11 questões sobre Machado de Assis que já caíram nos vestibulares e Enem

11 questões sobre Machado de Assis que já caíram nos vestibulares e Enem

Machado de Assis é um dos maiores ícones da literatura brasileira e sua presença é frequente nos vestibulares; confira questões sobre o autor

Joaquim Maria Machado de Assis é um dos maiores expoentes da literatura brasileira na história. O escritor foi também teatrólogo, romancista, poeta, cronista e jornalista, além de ter sido o fundador da cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras (ABL).

Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839, e faleceu na mesma cidade, em 29 de setembro de 1908. Dentre suas obras estão Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Esaú e Jacó, Memorial de Aires, O Alienista, Helena e Dom Casmurro.

Todos os livros acima já foram ou ainda são utilizados pelos mais diversos vestibulares ao redor do País, seja como obra obrigatória ou mesmo como referência sobre diversos assuntos históricos e sociais.

O Portal Estratégia Vestibulares listou 11 questões que já foram utilizadas nos vestibulares e no Enem disponíveis no nosso Banco de Questões e com respostas dos professores do EV para você praticar e entender como o autor pode pintar na sua prova. Vamos lá?

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UnB (2024)

A lei da prosa machadiana seria algo como a miniaturização ou o diagrama do vaivém ideológico da classe dirigente brasileira, articulada com o mercado e o progresso internacionais, bem como com a escravidão e o clientelismo locais. Um vaivém que resume o vexame pátrio, mas não se esgota nele, pois diz respeito também à história global de que o mesmo Brasil é parte efetiva, ainda que moralmente condenada: a ordem burguesa no seu todo não se pauta pela norma burguesa. Mas a imparcialidade machadiana vai mais longe, e faz que o mundo do arbítrio, desqualificado pelo confronto com a norma burguesa e europeia, seja também a testemunha viva da relatividade desta, movimento que leva aos assuntos centrais da literatura moderna, ligados justamente ao limite da civilização burguesa. Enfim, a inferioridade pátria existe, mas o metro que a mede não é também inocente, embora hegemônico. Trata-se de uma posição antimítica e duas vezes negativa, isenta de ufanismo conservador bem como de abdicação do juízo diante de Europa e progresso, uma posição racional e sem absolutos, que em cem anos não envelheceu.

Roberto Schwarz. Complexo, nacional, moderno, negativo. In: Machado de Assis. Obra completa. São Paulo: Nova Aguilar, 2021, p. 195 (com adaptações).

A partir da leitura do trecho de texto precedente, faça o que se pede no item a seguir.
Assinale a opção correta acerca da obra de Machado de Assis.

A A obra machadiana, ao miniaturizar a classe dirigente brasileira do século XIX, ligada ao mercado e ao progresso internacional, e também à escravidão e ao clientelismo, envelheceu, uma vez que o país superou os problemas enfrentados naquele período.
B A literatura machadiana, tendo como foco a realidade brasileira do século XIX e a escravidão como “vexame pátrio”, afastou-se dos temas importantes da literatura moderna europeia, cujo interesse se voltava para o “limite da civilização burguesa”.
C Machado de Assis alcançou uma perspectiva verdadeira da realidade ao refletir artisticamente sobre uma contradição que em nível local e universal desafia a sociedade humana sob o capitalismo: “a ordem burguesa no seu todo não se pauta pela norma burguesa”.
D A posição antimítica da obra machadiana se deve ao fato de que o autor, embora reconheça a inferioridade do Brasil frente à hegemonia europeia, não deixou de manter uma posição racional que garantia uma visão global positiva e ufanista da nação.

Resposta: Alternativa A: incorreta. Tais problemas não foram de todo superados.
Alternativa B: incorreta. Não se afastou desses temas.
Alternativa C: correta. Como um mestre na periferia do capitalismo, Machado de Assis representa em seu realismo literário a classe burguesa do século XIX.
Alternativa D: incorreta. Não garantia esse ufanismo.

Alternativa correta: C

UEA (2024)

Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber quem era Miss Dollar. Mas por outro lado, sem a apresentação de Miss Dollar, seria o autor obrigado a longas digressões, que encheriam o papel sem adiantar a ação. Não há hesitação possível: vou apresentar-lhes Miss Dollar.

