes-o-dicionarista-heterodoxo/. Acessado em 23/08/2019.)

a) Explique, com base em dois argumentos presentes no texto, por que, para o autor, escrever dicionários é uma tarefa política.

b) Que crítica o autor faz aos currículos escolares e que abordagem propõe para o assunto?

Comentários

a) Segundo o autor, um dicionário é “um meio didático eficaz para disseminar conhecimento”, ou seja, através dele ele poderia espalhar sua mensagem – de que devemos valorizar a história e conhecimentos da África para além da ligação com a escravidão – de maneira rápida e de fácil compreensão. Além disso, através do dicionário e da grande quantidade de verbetes, ele pode demonstrar a importância das culturas banto e quimbundo para o contexto nacional.

b) O autor critica o fato de que as escolas começam a abordagem sobre a África a partir da escravidão, partindo do princípio de os ancestrais da população negra foram todos escravos. Para ele, é preciso “descolonizar o pensamento brasileiro”, ou seja, deixar claro que os grandes centros europeus espoliaram o continente africano, aponta como a realidade africana contemporânea é fruto dessas ações.

Questão 07

É objetivo da letra da canção Diáspora

Texto I

“Menino do Rio” (Caetano Veloso, Cinem Transcendental, 1979.)

Menino do Rio
Calor que provoca arrepio
Dragão tatuado no braço
Calção corpo aberto no espaço
Coração, de eterno flerte
Adoro ver-te
(…)
O Havaí, seja aqui
Tudo o que sonhares
Todos os lugares
As ondas dos mares
Pois quando eu te vejo Eu desejo o teu desejo

Texto II

“Haiti” (Caetano Veloso e Gilberto Gil, Tropicália 2, 1993.)

(…)
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase
todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos
de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como
se tratam os pretos
(…)
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

(Disponível em http://www.caetanoveloso.com.br/. Acessado em 12/10/2019.)

Havaí é uma ilha do Pacífico, um Estado norte-americano conhecido pelo turismo e por suas praias paradisíacas que atraem surfistas do mundo inteiro.

Haiti é uma ilha do Caribe, atualmente sob intervenção da ONU; é o país mais pobre das Américas, com mais de 60% da população subnutrida.

a) O verso “O Havaí, seja aqui” (texto I), de Caetano Veloso, e o verso “O Haiti é aqui” (texto II), de Caetano e Gilberto Gil, refletem diferentes posições em relação aos lugares a que se referem. Explique como o uso do verbo “ser” define cada uma dessas posições.

b) Explicite as duas visões dos compositores ao dizerem: “O Haiti é aqui” / “O Haiti não é aqui” (texto II).

Comentários

a) No texto I, a oração “O Havaí, seja aqui” apresenta o verbo ser no presente do subjuntivo. Esse tempo verbal denota ideia de hipótese, reforçando o caráter idílico, paradisíaco, do Havaí, visto de maneira utópica pelo autor. Isso é reforçado pelo aparecimento das construções “Tudo o que sonhares” e “Eu desejo o teu desejo”.

Já no texto II, a oração “O Haiti é aqui apresenta o verbo ser no presente do indicativo, denotando ideia de fato real e duradouro no presente. Os autores relacionam os dois lugares a partir da violência e do racismo estrutural presente nos dois países.

b) Apesar da aparente contradição, as orações se referem a aspectos diferentes da comparação entre Brasil e Haiti: na primeira oração, há uma construção metafórica, que relaciona o Brasil e o Haiti a partir das conjunturas sociais e raciais, principalmente a questão do racismo estrutural e a violência para com a população negra. Por outro lado, na segunda oração, os autores se atém à localização geográfica: o Brasil e o Haiti, de fato não são o mesmo país.

Observação: A obra Sobrevivendo no inferno, de Racionais MC’s era obra de leitura obrigatória na UNICAMP e poderia ser de grande ajuda na interpretação dessa canção. O trecho “Diante da chacina / 111 presos indefesos, mas presos são quase / todos pretos” faz referência ao massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, em São Paulo. Na situação, a Polícia Militar interveio sobre o Casa de Detenção do Carandiru para conter uma rebelião. Porém, a ação acabou sendo desastrosa: 111 detentos foram mortos.

