A lira se destaca por sua origem clássica e por inspirar poemas de movimentos literários importantes, como o Arcadismo. Mas o que exatamente é uma lira? Como ela se relaciona com outras formas líricas?
Neste texto, você vai descobrir como identificar essa forma poética fixa e suas variações ao longo da história literária. Confira!
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O que é a lira?
Por definição, a lira é uma forma poética composta por cinco versos, sendo o segundo e o quinto decassílabos, e os demais hexassílabos, organizados segundo um esquema fixo de rimas consoantes.
A origem da lira na literatura
A lira é um instrumento musical de cordas que, na Grécia Antiga, acompanhava a declamação de poesias. Por isso, o termo “lira” passou a representar uma tradição de poesia cantada, em um tempo em que não havia separação clara entre música e poesia, até a invenção da imprensa.
Do nome desse instrumento, originou-se o termo “gênero lírico”, hoje associado à expressão de emoções subjetivas. Além disso, a figura mítica de Orfeu, cuja lira encantava a natureza e os deuses, tornou-se símbolo dessa tradição poética.
A lira na literatura hispânica
Já na tradição literária hispânica, a lira também assumiu um formato estrófico específico, de origem italiana: uma estrofe de cinco versos que alterna heptassílabos (7 sílabas) e hendecassílabos (11 sílabas), com esquema de rima padrão ababb.
Ademais, o nome “lira” foi atribuído a partir da última palavra do verso inicial de uma estrofe célebre de Garcilaso de la Vega, poeta do Renascimento Espanhol (séc. XVI), responsável por introduzir influências das formas poéticas italianas na literatura espanhola.
Veja um trecho do poema “Si de mi baxa lira”, traduzido para o português, do poeta Garcilaso:
Se da minha humilde lira
"Se da minha humilde lira
o som pudesse tanto, que num instante
acalmasse a ira
do vento impetuoso
e a fúria do mar e seu movimento;
E que nas ásperas montanhas
com o canto suave enternecesse
as feras alimárias,
movesse as árvores,
e ao som as trouxesse confusamente;
não penses que cantaria,
ó bela flor de Gnido,
o Marte feroz e irado,
transformado em morte,
tingido de pó, de sangue e de suor;
(...)”
Todo esse poema é composto seguindo a forma italiana e o tema central gira em torno do amor não correspondido, um motivo recorrente na poesia amorosa renascentista.
Além disso, podem ser observadas referências à mitologia grega (Marte) e a alusão à lira de Orfeu, a qual, diferentemente da sua, é capaz de mover a natureza. Esses aspectos situam o poema no contexto do Renascimento, no qual a poesia buscava unir a emoção humana à grandiosidade dos mitos clássicos.
Tipos e variedades de liras nos movimentos literários
Ao longo do tempo, a lira foi reinterpretada de diferentes modos, resultando em variações formais e temáticas, muitas vezes fugindo ao padrão estrófico de cinco versos.
A lira no Arcadismo
Assim, no Brasil, as liras aparecem no movimento árcade, integrando poemas marcados pelo bucolismo e pela retomada de elementos da tradição clássica grega. Nesse contexto, pode-se citar a obra Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga.
Ao longo das liras (poemas cantados), o eu lírico expressa seu amor pela pastora (Marília). A obra é dividida em três partes:
- Na primeira parte, composta por 33 liras, há a exaltação da beleza de sua musa (Marília) e da natureza;
- Na segunda, com 38 liras, dá-se espaço para sentimentos de saudosismo de sua amada e de solidão; e
- Na última parte, constituída por 9 liras, observa-se uma tristeza ainda maior, durante o exílio na África, pois está separado para sempre de Marília.
Com relação às suas características formais, é importante ressaltar que os poemas não seguem a forma fixa da lira (estrofe de 5 versos), porém, possuem rima e métrica rigorosas, frequentemente utilizando versos decassílabos.
Para elucidar, observe uma estrofe a seguir:
Parte I, Lira I
“Os teus olhos espalham luz divina,
A quem a luz do Sol em vão se atreve:
Papoula, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são cor de neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,
Para glória de Amor igual tesouro.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!”
(Tomaz Antonio Gonzaga, Marília de Dirceu)
As liras de Marília de Dirceu são frequentemente cobradas em vestibulares e no Enem. Por isso, é fundamental saber identificar seus aspectos poéticos, analisar suas características formais e compreender seu contexto histórico e sociocultural!
A lira no Romantismo brasileiro
Outro exemplo de variação da lira aparece nos poemas de Sousândrade, poeta da terceira geração do Romantismo brasileiro. Suas composições apresentam um forte teor de crítica social, abordando temas que se afastam do lirismo tradicional.
Leia os exemplos a seguir:
Esperando
“Junto ao fogo d'áureas brasas
Esperar – que solidão!
A temperatura em zero
Abaixou, co'o desespero
De um traído coração.
Nos ares fulgem as lâminas
Da neve e a brisa a cortar;
Cantam os pobres da rua,
Que pedindo a vida sua
Mãos estendem a chorar.”
(Joaquim de Sousândrade, Liras Perdidas)
Sopa, assado e sobremesa
“Ai o prado d’alva acácia!
Brando – sonoro Bemol!
– Ai grelha a chiar do assado
Tão doirado!
– Ai sobremesa do sol!
– Sala de jantar, natura,
Roseirais; relvas, abril,
Cantos, encantos, paraíso,
Riso, riso,
Onda pura e céus de anil.”
(Joaquim de Sousândrade, Liras Perdidas)
Note que, do ponto de vista formal, os poemas se distanciam da lira tradicional, pois não seguem o padrão métrico clássico, embora mantenham estrofes de cinco versos. Além disso, a temática se afasta do sofrimento amoroso interior e passa a explorar um foco mais coletivo e sensorial, baseado na percepção do eu lírico.
A relação entre lira, canção e ode
A lira, a canção e a ode são formas poéticas pertencentes ao gênero lírico e, portanto, compartilham semelhanças entre si.
Entretanto, enquanto a lira é uma forma fixa, breve e subjetiva, a canção é estruturalmente mais diversa e está intimamente atrelada à musicalidade. Ademais, a canção varia entre formas eruditas e populares, de acordo com o contexto em que se deseja aplicar, podendo ser canções de gesta (de caráter épico), canções amorosas ou, inclusive, de temas contemporâneos.
Já a ode é uma composição mais extensa e solene, destinada ao canto de exaltação, celebrando temas nobres (como heróis, deuses ou valores).
A lira além da literatura
Você deve ter percebido que apesar de ser uma forma poética fixa, a lira, é estruturalmente simples quando comparadas a outras estruturas poéticas. Assim, ela pode ser muito bem aplicada na poesia autoral, por exemplo, para traduzir emoções íntimas e reflexões existenciais com concisão e beleza.
Além disso, seu ritmo melódico propicia a expressividade de ideias por meio da composição musical. Desse modo, pode-se afirmar, baseado nos exemplos acima apresentados, que a lira é uma poderosa ferramenta de expressão e comunicação artística.
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