Se o leitor é rapaz e dado ao gênio melancólico, imagina que Miss Dollar é uma inglesa pálida e delgada, escassa de carnes e de sangue, abrindo à flor do rosto dous grandes olhos azuis e sacudindo ao vento umas longas tranças louras. A moça em questão deve ser vaporosa e ideal como uma criação de Shakespeare; deve ser o contraste do roastbeef britânico, com que se alimenta a liberdade do Reino Unido […] A sua fala deve ser um murmúrio de harpa-eólia¹; o seu amor um desmaio, a sua vida uma contemplação, a sua morte um suspiro.

A figura é poética, mas não é a da heroína do romance. 

Suponhamos que o leitor não é dado a estes devaneios e melancolias; nesse caso imagina uma Miss Dollar totalmente diferente da outra. Desta vez será uma robusta americana, vertendo sangue pelas faces, formas arredondadas, olhos vivos e ardentes, mulher feita, refeita e perfeita. […]

Já não será do mesmo sentir o leitor que tiver passado a segunda mocidade e vir diante de si uma velhice sem recurso. Para esse, a Miss Dollar verdadeiramente digna de ser contada em algumas páginas, seria uma boa inglesa de cinquenta anos, dotada com algumas mil libras esterlinas, e que, aportando ao Brasil em procura de assunto para escrever um romance, realizasse um romance verdadeiro, casando com o leitor aludido. […]

Mais esperto, que os outros, acode um leitor dizendo que a heroína do romance não é nem foi inglesa, mas brasileira dos quatro costados, e que o nome de Miss Dollar quer dizer simplesmente que a rapariga é rica.

A descoberta seria excelente, se fosse exata; infelizmente nem esta nem as outras são exatas. A Miss Dollar do romance não é a menina romântica, nem a mulher robusta, nem a velha literata, nem a brasileira rica. Falha desta vez a proverbial perspicácia dos leitores; Miss Dollar é uma cadelinha galga².

(Todos os contos, 2019. Adaptado.)

¹ harpa-eólia: instrumento musical antigo em que o som é produzido pela fricção do vento em cordas tensionadas.
² galgo: raça canina cujos indivíduos têm patas e pescoço alongados.

Um procedimento típico em Machado de Assis utilizado no conto é:

A os personagens são os próprios narradores de suas histórias.
B o narrador se dirige diretamente a seus leitores para fazer comentários sobre a narrativa.
C o narrador apresenta os fatos como parte de um experimento científico.
D os personagens são pertencentes às altas classes sociais.
E o fluxo dos fatos é construído de maneira direta, sem divagações nem desvios.

Resposta: Alternativa A: incorreta. Não se trata de narradora em primeira pessoa.
Alternativa B: correta. Tanto é que o narrador cria vários leitores hipotéticos. Para cada um a imagem de Miss Dollar seria diferente.
Alternativa C: incorreta. Não há cientificismo no trecho.
Alternativa D: incorreta. Não necessariamente.
Alternativa E: incorreta. Uma das principais características machadianas é a digressão.

Alternativa correta: B

Unicamp (2024)

No início da novela Casa Velha, de Machado de Assis, o cônego da Capela Imperial, um personagem da história, assumindo a voz narrativa dela, conta a seus interlocutores:

“– Não desejo ao meu maior inimigo o que me aconteceu no mês de abril de 1839.”

(MACHADO DE ASSIS. Casa Velha. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 11.)

De acordo com o texto, o acontecimento desagradável que vitimou o religioso faz com que ele possa ser considerado, ao final da narrativa, como

A um boêmio que se sente entediado na presença dos convivas da Casa Velha: “Disseram-me que era amiga da família, e se chamava Mafalda. (…) Creio que disseram ainda outras coisas; mas não me interessando nada, nem a conversação, nem a hóspeda, (…) deixei-me estar comigo” (p. 29-30).
B um antiescravista, obrigado a conviver, na mesma casa grande, com senhores, agregados e escravos: “Lalau (…) com as mãos no ombro do moleque, ora fitava os olhos na carapinha deste, ouvindo somente as palavras de Félix; ora erguia- -os para o moço (…)” (p. 67).
C um republicano que suporta um velho Coronel de posições conservadoras: “Reverendíssimo, (…) os farrapos invadiram Santa Catarina, entraram na Laguna, e os legais fugiram. Eu, se fosse o governo, mandava fuzilar a todos estes para escarmento…” (p. 89).
D um ingênuo que se deixa iludir em suas relações pessoais: “nem por sombras me acudiu que a revelação de Dona Antônia podia não ser verdadeira (…) Não adverti sequer na minha cumplicidade. Em verdade, eu é que proferira as palavras que ela trazia na mente (…)” (p. 89).

