Aborto no Brasil: como o tema pode cair no vestibular?

Aborto no Brasil: como o tema pode cair no vestibular?

Entenda o que é o procedimento, o que a lei brasileira determina e conheça estatísticas a respeito

Na mesma semana em que uma criança, vítima de estupro, teve seu direito ao aborto imediato negado no Brasil, a Suprema Corte dos Estados Unidos aboliu a garantia nacional de acesso ao procedimento. Ambas as situações trouxeram o tema do aborto à tona e estimularam discussões entre setores da sociedade que são pró e contra o direito.

Multidisciplinar, a temática do aborto pode aparecer no seu vestibular nas provas de Sociologia, Biologia e Redação. Por isso, o Portal Estratégia Vestibulares acompanhou a aula que a professora Ale Lopes, de Sociologia, e Bruna Klassa, de Biologia, ministraram sobre o tema.

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Atenção: o texto a seguir também trata sobre violência sexual, tema que pode ser sensível a alguns leitores.

No dia 20 de junho, o portal de jornalismo investigativo The Intercept Brasil divulgou uma reportagem sobre o caso de uma criança, vítima de estupro, que teve seu direito de aborto legal negado por uma juíza de seu estado, Santa Catarina.

Dois dias após a descoberta da gravidez, a mãe levou a criança ao Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, da UFSC. Na data, ela não conseguiu concluir o procedimento, pois as normas do hospital só permitem o aborto em até 20 semanas de gestação. A criança estava com 22 semanas.

Ao recorrer à Justiça para conseguir a autorização, a criança foi encaminhada para um abrigo, inicialmente, segundo a promotora do caso, para ficar longe de seu agressor, mais tarde, porém, a juíza responsável acrescentou que também se tratava de uma medida para evitar que a mãe da criança a levasse a realizar o aborto legal em outro hospital.

Apesar de laudos médicos e psicológicos sobre as condições de saúde da criança grávida, que se agravavam enquanto a gestação avançava, a juíza manteve sua decisão de obrigar a vítima a manter o feto até que fosse possível que ele sobrevivesse fora do útero antes dos nove meses completos.

A criança passou mais de um mês no abrigo, sem poder frequentar sua casa ou a escola, até que o caso veio a público e ela foi autorizada no último dia 26 de junho a realizar o aborto.

O que é um aborto?

Um aborto é a interrupção intencional ou espontânea de uma gravidez. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera aborto o interrompimento da gestação até as 22 semanas, que é quando o feto pesa menos de 500 gramas e não possui chances de sobreviver fora do útero.

O que a legislação diz sobre a aborto no Brasil?

No Brasil, o aborto só é permitido em três situações diferentes, veja quais:

  • Em caso de risco de vida da mãe;
  • Quando a gravidez acontece por violência sexual; e
  • Em caso de anencefalia do feto, ou seja, quando há malformação do cérebro.

Uma norma técnica do Ministério da Saúde recomenda que a interrupção das gravidez, nos casos previstos em lei, seja realizada até o período de 20 a 22 semanas de gestação. Entretanto, trata-se de uma recomendação que não proíbe o procedimento após esse prazo.

No caso da criança de Santa Catarina, ainda vale mencionar que a Lei 12.015/2009 considera como crime “conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, sob pena de reclusão de 8 a 15 anos”. De acordo com essa lei, a situação se enquadra como estupro de vulnerável.

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Dados sobre aborto no Brasil

Apesar de criminalizado no Brasil, a Pesquisa Nacional de Aborto, feita pelo Anis – Instituto de Bioética, revelou que entre 2010 e 2016, 500 mil abortos foram feitos por ano no País. 

Em contrapartida, dados do DataSUS de 2020, demonstram que o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou 1.024 abortos legais em todo o Brasil e 80.948 curetagens e aspirações, processos necessários para limpeza do útero após um aborto incompleto.

