Prosa poética no teatro: conceito, características e exemplos

Prosa poética no teatro: conceito, características e exemplos

Aprenda a identificar as marcas da prosa poética no teatro e prepare-se para as exigências de leitura crítica do Enem e vestibulares

As provas de Linguagens do Enem e dos grandes vestibulares vão muito além de questões isoladas de Gramática e Literatura. Elas exigem, sobretudo, leitura crítica, interdisciplinaridade e a interpretação de textos híbridos.

É nesse contexto que entra o conceito de prosa poética no teatro, um fenômeno de gêneros textuais híbridos que desafia as classificações clássicas e está cada vez mais presente nos exames.

Pensando nisso, o Portal do Estratégia Vestibulares preparou este guia para te ajudar a entender o que é a prosa poética no teatro e seus principais aspectos linguísticos e temáticos. Confira!

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O que é prosa poética?

Para entender bem o que é a “prosa poética”, primeiro é necessário relembrar que a prosa é um tipo de texto escrito em parágrafos que são compostos por frases, sendo a forma mais utilizada na comunicação. Nesse sentido, os textos narrativos (ex.: romances, contos, novelas), descritivos e argumentativos, são exemplos de textos escritos em prosa.

Assim, a prosa poética é um texto escrito sem métrica ou disposição gráfica de versos, mas que adota recursos tradicionalmente associados à poesia.

A presença da função poética e da função emotiva é o que distingue a prosa poética da prosa meramente informativa ou narrativa, visto que o texto possui como foco a construção da mensagem, dando ênfase à forma como ela é dita e à subjetividade do emissor. 

Recursos poéticos da prosa poética

Alguns recursos poéticos presentes na prosa poética são: 

  • Ritmo e sonoridade: a sintaxe é construída de forma a gerar um ritmo de leitura particular, fugindo da cadência da fala cotidiana;
  • Intensa subjetividade: o foco está na expressão dos sentimentos, das emoções e da visão de mundo interior do eu-lírico (ou do personagem), em vez da descrição objetiva de fatos; e
  • Figuras de linguagem: o uso abundante de metáforas, hipérboles, aliterações e outras figuras que enriquecem o sentido e criam imagens sensoriais.

Exemplos de prosa poética na literatura 

Para elucidar o que foi dito, leia os trechos de dois grandes exemplos de prosa poética literária:

Água Viva – Clarice Lispector

“E eis que sinto que em breve nos separaremos. Minha verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia. Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício.”

Grande Sertão Veredas – João Guimarães Rosa

“Reze o senhor por essa minha alma. O senhor acha que a vida é tristonha? Mas ninguém não pode me impedir de rezar; pode algum? O existir da alma é a reza… Quando estou rezando, estou fora de sujidade, à parte de toda loucura. Ou o acordar da alma é que é?”

Prosa poética no teatro: o texto dramático híbrido

Agora que você já entendeu o que é a prosa poética, vamos explorar como essa modalidade se faz presente no teatro. 

A incorporação da prosa poética no teatro contemporâneo resulta em um texto dramático híbrido, que transcende sua função original de mero roteiro para a cena e adquire um valor literário e poético autônomo. O foco, neste modelo, desloca-se da preocupação com o enredo linear e o desfecho para a provocação da reflexão e a instigação de sentimentos no público.

Elementos da linguagem poética no texto teatral

Para identificar essa fusão de gêneros, é fundamental observar os seguintes sinais:

Intensidade lírica no diálogo e o fluxo de consciência

  • Diálogo emocional: a fala do personagem deixa de ser apenas um veículo para o avanço da trama, carregando-se de emoção e imaginação, quase se transformando em um poema em voz alta;
  • Monólogo como expressão lírica: o monólogo é frequentemente usado para a expressão lírica, revelando a alma, os medos e as obsessões da personagem; e
  • Pensamento não-linear: o discurso adota a fragmentação e o fluxo de consciência (mistura de ideias, rupturas lógicas e temporais), assemelhando-se à estrutura não-linear típica da poesia moderna.

Metáforas e imagens ricas

O uso intenso de metáforas e imagens ricas é a principal marca registrada da prosa poética, sendo o meio essencial para expressar a interioridade da personagem ou do universo da peça.

Interferência do elemento épico/narrativo

O hibridismo se manifesta também pela interferência do elemento narrativo, comum em textos épicos ou romances. Isso pode ocorrer de duas formas:

  • Personagem narrador: um personagem assume a função de narrador em cena; e
  • Rubricas descritivas: as rubricas (orientações de palco) se tornam longas e elaboradas, com uma prosa tão rica e detalhada que se assemelha à de um romance, enriquecendo o texto como objeto literário.