Resposta: Alternativa A – incorreta. O padre não era um boêmio (libertino), tampouco estava entediado na Casa Velha, lugar de convívio da burguesia, com vários jantares e encontros sociais.
Alternativa B – Incorreta. A menção à escravidão nessa obra é por meio do sineiro Gira. Esse personagem é maltratado e discriminado por todos, menos por Lalau. Mais um motivo para o narrador enobrecer a sua bondade como uma virtude.
Alternativa C – Incorreta. Na novela, não é determinada a posição política do cônego. Cuidado: apenas porque ele estava escrevendo uma obra política sobre o reinado de D. Pedro I isso não faz dele um monarquista. O coronel Raimundo era, de fato, um tipo conservador e desagradável, mas esse diálogo é um episódio secundário na narrativa e não condiz com a trajetória final do padre narrador.
Alternativa D – Correta. O cônego que vai à Casa Velha é o narrador em primeira pessoa dessa obra. Ele se julga um tipo inteligente e observador; porém, na verdade, nas suas relações pessoais, era ingênuo e se deixou levar por suas emoções. A questão central do livro é como ele foi vítima dos dramas familiares da Casa Velha, tendo se desvirtuado do seu objetivo principal e tendo saído de lá sem ter concluído nada.

Alternativa correta: D

Enem (2023)

Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará, é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da

melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.

ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 8 ago. 2015.

No fragmento transcrito da dedicatória “Ao leitor”, em Memórias póstumas de Brás Cubas, o autor serve-se da figura do narrador-defunto para

A desqualificar o gênero romance, forma literária à qual Machado de Assis pouco se dedicou.
B ressaltar a inverossimilhança dos fatos narrados, confrontados com a realidade da burguesia carioca do século XIX.
C criticar a sociedade burguesa brasileira da época, valendo-se do uso da terceira pessoa e do ponto de vista distanciado.
D sobrepor a “tinta da melancolia” ao aspecto humorístico, de modo a valorizar o tom sóbrio e a temática realista típicos do romance burguês brasileiro.
E fazer intromissões na narrativa, introduzindo pausas no relato durante as quais estabelece com o leitor um diálogo de tom sarcástico e provocativo.

Resposta: Alternativa A – incorreta. Pelo contrário: Machado de Assis escreveu muitos romances.
Alternativa B – incorreta. Cuidado: o narrador-defunto em si até pode ser inverossímil, mas não os fatos narrados por ele.
Alternativa C – incorreta. É um romance escrito na primeira pessoa e não na terceira.
Alternativa D – incorreta. Ele não valoriza essa sobriedade.
Alternativa E – correta. O narrador machadiano faz digressões na narrativa, que se torna não linear e frequentemente conversa com os seus leitores, pois sabe que depende deles.

Alternativa correta: E

UFRGS (2023)

No bloco superior abaixo, estão listados títulos de alguns contos da obra Várias histórias, de Machado de Assis; no inferior, informações sobre esses contos.

Associe adequadamente o bloco inferior ao superior.

1 – “O cônego”
2 – “Trio em lá menor”
3 – “Uns braços”
4 – “Um homem célebre”

(  ) Maria Regina está igualmente interessada por dois pretendentes, Maciel e Miranda.
(  ) Renomado compositor de polcas não consegue criar obra prima erudita.
(  ) Reverendo Matias escreve sermões, a partir de teoria estilística muito peculiar.
(  ) Jovem Inácio relembra situação inusitada vivida com D. Severina, que se confunde com um sonho.

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é

A 4 – 1 – 3 – 2.
B 2 – 4 – 1 – 3.
C 3 – 1 – 4 – 2.
D 2 – 4 – 3 – 1.
E 3 – 1 – 2 – 4.