Apesar da subnotificação causada pela proibição do aborto no Brasil e em vários outros países, de acordo com a OMS, 73,3 milhões de abortos seguros e inseguros ocorreram no mundo anualmente entre 2015 e 2019. E na América Latina o cenário é preocupante, três em cada quatro abortos são feitos de forma insegura.

Métodos contraceptivos

A primeira pílula anticoncepcional chegou ao mercado, nos Estados Unidos, em agosto de 1960. O método revolucionou as relações sexuais, que deixaram de ser vistas apenas como forma de reprodução.

No Brasil, o anticoncepcional é o método contra a gravidez mais utilizado nos dias de hoje, é o que revela uma pesquisa de 2021 feita pelo Instituto Ipsos: 58% usam pílula anticoncepcional, a camisinha — único método que previne a gravidez e as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) — aparece como segundo método favorito, com 43% de usuárias.

Quando o assunto é prevenção da gravidez, nem mesmo os métodos contraceptivos que envolvem intervenção cirúrgica são capazes de garantir 100% de proteção. Conheça a porcentagem de eficácia de alguns métodos, quando usados corretamente, segundo um estudo de pesquisadores da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, publicados na revista científica “Contraception“:

Método contraceptivoO que é?Eficácia
Implante subdérmicoÉ um “chip” implantado na nádega ou no braço da mulher. Ele libera hormônios que evitam a gravidez e deve ser trocado a cada 3 anos. É considerado o método mais eficiente do mundo.99,9% quando usado corretamente, tanto segundo o fabricante, quanto no uso real.
DIU mirenaEstrutura implantada no útero que libera hormônios impedidores da gravidez99,8% quando usado corretamente, tanto segundo o fabricante, quanto no uso real.
DIU de cobreIgual ao Mirena, mas feito de cobre. Ao liberar cobre no corpo, causa uma inflamação no útero e alterando a função do espermatozoide. Dessa forma, inibe a gravidez.99,4% quando usado corretamente, segundo o fabricante. No uso real, a eficácia cai para 99,2%
InjeçãoÉ aplicada em um músculo da nádega da mulher e libera lentamente, no organismo, hormônios que dificultam a gravidez. Existem injeções de uso mensal ou trimestral.Mais de 99% quando usado corretamente, segundo o fabricante. No uso real, a eficácia cai para 94%.
Pílula anticoncepcionalPílula de uso diário, para a mulher, que libera hormônios para evitar a gravidez.99,7% quando usado corretamente, segundo o fabricante. No uso real, a eficácia cai para 91%.
Anel vaginalLibera, durante três semanas, hormônios que são absorvidos pela vagina e evitar a gravidez.99,7% quando usado corretamente, segundo o fabricante. No uso real, a eficácia cai para 91%.
AdesivoFeito para mulheres, libera o hormônio estradiol, que evita a gravidez. O adesivo deve ser trocado semanalmente. 99,97% quando usado corretamente, segundo o fabricante. No uso real, a eficácia cai para 91%.
CamisinhaMétodo contraceptivo masculino, impede que a ejaculação seja feita na vagina. 98% quando usado corretamente, segundo o fabricante. No uso real, a eficácia cai para 82%.

A laqueadura, procedimento no qual as tubas uterinas, também conhecidas como trompas, são cortadas ou amarradas, impedindo a descida dos óvulos e a subida dos espermatozoides, é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas para ter acesso, a mulher precisa cumprir alguns requisitos: ter 25 anos ou dois filhos vivos, e se a mulher for casada, é necessário o consentimento do cônjuge.

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Aborto deixa de ser direito nos Estados Unidos

Desde 1973, por uma decisão conhecida como “Roe contra Wade”, o aborto era um direito em todo os Estados Unidos. Entretanto, a Suprema Corte Federal — equivalente ao nosso Supremo Tribunal Federal (STF) — decidiu no último dia 24 de junho que os estados passariam a poder escolher localmente se o aborto seria ou não legalizado.

Um dos argumentos para a decisão de passar a responsabilidade aos estados, é que a justificativa do aborto como um direito nacional vinha de uma interpretação da Constituição Federal.

