Olá, queridos(as) alunos(as), tudo bem com vocês? Eu sou a prof. Alê e escrevo este artigo para falar um pouco sobre a sociologia e a antropologia brasileira. O que vamos discutir aqui é inspirado em uma questão de Ciências Sociais do Vestibular da UNESP, mas que também pode cair na sua prova de vestibular.
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Vamos à questão e, depois, discutiremos os pontos abordados por ela.
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A questão
Texto 1
Vinte e um anos, algumas apólices, um diploma, podes entrar no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes. Há infinitas carreiras diante de ti. […] Nenhum [ofício] me parece mais útil e cabido que o de medalhão. […] Tu, meu filho, se me não engano, pareces dotado da perfeita inópia mental, conveniente ao uso deste nobre ofício. […] No entanto, podendo acontecer que, com a idade, venhas a ser afligido de algumas ideias próprias, urge aparelhar fortemente o espírito. […] Em todo caso, não transcendas nunca os limites de uma invejável vulgaridade.
(Machado de Assis. “Teoria do medalhão”. www.dominiopublico.gov.br.)
Texto 2
De fato, existem medalhões em todos os domínios da vida social brasileira: na favela e no Congresso; na arte e na política; na universidade e no futebol; entre policiais e ladrões. São as pessoas que podem ser chamadas de “homens”, “cobras”, “figuras”, “personagens” etc. […] Medalhões são frequentemente figuras nacionais. […] Ser o filho do Presidente, do Delegado, do Diretor conta como cartão de visitas. (Roberto da Matta. Carnavais, malandros e heróis, 1983.)
Tanto no texto do escritor Machado de Assis como no do antropólogo Roberto da Matta, a figura do medalhão
a) corresponde a um fenômeno cultural recente e desvinculado do clientelismo.
b) tem sua existência fundamentada em ideais liberais e democráticos de cidadania.
c) consiste em um tipo social exclusivamente pertencente às elites burguesas.
d) apresenta sucesso social fundamentado na competência acadêmica e intelectual.
e) ilustra o caráter fortemente hierarquizado e personalista da sociedade brasileira.
Resolução Comentada
É uma questão interpretativa cuja base teórica pode ser encontrada na sociologia brasileira que procurou compreender a formação social do Brasil. Nesse sentido, devemos retomar as interpretações sobre o Brasil feitas, sobretudo, pelos sociólogos dos anos 1930, 1940, 19550 e 1960.
Esses clássicos, como Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, entre outros, são a base para perguntas que remetem à formação da sociedade brasileira.
Mais recentemente, a referência é o antropólogo Roberto da Matta, um dos mais citados pensadores brasileiros nos trabalhos acadêmicos dessa área. Da Matta se preocupa em pensar: o que faz o Brasil ser o Brasil?
Além disso, seguindo uma das lições de Norbert Elias, as sociedades podem ser compreendidas observando seus costumes, comportamentos e hábitos mais comuns.
Sérgio Buarque, por sua vez, falou do patrimonialismo brasileiro, ou seja, a atuação dos homens públicos conforme sues valores domésticos.
Em outras palavras, a “arte” de tratar o público como privado, de modo que os bens e recursos públicos são direcionados ao prestígio e ao beneficiamento das famílias. Um exemplo recente dessa forma de pensar pôde ser vista na votação do processo de impeachment da ex-presidente da república Dilma Rousseff, em 2017.
Os deputados votavam a destituição de uma pessoa de um cargo público eletivo em nome de suas famílias e parentes, suas religiões e seus valores pessoais. O patrimonialismo também pode ser identificado no uso de carros oficiais, apartamentos oficiais e aviões oficiais para atividades pessoais. Tudo isso é patrimonialismo.
Assim, ao ocupar um espaço de poder local, independentemente de qual ele seja, a pessoa pode se beneficiar criando um status e privilégios. É comum, também, esse patrimonialismo ser associado à expressão: “Você sabe com quem está falando?”. Bem, esse é o “medalhão”.
Ele constitui uma rede de pessoas próximas que, por meio de relações de clientelismo, ou seja, troca de favores, acaba por estender seus próprios privilégios a outras pessoas, sobretudo seus familiares e aparentados.
Daí advém a ideia de que o brasileiro é um homem cordial, segundo Sérgio Buarque de Holanda. Repare, essa cordialidade não se trata da boa educação das pessoas. “O homem cordial” é um conceito que explica o funcionamento do patrimonialismo por meio de relações clientelistas desenvolvidas pelos “medalhões”.
Já ouviram falar de nepotismo?
Nepotismo é a prática de políticos de indicar parentes para cargos de confiança. Hoje em dia, isso é proibido por meio da Constituição Federal de 1988. Mesmo assim, temos notícias de que o nepotismo ocorre todos os dias nos mais de 5.000 municípios brasileiros, quando não nas esferas federal e estadual.
Partindo dessas elaborações todas, o professor Roberto da Matta discute os paradoxos e dilemas do que chamamos “jeitinho brasileiro”, que acaba por produzir uma sociedade organizada hierarquicamente conforme a rede de contatos, amizades e favores que cada pessoa tem.
Portanto a igualdade jurídica esbarra na famosa frase: “você sabe com quem está falando?” Isso quer dizer que nossa hierarquia social está baseada no personalismo.
Ou seja, é uma sociedade hierarquizada conforme as escalas de prestígio, poder, condição econômica, entre outros elementos da mesma natureza. O interessante é que isso pode ser observado tanto verticalmente entre as diversas classes sociais quanto internamente aos grupos.
Por exemplo, em um bairro muito pobre, os traficantes de drogas ou milicianos podem constituir um poder local e reproduzir relações de prestígio, clientelismo, favores e tudo o que discutimos acima.
Essa é a lógica dessa questão da UNESP que nos pergunta sobre a figura do medalhão na sociedade brasileira.
Depois da discussão que fizemos acima, a alternativa que caracteriza o papel do medalhão é a E “ilustra o caráter fortemente hierarquizado e personalista da sociedade brasileira”.
Perceba que a interpretação que devemos fazer da questão não se trata de uma leitura interna ao texto. Você precisaria mobilizar esse conhecimento. Com ele, você chegaria à alternativa E rapidamente.
Vejamos os erros nas demais alternativas:
- a- os fenômenos do patrimonialismo e da hierarquia social de status e privilégios não são recentes, tendo em vista que os senhores de engenho já faziam isso no período colonial. Portanto, há VINCULOS com as práticas clientelistas.
- b- Sua existência é antiliberal porque sua essência é contrária ao valor do merecimento por mérito, como defendem o liberalismo e a democracia.
- c- Como falamos, essas práticas personalistas estão presentes em todas as classes sociais.
- d- O personalismo nada tem a ver com a competência acadêmica e intelectual, mas com formas de poder. Na verdade, em muitos momentos, o personalismo frustra as conquistas de valor intelectual.
- e- Está corretíssima, conforme discutimos acima.
Gabarito: E
É isso queridas queridos Alunos!
Bons estudos, um beijo, tchau!
Profe Ale Lopes
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- Prova Unicamp 2020 – História e Sociologia – Resolução