Resposta: (2) “Trio em lá menor”. Como indica o próprio nome do conto, trata-se de um triângulo amoroso.
(4) “Um homem célebre”. Ironicamente, o compositor não consegue atingir a celebridade, por não conseguir produzir.
(1) “O cônego”. É possível fazer essa inferência a partir do cargo eclesiástico.
(3) “Uns braços”. O rapaz se apaixona por uma parte do corpo de D. Severina, que são seus braços.

Alternativa correta: B

Unesp (2023)

Para responder à questão, leia o capítulo CXVII do romance Quincas Borba, de Machado de Assis.

A história do casamento de Maria Benedita é curta; e, posto Sofia a ache vulgar, vale a pena dizê-la. Fique desde já admitido que, se não fosse a epidemia das Alagoas, talvez não chegasse a haver casamento; donde se conclui que as catástrofes são úteis, e até necessárias. Sobejam exemplos; mas basta um contozinho que ouvi em criança, e que aqui lhes dou em duas linhas. Era uma vez uma choupana que ardia na estrada; a dona, — um triste molambo de mulher, — chorava o seu desastre, a poucos passos, sentada no chão. Senão quando, indo a passar um homem ébrio, viu o incêndio, viu a mulher, perguntou-lhe se a casa era dela.

— É minha, sim, meu senhor; é tudo o que eu possuía neste mundo.
— Dá-me então licença que acenda ali o meu charuto?

O padre que me contou isto certamente emendou o texto original; não é preciso estar embriagado para acender um charuto nas misérias alheias. Bom padre Chagas! — Chamava-se Chagas. — Padre mais que bom, que assim me incutiste por muitos anos essa ideia consoladora, de que ninguém, em seu juízo, faz render o mal dos outros; não contando o respeito que aquele bêbado tinha ao princípio da propriedade, — a ponto de não acender o charuto sem pedir licença à dona das ruínas. Tudo ideias consoladoras. Bom padre Chagas!

(Quincas Borba, 2012.)

Para o narrador, no texto original do “contozinho” relatado no capítulo,

A o homem não estava embriagado.
B a mulher não estava chorando.
C a mulher não era proprietária da choupana.
D a choupana não estava em chamas.
E o homem não fumava charuto.

Resposta: Alternativa A – correta. O narrador é irônico quanto ao Padre Chagas, a quem chama constantemente de “bom”, mas que esconde a verdade e diz por linhas tortas. Isso se infere do trecho “certamente emendou o texto original”.
Alternativa B – incorreta. Não é contestado o sofrimento da mulher.
Alternativa C – incorreta. A suspeita que paira o texto não é quanto à figura da mulher.
Alternativa D – incorreta. A choupana realmente havia se incendiado.
Alternativa E – incorreta. Não é o charuto que está sendo questionado.

Alternativa correta: A

Urca (2022)

Assinale a obra do Século XIX cujo enredo é dominado por uma sátira aos riscos da incompreensão dos métodos da ciência:

A A Carne, de Júlio Ribeiro
B Bom Crioulo, de Adolfo Caminha
C O Alienista, de Machado de Assis
D O Ateneu, de Raul Pompeia.
E Clara dos Anjos, de Lima Barreto

Resposta: Alternativa A – Incorreta. Júlio Ribeiro publicou este livro em 1888, tematizando um caso de histeria patológica. No romance, a personagem Lenita é dominada por instintos de natureza sexual, comportando-se de modo animalesco.
Alternativa B – Incorreta. Romance naturalista, pioneiro na representação da homossexualidade masculina. Conta a história de Amaro, um jovem preto que se alistou na Marinha, que se apaixonou por Aleixo, o oposto dele, um jovem de olhos claros.
Alternativa C – Correta. Novela machadiana e realista que retrata o psiquiatra Simão Bacamarte, o qual chega à teoria de que ele próprio é louco e daí se interna. O livro ironiza a teoria do cientificismo, crença de que a ciência é absoluta, como se fosse a única salvadora da humanidade. Tal entusiasmo desmesurado e fanatismo com o racionalismo foi criticado por Machado de Assis.
Alternativa D – Incorreta. Romance memorialista que fala da trajetória do pré-adolescente Sérgio no internato.
Alternativa E – Incorreta. Romance pré-modernista publicado post mortem. Clara dos Anjos é uma moça mulata que sofre preconceito e engravida de Cassi Jones

Alternativa correta: C

Unifesp (2022)

Leia o trecho inicial de uma crônica de Machado de Assis, publicada originalmente em 17.07.1892.