Exemplos de prosa poética no teatro brasileiro e universal

Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues, um dos mais importantes dramaturgos brasileiros, é um mestre do hibridismo. Embora seus textos sejam escritos predominantemente em prosa dramática, suas obras são intensas, trágicas e expressivas.

Sua linguagem dramática, apesar de muitas vezes baseada em temas brutais que exploram a psique humana, como a paixão e o ciúme, é altamente profunda e subjetiva. Em suas peças, Nelson Rodrigues utiliza:

  • Repetições e hipérboles: a repetição obsessiva de frases e o exagero nos sentimentos transcendem o realismo e contribuem para o aprofundamento na psique humana; e
  • O “óbvio ululante”: a expressão da “verdade nua e crua”, ou seja, aquilo que é evidente por si mesmo e dispensa explicações, mas com uma linguagem que a torna quase mítica. O elemento poético está em como ele transforma a violência e a paixão em temas de tragédia grega.

Para exemplificar,  leia um trecho da peça Vestido de Noiva:

2ª MULHER - Morreu, sim. Foi enterrada de branco. Eu vi.

ALAÍDE - Mas ela não podia ser enterrada de branco! Não pode ser.

1ª MULHER - Estava bonita. Parecia uma noiva.

ALAÍDE (excitada) - Noiva? (com exaltação) Noiva — ela? (tem um riso entrecortado, histérico) Madame Clessi, noiva! (o riso, em crescendo, transforma-se em soluço) Parem com essa música! Que coisa! (Música cortada. Ilumina-se o plano da realidade. Quatro telefones, em cena, falando ao mesmo tempo. Excitação.)

Note a forma como o diálogo transcende a simples comunicação para criar uma atmosfera simbólica intensa, focada na obsessão de Alaíde e na quebra da realidade, a qual repete “Noiva? Noiva — ela?”. Além disso, o final do trecho é a manifestação mais clara do hibridismo e da quebra da lógica realista, pois o comando “Parem com essa música! Que coisa!” marca o clímax da histeria lírica. E, imediatamente após esse clímax emocional, a cena muda bruscamente com a rubrica: “Ilumina-se o plano da realidade.”

O Teatro do Absurdo 

Na esfera universal, autores do Teatro do Absurdo, como Samuel Beckett (Esperando Godot) e Eugène Ionesco (A Cantora Careca), abordam aspectos humanos e existencialistas, com o fito de mostrar o que acontece quando a existência é tratada como algo desprovido de propósito. 

Para isso, os personagem têm falas sem lógica e repetidas, que não conseguem expressar sua existência e que quebram a comunicação. Assim, criam um efeito satírico, porém, profundamente existencial. A linguagem, ao falhar na comunicação factual, expressa o desespero e a solidão da condição humana no pós-guerra

Leia um trecho da peça Esperando Godot:

ESTRAGON - Fico me perguntando se não devíamos ter ficado sozinhos, cada um por si. (Pausa) Não fomos feitos para a mesma estrada.

VLADIMIR - (sem se zangar) Não dá para ter certeza.

ESTRAGON - Não, não se tem certeza de nada.

VLADIMIR - Ainda podemos nos separar, se você achar melhor.

ESTRAGON - Agora não vale mais a pena.
Silêncio.

VLADIMIR - É mesmo. Agora não vale mais a pena.
Silêncio.

ESTRAGON - Então, vamos embora?

VLADIMIR - Vamos lá.
Não se mexem.

(Samuel Beckett, 2015, pág. 59)

Como analisar a prosa poética no vestibular?

Portanto, dominar a análise da prosa poética no teatro envolve saber o que as provas buscam. Por isso, preparamos um quadro com um resumo dos principais itens que você precisa procurar no texto híbrido:

Elementos da análiseO que procurar no texto
Recursos poéticosMetáforas complexas, aliterações (repetição de sons), anáforas (repetição de palavras) e ritmo não coloquial.
Função de linguagem (emotiva e poética)A linguagem poética está aprofundando a interioridade do personagem ou ela está sendo usada para quebrar a realidade e criar um mundo simbólico?
Linguagem e temáticaA relação entre a linguagem poética e a temática. Por exemplo, a prosa poética expressando a crise da identidade ou o desespero existencial.

+ Veja também: Teatro em versos: conceito, características e raízes históricas

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