“Nós sustentamos que a ‘Roe contra Wade’ deve ser anulada. A Constituição não faz referência ao aborto, e tal direito não é implicitamente protegido por qualquer disposição constitucional”, afirmou Samuel Alito, juiz que redigiu o novo posicionamento da Suprema Corte.

Ao todo, 19 estados do país já alteraram suas legislações para a proibição total ou parcial do aborto, alguns de forma imediata e outros dentro de algumas semanas ou meses. São eles: Alabama, Arkansas, Arizona, Carolina do Sul, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Flórida, Geórgia, Idaho, Kentucky, Louisiana, Mississippi, Ohio, Oklahoma, Tennessee, Texas, Utah, Virgínia Ocidental e Wyoming. 

O que é a “Roe contra Wade?”

O termo que garantia o aborto legal em todo o território dos Estados Unidos vem de uma ação movida por Jane Roe, em 1970, em um tribunal do estado do Texas. Mãe solo de duas crianças e grávida pela terceira vez, ela acusou inconstitucionalidade na lei que tornava crime o aborto no Texas. Henry ‘Wade’ era o promotor da cidade de Dallas, contra quem Jane entrou com recurso.
Além desse processo, alguns outros pedidos fizeram a Suprema Corte dos Estados Unidos decidir pela legalidade do aborto, até a 28ª semana, nacionalmente em 1973.

Como o aborto é tratado nos países da América do Sul?

Veja a seguir com as legislações de cada país sulamericano trata o procedimento de aborto:

Legalizado

Nos países onde o aborto é legalizado, a lei regulamenta a prática e determina até qual período do Estado prestará esse tipo de procedimento, além de estabelecer que os planos de saúde atendam os casos de aborto.

  • Argentina: permitido até 14 semanas de gestação (4 meses). Legalizado em 2020;
  • Uruguai: permitido até 12 semanas de gestação (3 meses). Legalizado em  em 2012;
  • Guiana: permitido até 8 semanas de gestação (2 meses). Legalizado em 1995; e
  • Guiana Francesa: apesar de estar na América do Sul, é um território pertencente à França e segue a legislação europeia. É permitido até 12 semanas de gestação (3 meses).

Descriminalizado

Já nos dois países onde o aborto é descriminalizado, significa que a prática deixou de ser considerada um crime. Tanto no Chile quanto na Colômbia, apesar de não criminalizar quem o faça em outras circunstâncias, o Estado só presta o procedimento nas condições previstas.

  • Chile: permitido até 14 semanas (4 meses) apenas em casos de riscos de morte da mãe, estupro ou malformação do feto. Descriminalizado em 2021; e
  • Colômbia: permitido até 24 semanas (6 meses) sem necessitar de justificativa. Depois desse período, só é permitido em casos de estupro, incesto ou malformação do feto. Descriminalizado em 2022.

Proibido e criminalizado com exceções

Além de ser uma prática proibida, nos países a seguir, a pessoa que praticar o aborto é criminalizada pelo procedimento, podendo, inclusive, ser condenada à prisão. O Estado só permite o aborto em situações específicas. O Brasil está incluso nesse grupo.

  • Equador: permitido em casos de estupro ou em risco de vida da mulher;
  • Paraguai: permitido apenas quando há risco de vida da mulher;
  • Peru: permitido até 22 semanas (6 meses) quando há risco de vida da mulher ou para prevenir danos graves e permanentes a sua saúde; e
  • Venezuela: permitido apenas quando há risco de vida da mulher.

Proibido e criminalizado em todas as ocasiões

Autoexplicativo, o aborto no Suriname é proibido e criminalizado até nos casos de malformação, estupro e risco de vida da mulher, diferentemente dos outros países da América do Sul que criminalizam a prática. Há exceções em que uma mulher consegue o direito ao aborto por risco de vida.

  • Suriname: em algumas exceções de risco à vida da mulher, o aborto é permitido.

Como cai no vestibular?