Um dia desta semana, farto de vendavais, naufrágios, boatos, mentiras, polêmicas, farto de ver como se descompõem os homens, acionistas e diretores, importadores e industriais, farto de mim, de ti, de todos, de um tumulto sem vida, de um silêncio sem quietação, peguei de uma página de anúncios, e disse comigo:

— Eia, passemos em revista as procuras e ofertas, caixeiros desempregados, pianos, magnésias, sabonetes, oficiais de barbeiro, casas para alugar, amas de leite, cobradores, coqueluche, hipotecas, professores, tosses crônicas…

E o meu espírito, estendendo e juntando as mãos e os braços, como fazem os nadadores, que caem do alto, mergulhou por uma coluna abaixo. Quando voltou à tona, trazia entre os dedos esta pérola:

“Uma viúva interessante, distinta, de boa família e independente de meios, deseja encontrar por esposo um homem de meia-idade, sério, instruído, e também com meios de vida, que esteja como ela cansado de viver só; resposta por carta ao escritório desta folha, com as iniciais M.R…., anunciando, a fim de ser procurada essa carta.”

Gentil viúva, eu não sou o homem que procuras, mas desejava ver-te, ou, quando menos, possuir o teu retrato, porque tu não és qualquer pessoa, tu vales alguma coisa mais que o comum das mulheres. Ai de quem está só! dizem as sagradas letras, mas não foi a religião que te inspirou esse anúncio. Nem motivo teológico, nem metafísico. Positivo também não, porque o positivismo é infenso às segundas núpcias. Que foi então, senão a triste, longa e aborrecida experiência? Não queres amar; estás cansada de viver só.

E a cláusula de ser o esposo outro aborrecido, farto de solidão, mostra que tu não queres enganar, nem sacrificar ninguém. Ficam desde já excluídos os sonhadores, os que amem o mistério e procurem justamente esta ocasião de comprar um bilhete na loteria da vida. Que não pedes um diálogo de amor, é claro, desde que impões a cláusula da meia-idade, zona em que as paixões arrefecem, onde as flores vão perdendo a cor purpúrea e o viço eterno. Não há de ser um náufrago, à espera de uma tábua de salvação, pois que exiges que também possua. E há de ser instruído, para encher com as coisas do espírito as longas noites do coração, e contar (sem as mãos presas) a tomada de Constantinopla.

Viúva dos meus pecados, quem és tu que sabes tanto? O teu anúncio lembra a carta de certo capitão da guarda de Nero. Rico, interessante, aborrecido, como tu, escreveu um dia ao grave Sêneca, perguntando-lhe como se havia de curar do tédio que sentia, e explicava-se por figura: “Não é a tempestade que me aflige, é o enjoo do mar”. Viúva minha, o que tu queres realmente, não é um marido, é um remédio contra o enjoo. Vês que a travessia ainda é longa — porque a tua idade está entre trinta e dois e trinta e oito anos —, o mar é agitado, o navio joga muito; precisas de um preparado para matar esse mal cruel e indefinível. Não te contentas com o remédio de Sêneca, que era justamente a solidão, “a vida retirada, em que a alma acha todo o seu sossego”. Tu já provaste esse preparado; não te fez nada. Tentas outro; mas queres menos um companheiro que uma companhia.

(Machado de Assis. Crônicas escolhidas, 2013.)

Para o cronista, a viúva

A ainda não se mostra preparada para um novo relacionamento amoroso.
B revela, sobretudo, receio de se mostrar uma mulher vulnerável.
C revela, sobretudo, receio de passar o restante da vida sozinha.
D procura um novo companheiro que a faça perder o medo de amar.
E ainda não encontrou, ao longo da vida, um amor verdadeiro.

Resposta: Alternativa A – Incorreta. Para o cronista, a viúva é uma pessoa sensata que, estando à meia-idade, ainda assim tem a coragem de ir procurar um novo relacionamento. E, de fato, acaba por chamar-lhe a atenção. Por “preparado” no último parágrafo, o cronista quis dizer “remédio”, já que a viúva busca uma solução contra a solidão.
Alternativa B – Incorreta. Pelo contrário: o cronista acaba por admirar a viúva, pois ela se expõe para procurar companhia por meio de um anúncio de jornal.
Alternativa C – Correta. É o que o cronista insinua em sua frase de efeito ao final do trecho: “Tentas outro; mas queres menos um companheiro que uma companhia.” Comercializando o parceiro como se ele fosse um objeto, o narrador sugere que o problema maior da viúva não seria necessariamente a falta de amor, mas sim de companhia. Nesse sentido, abandona-se o idealismo romântico.
Alternativa D – Incorreta. O centro da crônica não é o amor, mas sim o medo da solidão.
Alternativa E – Incorreta. Cuidado com informações extratextuais.