A música “Diário de um Detento”, presente na obra de Racionais MC’s, conta justamente a história do massacre. Relembre o quadro sinóptico elaborado pela professora Luana sobre essa canção:

EstruturaEstruturalmente, a música dura 7 minutos e 31 segundos e ocupa o exato centro do disco.
PersonagensPresidiários do Carandiru, entre os quais o mais importante é Jocenir, um dos sobreviventes do massacre, que escreve o diário o qual serve de inspiração para a produção da música.
Tempo1º, 2 e 3 de outubro de 1992 (tempo histórico do massacre) versus tempo psicológico (diário). Além disso, também há o tempo meteorológico: “O dia tá chuvoso. O clima tá tenso” e “Amanheceu com Sol, dois de outubro”. E por fim, o tempo do diário, com a hora específica: “São Paulo, dia 1º de outubro de 1992, 8h da manhã”.
EspaçoCasa de Detenção de São Paulo, mais conhecida popularmente como Carandiru.
ConflitoNão há consenso, mas se acredita que a desavença tenha começado de uma discussão, sem uma versão definitiva. “Dois ladrões considerados passaram a discutir/Mas não imaginavam o que estaria por vir”.
ClímaxA música passa mais tempo indicando o cotidiano dos presos e suas histórias do que o massacre em si. Porém, um dia, há uma desavença, uma confusão, não se sabe bem o porquê. Dois presos importantes dentro da prisão, “Traficantes, homicidas, estelionatários”, começaram a discutir.
DesfechoA trégua dependia da decisão do governador do estado de São Paulo, na época, Luiz Antônio Fleury, que (dizem) estava almoçando e sequer atendeu ao telefone. O resultado foi a invasão da tropa de choque para conter a rebelião, resultando no massacre de 111 presos.

Questão 08

Texto I

Em Bacurau, vilarejo fictício no meio do nada que recebe o nome de um pássaro “brabo” de hábitos noturnos, o sertão é também o centro do país. Bacurau cheira a morte. A primeira sequência do longa é a passagem de um caminhão-pipa que atropela caixões pelo caminho. No povoado isolado, mas hiperconectado à internet, os moradores, com uma grande variedade de gêneros, raças e sexualidades, vivem sem água e escondem-se quando o prefeito em campanha pela reeleição chega para distribuir mantimentos vencidos, e despejar livros velhos em frente à escola local. Aí já começa a resistência: em meio à penúria, os moradores organizam-se e ajudam-se entre si. Quando o vilarejo literalmente desaparece dos mapas digitais e a comunidade perde a conexão com a internet, a presença de forasteiros coincide com o misterioso aparecimento de cadáveres crivados à bala e Bacurau vive uma carnificina.

(Adaptado de Joana Oliveira, Em ‘Bacurau’, é lutar ou morrer no sertão que espelha o Brasil. El País. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/20/cultura/1566328403_365611.html. Acessado em 20/10/2019.)

Texto II

(Adaptado do Instagram de Lia de Itamaracá. Disponível em https://www.insta7zu.com/tag/LiaDeltamaraca. Acessado em 20/10/2019.)

a) Explique por que “bacuralizar” é um neologismo e qual é o processo de formação dessa palavra.

b) Considere as informações sobre o enredo do filme Bacurau presentes no texto I e sobre o papel do Estado na vida da comunidade no texto II. A partir dessas informações, crie um exemplo do uso de “bacuralizar” para cada acepção da palavra registrada no texto II.

Comentários

Observação: Tipologia de questão em que primeiro é dado um verbete do dicionário e depois há uma exploração, desenvolvimento do mesmo. No caso, verbetes costumam usar abreviações, como “p. ext.” que quer dizer por extensão.

a) “Bacuralizar” é um neologismo, pois cria uma palavra nova a partir do substantivo próprio “Bacurau”. Ao adicionar o sufixo “-izar” ao substantivo, formando um verbo de primeira conjugação. O processo de formação dessa palavra é a derivação sufixal ou sufixação.

b) Essa resposta era bastante livre. Bastava que o aluno respondesse dois exemplos, um de cada significado, para acertar a questão.

Possíveis respostas:

1. A comunidade bacuralizou a distribuição de remédios no posto de saúde.

2. É necessário bacuralizar a comunidade para defender-nos da ocupação da polícia.

É isso!

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