Agora que você já sabe como o procedimento de aborto é tratado no Brasil e está por dentro das últimas notícias sobre o tema, é hora de saber como o assunto pode ser abordado nos vestibulares que você vai prestar.

Sociologia

Na aula sobre aborto, a professora Ale Lopes, de Sociologia, chamou a atenção para a criação das legislações que criminalizam ou legalizam o procedimento. De acordo com ela, mesmo que não exista um consenso na Biologia sobre o momento em que a vida começa, não é apenas esse fator que é levado em consideração ao tratar legalmente do aborto.

“Não é só o conhecimento científico que determina isso, a elaboração de uma Lei não é pautada só nesse elemento técnico e científico, de modo que os valores de cada sociedade, de cada cultura, a interpretação que se tem é sempre o resultado de um conflito social”, explica a professora.

Além disso, ao comentar o caso da criança que teve o aborto legal negado, Ale alerta sobre a ocorrência de uma violência institucional no caso: 

“Uma violência institucional com certeza poderia cair em uma prova de Sociologia. A violência institucional é quando uma pessoa no ato da sua função pública comete a violência. E violar direitos, não garantir a imediata execução do direito de uma pessoa, pelos operadores de justiça, pelos operadores do Direito, é uma violência institucional”, afirma.

Biologia

No ponto de vista da Biologia, a professora Bruna Klassa afirma que é menos provável que a prova se concentre em um caso específico, como os citados neste texto. Segundo ela, é importante atentar-se ao ponto de vista fisiológico a respeito do tema: entender uma gravidez e os riscos que ela pode causar no corpo de uma criança.

Linha de tempo de uma gestação:

  • 1º trimestre (0 a 13 semanas): começa a divisão celular para a formação do embrião;
  • 2º trimestre (14 a 26 semanas): todos os sistemas do bebê são concluídos; e
  • 3º trimestre (27 a 40/41 semanas): o bebê ganha peso e altura e o corpo da mãe se prepara para o parto. 

A professora explica que o procedimento de aborto legal é recomendado pelas autoridades de saúde até a 20ª semana de gravidez porque os dois primeiros trimestres são os mais propícios durante toda a gestação. “No terceiro trimestre você já está se preparando para o parto, então ele é perigoso caso você faça algum tipo de procedimento porque não é a finalização mas já é um bebê avançado”, afirma.

+ Embriologia humana: fases e formação do corpo

Riscos de uma gestação infantil

No caso da criança que sofreu violência sexual e teve seu aborto adiado, Bruna Klassa aponta os riscos que uma gestação em um corpo que não tem o sistema reprodutivo completamente formado podem oferecer. 

“Com 11 anos ela [a criança] está formada como ser humano, mas não como mulher. A menstruação não significa que você é uma mulher, significa que você iniciou o ciclo reprodutivo. É depois de uns dois ou três anos de menstruação que você pode dizer que o sistema reprodutivo está maduro”, explica a professora.

Veja os riscos de uma gestação infantil, segundo a professora Bruna Klassa:

  • Risco de morte 4 ou 5 vezes maior em relação a uma gestante adulta;
  • Alto risco de sangramento excessivo e hemorragia;
  • Alto risco de pré-eclâmpsia (hipertensão na gravidez);
  • Alto risco de anemia;
  • Alto risco de diminuição das plaquetas;
  • Alto risco de disfunção hepática, insuficiência renal e inchaço agudo de pulmão;
  • Alto risco de rompimento do útero;
  • Dificuldade de parto normal porque os ossos da pélvis não estão formados;
  • Risco de comprometimento do sistema reprodutor e de futura gravidez; e
  • Traumas psicológicos.

“Temos que pensar fisiologicamente nessas complicações, levando em conta que se trata de um corpo que também está em formação, terminando a formação do seu sistema reprodutor, ele não está plenamente formado e funcional”, comenta a professora Bruna. “Essa decisão judicial para salvar a vida do feto, colocou proporcionalmente a vida da criança em risco”, conclui a professora Ale.

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