Alternativa correta: C

Uenp (2021)

No trecho a seguir, retirado do último capítulo de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” – Machado de Assis, o narrador tece considerações sobre sua vida:

“Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve mingua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: – Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.

(ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998)

A partir da leitura, é correto afirmar:

A O narrador demonstra arrependimento pelas escolhas que fez ao longo da vida, o que é perceptível pela sucessão de negativas que culmina na informação de que não foi pai.
B Representativa do Realismo brasileiro, a obra retrata os sofrimentos e as injustiças sofridas pelo protagonista ao longo de toda a sua vida.
C O protagonista evidencia os privilégios a que teve acesso como parte da elite brasileira ao relatar que teve a sorte de não precisar trabalhar para sobreviver.
D A perspectiva realista da obra se fundamenta essencialmente no fato de que a narrativa é construída a partir da visão de um narrador-defunto, que chega ao “outro lado do mistério” e dali avalia sua trajetória.
E Brás Cubas caracteriza-se como uma personagem que se opõe à sociedade deturpada sobre a qual Machado de Assis tece críticas, o que está expresso na sua negação ao casamento e à carreira política.

Resposta: Alternativa A: incorreta. Pelo contrário: demonstra suas frustrações e predomina o sentimento de pessimismo.
Alternativa B: incorreta. Brás Cubas não é um injustiçado, mas sim um membro da elite. Filho de burguês, nunca precisou trabalhar.
Alternativa C: correta – gabarito. Brás Cubas situa como um dos saldos positivos em sua trajetória o fato de nunca ter precisado trabalhar, quando na verdade isso tornou sua vida mais deprimente e sem sentido.
Alternativa D: incorreta. O Realismo predomina também nas temáticas: crítica social, psicologismo, adultério etc.
Alternativa E: incorreta. Não se opõe a ela, como na verdade é um tipo representante dessa crítica.

Alternativa correta: C

UFMS (2021)

Leia o trecho a seguir do romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis, escritor do realismo brasileiro.

“Natividade e Perpétua conheciam outras partes, além de Botafogo, mas o Morro do Castelo, por mais que ouvissem falar dele e da cabocla que lá reinava em 1871, era-lhes tão estranho e remoto como o clube. O íngreme, o desigual, o mal calçado da ladeira mortificavam os pés às duas pobres donas. Não obstante, continuavam a subir, como se fosse penitência, devagarinho, cara no chão, véu para baixo. A manhã trazia certo movimento; mulheres, homens, crianças que desciam ou subiam, lavadeiras e soldados, algum empregado, algum lojista, algum padre, todos olhavam espantados para elas, que aliás vestiam com grande simplicidade; mas há um donaire que se não perde, e não era vulgar naquelas alturas. A mesma lentidão do andar, comparada à rapidez das outras pessoas, fazia desconfiar que era a primeira vez que ali iam. Uma crioula perguntou a um sargento: ‘Você quer ver que elas vão à cabocla?’ E ambos pararam a distância, tomados daquele invencível desejo de conhecer a vida alheia, que é muita vez toda a necessidade humana”

(ASSIS, Machado,1904, p. 1 e 2).

Com base no trecho lido, assinale a alternativa que contém uma característica do movimento realista.

A A maior subjetividade possível, exaltando aspectos pessoais e sentimentais das personagens, em um cenário muitas vezes caótico.
B Crítica social, com ênfase no estilo de vida burguês que enaltece os hábitos de vida da aristocracia, que vive a vida ao seu máximo.
C Objetividade, com grande ênfase nos aspectos científicos e positivistas, que analisam e destrincham o comportamento humano.
D Objetividade e crítica social, rejeitando o estilo de vida burguês ao centralizar personagens populares em seus espaços, hábitos e pensamentos.
E Enfoque nas mudanças sociais, criticando o avanço das máquinas e as alterações no tempo, no estilo de vida e no trabalho.

