O conflito narrativo é uma peça essencial em qualquer narrativa. Nesse sentido, saber identificar o conflito principal e suas variações é uma habilidade necessária para analisar obras literárias com profundidade, e, consequentemente, se sair bem nas questões interpretativas.
Pensando nisso, o Portal Estratégia Vestibulares preparou este guia para ajudar você a compreender o que é o conflito no enredo em prosa, seus principais tipos e como identificá-los, com exemplos de obras literárias recorrentes nos vestibulares. Confira!
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O que é conflito narrativo?
O conflito é um dos elementos constituintes do enredo, juntamente com a introdução, o clímax e o desfecho. Em outras palavras, pode-se afirmar que o conflito é uma situação-problema dentro da narrativa que envolve os personagens e em torno do qual a história será desenvolvida.
Logo, o conflito é o “coração” do enredo, pois ele é responsável por impulsionar a narrativa e definir as ações dos personagens. É a partir de um conflito gerador que a história ganha forma e se torna interessante para o leitor, culminando no clímax e desfecho.
Tipos de conflito narrativo
Nesse sentido, os conflitos podem ser de diferentes tipos, de acordo com as “forças” conflitantes envolvidas. Confira os principais:
Conflito interno (personagem vs. si mesmo)
Ocorre quando há uma luta psicológica, moral ou emocional. Esse conflito envolve um único personagem e suas dúvidas, dilemas, contradições internas.
Um exemplo de conflito interno ocorre em A Paixão Segundo G.H., uma narrativa notoriamente psicológica, de Clarice Lispector. Na obra, a protagonista G.H. enfrenta uma crise de identidade ao se deparar com o vazio do quarto da empregada recém despedida e, em seguida, com uma barata. Esse encontro com o inseto desencadeia uma jornada de desconstrução do eu, levando-a a questionar sua humanidade, valores e existência.
Conflito externo
Ocorre quando há oposição entre o personagem e outro elemento fora dele. O conflito externo se divide em subtipos:
- Personagem e personagem: trata-se da clássica oposição entre um protagonista e um antagonista, ou entre quaisquer personagens em desacordo. Aqui poderiam ser citados diversos exemplos, mas um dos mais relevantes para os vestibulares é a relação de ódio e rivalidade que permeia toda a narrativa entre os irmãos Yaqub e Omar, na obra Dois Irmãos, de Milton Hatoum;
- Personagem e natureza: há uma luta contra forças naturais ou um personagem que não seja um humano, e isso pode incluir fenômenos da natureza, animais selvagens, doenças ou um ambiente inóspito. Um exemplo marcante na literatura brasileira é Vidas Secas, de Graciliano Ramos, em que Fabiano e sua família enfrentam a seca impiedosa do sertão nordestino;
- Personagem e sociedade: nesse caso, observa-se um confronto entre personagem e normas sociais, leis, tradições ou instituições. Como exemplo, pode-se citar a trajetória de Policarpo Quaresma, protagonista de O Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto. Idealista e nacionalista, Quaresma entra em conflito com a burocracia, o sistema político e o conformismo da sociedade brasileira, acabando frustrado e vencido pela corrupção da República em que acreditava;
- Personagem e destino: nesse tipo de conflito, a personagem luta contra o seu próprio destino ou chamado. Costuma ser um tipo de conflito intenso e muito comum na Tragédia Grega, como em Édipo Rei. Também pode ser observado no romance Iracema, de José de Alencar, em que a jovem indígena parece ter sido predestinada a morrer para que algo novo surgisse: o seu filho com Martim, o primeiro luso-brasileiro, que representa o nascimento do Brasil;
- Outros tipos de conflito: há ainda outros tipos de conflitos que podem ocorrer em um enredo, como personagem contra avanços tecnológicos ou personagem e forças sobrenaturais.
Identificando o conflito gerador
Identificar o conflito gerador é o ponto-chave na interpretação de textos narrativos, especialmente em questões de vestibulares.
Esse conflito marca a transição entre o aparente equilíbrio inicial da história, geralmente apresentado na introdução, e o desenvolvimento da trama. Assim, é importante identificar o acontecimento ou fato que rompe esse equilíbrio na história.