Resposta: Observe que no trecho da questão, com uma linguagem direta e objetiva, o narrador mostra os sujeitos do morro em seu próprio ambiente e afazeres (“… mulheres, homens, crianças que desciam ou subiam, lavadeiras e soldados, algum empregado, algum lojista, algum padre, todos olhavam espantados para elas…”) contrastando com Natividade e Perpétua, senhoras burguesas, as quais, inclusive, tentaram “camuflar-se” vestindo-se com simplicidade. Há, claramente, um posicionamento crítico com relação a esse contraste, proporcionado por outra questão também criticável: as mulheres iam consultar uma adivinha, mas não queriam que sua classe soubesse que elas “metiam-se” com essa gente pagã (por isso “cara no chão, véu para baixo”).

Alternativa correta: D

Fuvest (2021)

Rubião fitava a enseada, — eram oito horas da manhã. Quem o visse, com os polegares metidos no cordão do chambre, à janela de uma grande casa de Botafogo, cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta; mas em verdade vos digo que pensava em outra coisa. Cotejava o passado com o presente. Que era, há um ano? Professor. Que é agora! Capitalista. Olha para si, para as chinelas (umas chinelas de Túnis, que lhe deu recente amigo, Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a enseada, para os morros e para o céu; e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de propriedade.

— Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas, pensa ele. Se mana Piedade tem casado com Quincas Borba, apenas me daria uma esperança colateral. Não casou; ambos morreram, e aqui está tudo comigo; de modo do que o que parecia uma desgraça…

Machado de Assis, Quincas Borba

O primeiro capítulo de Quincas Borba já apresentava ao leitor um elemento que será fundamental na construção do romance.

A a contemplação das paisagens naturais, como o se lê em “ele admirava aquele pedaço de água quieta”.
B a presença de um narrador –personagem, como se lê em “em verdade vos digo que pensava em outra coisa”.
C a sobriedade do protagonista ao avaliar o seu percurso, como se lê em “cortejava o passado com o presente”.
D o sentindo místico e fatalista que rege os destinos, como se lê em “Deus escreve direito por linhas tortas”.
E a reversibilidade entre o cômico e o trágico, como se lê em “de modo que o que parecia uma desgraça…”.

Resposta: A dica central é se atentar ao comando da questão, que pede o vínculo entre essa passagem já no primeiro capítulo com a construção do romance. Ou seja, a alternativa correta deveria contemplar elementos que se mantêm do início ao fim do livro.

Nesse trecho, observa-se como Rubião relembra seu percurso: de pacato professor no município de Barbacena, torna-se um novo rico na corte do Rio de Janeiro. Isso porque seu amigo e filósofo Quincas Borba morre, tornando-o herdeiro universal. Nesse trecho, Rubião reflete exatamente em como foi importante, para ele próprio receber essa herança, que Quincas Borba não deixasse outros herdeiros. Várias possibilidades poderiam ter ocorrido, por exemplo, a irmã de Rubião, Piedade, ter-se casado com Quincas Borba. Porém, nenhum dos dois sobrevive: primeiro Piedade falece e depois Quincas Borba em seguida.

Assim, comprova-se uma das ideias centrais no livro: a teoria da Humanitas. Ela defende que só os mais fortes sobrevivem e na lógica de hierarquia social Rubião foi privilegiado, mesmo que para isso tenha dependido das desgraças alheias. É o que faz de Humanitas uma teoria fria e cruel, a qual tenta justificar as relações de competição.

Agora chamo atenção para o último capítulo do livro, o de número CCI. Nele, nem mesmo Quincas Borba, o cão, sobrevive, falecendo 3 dias depois do dono Rubião. Algo aqui soa como se fosse bíblico: “ao fim do terceiro dia, ressuscitou”, embora aqui no caso seja morreu. Essa circularidade bíblica retoma o primeiro capítulo.

E aqui acontece a tragicomédia do livro: a facilidade de converter um no outro. Pois, aquilo que parece tragédia, pode se transmigrar em comédia. Segue um trecho do último capítulo que ilustra justamente essa reversibilidade. O narrador irônico diz assim para o leitor: “Eia! chora os dous recentes mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso ri-te! É a mesma cousa.”

Alternativa correta: E

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