Vale relembrar que o conflito pode ser entendido como um problema a ser enfrentado, um desafio imposto à personagem ou um obstáculo a ser vencido.
Para entender melhor, leia o trecho da obra Quincas Borba, de Machado de Assis:
“Quando o testamento foi aberto, Rubião quase caiu para trás. Adivinhais por quê. Era nomeado herdeiro universal do testador. Não cinco, nem dez, nem vinte contos, mas tudo, o capital inteiro, especificados os bens, casas na Corte, uma em Barbacena […] — tudo finalmente passava às mãos do Rubião […]. Uma só condição havia no testamento, a de guardar o herdeiro consigo o seu pobre cachorro Quincas Borba, nome que lhe deu por motivo da grande afeição que lhe tinha. […]”
O conflito gerador da obra Quincas Borba ocorre quando Rubião é surpreendido ao ser nomeado herdeiro universal de seu amigo filósofo. Junto com a herança, ele assume a condição de cuidar do cachorro do falecido, que leva o mesmo nome de seu dono.
Nesse momento, instala-se o desequilíbrio da narrativa: até então, Rubião era apenas um modesto professor e amigo do filósofo. A partir da herança, porém, sua vida sofre uma reviravolta. Desse modo, tomado por sentimentos de vaidade e desejo de ascensão social, ele passa a atrair figuras oportunistas, como Cristiano Palha e sua esposa, Sofia. Esses personagens desempenham papel essencial no desenvolvimento do conflito.
Além disso, ao aceitar a fortuna com a obrigação de tratar o cão como um ser humano, Rubião também assume, sem plena consciência, um fardo simbólico e ideológico: o legado do Humanitismo, teoria criada e preconizada por Quincas Borba.
Portanto, no cerne da trama, pode-se afirmar que se destaca o conflito interno, visto que o maior adversário de Rubião é ele mesmo, com sua ingenuidade, vaidade e idealismo diante de um mundo que o destrói sutilmente.
Conflito principal e secundário
A trama nem sempre possui um único conflito, podendo haver vários conflitos que movem os personagens. Por isso, é importante saber distinguir o conflito principal do conflito secundário.
O conflito principal move a trama, ele é o eixo da narrativa e determina a jornada do protagonista. Pode-se dizer que o conflito principal é responsável por marcar a conclusão da história ao ser resolvido (ou não).
Por outro lado, os conflitos secundários ocorrem paralelamente ao principal, podendo apoiá-lo, intensificá-lo ou contrastá-lo, por exemplo, adicionando complexidade à narrativa.
Ainda tomando como exemplo a obra Quincas Borba, o conflito principal é o interno, como já foi falado. Em paralelo a isso, contudo, não são excluídos outros conflitos (secundários) que dão à história a riqueza de acontecimentos próprios das obras machadianas. Um exemplo de tensão secundária em Quincas Borba é a falsa amizade de Sofia e Palha, assim como o triângulo amoroso que se estabelece entre eles, intensificando a trajetória de ilusão e queda vivida por Rubião.
A importância do conflito para caracterização e temática
O conflito, a caracterização e a temática estão intrinsecamente relacionados. É por meio do enfrentamento das tensões presentes na trama que há a exposição dos aspectos psicológicos, morais e sociais dos personagens. Assim, os personagens tornam-se seres complexos dentro do enredo, o que engaja o leitor.
O conflito também exerce a função de revelar temas universais presentes na sociedade, como problemas sociais, morais e filosóficos, ao mesmo tempo em que contempla aspectos mais específicos e subjetivos dos personagens.
Essa característica é especialmente evidente nas obras do Realismo, que se dedicaram a construir enredos focados em temas de interesse coletivo, como o adultério, a hipocrisia e a corrupção. Nesses casos, os conflitos psicológicos não estavam apenas a serviço da narrativa, mas tinham como propósito maior a dissecação minuciosa do psicológico humano, numa verdadeira “anatomia do caráter”.
+ Veja também: Tempo narrativo: conceito, tipos e exemplos
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