Como o conceito de favela pode ser cobrado no vestibular?

Como o conceito de favela pode ser cobrado no vestibular?

Favela é uma ideia abrangente e fruto de questões complexas que têm origem em raízes profundas da constituição da sociedade brasileira. Vestibular cobra de várias formas, vem entender!

Os hits que ocuparam o topo das paradas musicais falam por si só: “Rainha da Favela”, “Eu só quero é ser feliz”, “Som de preto”, “Favela Venceu”, “Favela Vive”. Todos eles estão na mente e no imaginário de brasileiros de todas as classes sociais e tem a favela como tema central, em tom de celebração. O fato é que, apesar de ser fruto de problemas sociais históricos graves, ela é cada vez mais celebrada na cultura brasileira. Neste post, falamos sobre o conceito de favela.

Os artistas da favela trazem nas letras de suas obras a realidade do que significa a vida nesses locais. Longe de romantizar a vida nas favelas, o Estratégia Vestibulares conversou com a professora Alê Lopes e traz para você os principais aspectos sociais, econômicos, históricos e culturais sobre a favela e esse conceito. 

Lembre-se: quando se trata de temas de história e sociologia, temos que entender a complexidade dos fenômenos. Então, se se deparar com questões sobre as favelas ou até mesmo com uma proposta de redação que peça uma reflexão sobre a vida nesses locais, você terá mais elementos para responder. Vamos lá?

Foto: Unsplash

Qual é o conceito de favela?

Antes de mais nada, temos que entender do que estamos falando. A primeira questão a ser levada em conta para compreender o conceito de favela é que, apesar das semelhanças e pontos em comum, a constituição das favelas nos grandes centros urbanos e capitais brasileiras podem ser bastante diversas, tendo que ser analisadas de forma específica em cada contexto. 

Dito isso, uma favela pode ser definida, segundo a professora Alê Lopes, como “ocupação irregular do espaço urbano, fruto de uma segregação socioespacial”. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) define as favelas como aglomerado “subnormal”. 

A definição dada pelo instituto é “forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas com restrição à ocupação”.

Nesse sentido, a professora Alê alerta que não se trata apenas de bairros periféricos, afastados e longes do centro. A favela pressupõe a falta de urbanização, a irregularidade da ocupação e a ausência de serviços públicos fornecidos pelo Estado. Algumas favelas passam por processos de urbanização e deixam de ser vistas dessa forma, por exemplo. 

“As favelas são parte da falta de políticas públicas com relação ao espaço e à moradia que tem como consequência a ocupação irregular”, explica.

Qual é o contexto histórico das favelas? 

A história das favelas é o legado de uma série de questões e decisões das elites dominantes que se desaguam na versão contemporânea. Ela está ligada ao racismo e a tentativa de segregação das classes mais pobres nos projetos de urbanização que acabaram com os cortiços e expulsaram essas pessoas dos centros urbanos.

“As favelas são consequência de problemas sociais e da falta de políticas públicas para a ocupação dos espaços”, conta a professora. Essa segregação vai dar início a um processo de ocupação irregular de espaços inadequados para a moradia, que no Rio de Janeiro acontece nos morros e encostas.

Desde a abolição da escravatura, segundo ensina Alê Lopes, não há nenhuma política para inclusão do negro na sociedade ou no mercado de trabalho do então incipiente capitalismo brasileiro. Ao contrário, o incentivo à imigração europeia foi uma tentativa de branquear a população brasileira. 

“A população negra não tem recursos para competir no mercado de trabalho com os imigrantes. Essas coisas todas se somam num grande complexo de segregação, que é o que forma a estrutura do racismo contemporâneo”, afirma. 

Até o final da Segunda Guerra Mundial, as teorias raciais eram fortes no mundo todo, inclusive no Brasil. Elas tinham como características principais a superioridade racial dos brancos europeus em detrimento das outras e havia a forte mentalidade que associava o negro à preguiça. 

Essa ideologia criou uma massa negra e pobre nos centros urbanos, que foram removidas sem nenhuma contrapartida, além de produzir problemas sociais, como a criminalidade e a violência urbana devido à segregação e expulsão dessas pessoas.

Como indicação de leitura sobre esse processo, a professora indica a obra “Capitães da Areia”, de Jorge Amado. A obra retrata os órfãos no contexto da cidade de Salvador, contando de forma emocionante como a segregação e a ausência do estado — com exceção do aparato policial — são a receita para criar os problemas de violência pública. 

“Elas pedem, roubam, são completamente vulneráveis. O Pedro Bala é a expressão disso. Esse livro é a expressão de como os casos sociais são tratados como caso de polícia. O ‘não ter onde morar’ tem como consequência a ocupação irregular e a pobreza tem como consequência o aumento da criminalidade”, elucida Alê.

Capa do livro Capitães da Areia, de Jorge Amado

Favelas: laço identitário e cultural

Uma das discussões sobre a questão é sobre a remoção dessas pessoas da favela para novas habitações. Segundo Alê, é importante lembrar que o processo de favelização já provém de uma remoção sem planejamento urbano. “Remover pessoas dos seus espaços sem que elas mesmas decidam sobre isso é um elemento autoritário que historicamente foi provado que não dá certo”, complementa. 

A professora chama a primeira remoção de “erro histórico” e chama atenção para a criação de laços identitários dos moradores da favela com suas comunidades. “É absolutamente improvável que seja possível acabar com esses espaços, pois hoje tem-se estruturas sociais e econômicas identitárias, porque há pessoas morando nas favelas hoje que são a terceira ou quarta geração de famílias que estão lá”. 

Abaixo, uma lista de repertórios que mostram o laço das favelas com seus moradores e que podem ser lembrados na argumentação sobre essas questões. 

Repertórios socioculturais sobre favelas

Podemos notar essas marcas de identidade nos diversos produtos culturais que se referem às favelas e são produzidos por pessoas que vieram desses contextos. Confira a seguir, uma lista com algumas músicas para ficar de olho:

Eu Só Quero É Ser Feliz (Cidinho e Doca)

Eu só quero é ser feliz

Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é

E poder me orgulhar

E ter a consciência que o pobre tem seu lugar

Mc Cidinho e Doca - Eu so Quero e ser Feliz 1994

Favela (Racionais MC’s e Exaltasamba)

Favela ô

Favela que me viu nascer

Eu abro meu peito e canto amor por você

Amor e ódio e muita vida sem culpa de nada

Favela ô (e o respeito por ela)

Favela que me viu nascer

Só quem te conhece por dentro pode te entender

(e o respeito por ela)

Exalta Samba e Racionais Mc´s - Favela

Despejo na Favela (Adoniran Barbosa)

Quando o oficial de justiça chegou

Lá na favela

E, contra seu desejo

Entregou pra seu narciso

Um aviso, uma ordem de despejo

Assinada, seu doutorAssim dizia a petição

Dentro de dez dias

Quero a favela vazia

E os barracos todos no chão

Adoniran Barbosa - Despejo na Favela

Meu nome é favela (Arlindo Cruz)

Meu nome é favela

É do povo, do gueto a minha raíz

Becos e vielas

Eu encanto e canto uma história feliz

De humildade verdadeira

Gente simples de primeira

Arlindo Cruz - Meu Nome é Favela (Ao Vivo)

Todas estas letras contém reflexões importantes sobre questões da identidade da favela, muitas outras retratam as formas de vida, os valores e a cultura que foi surgindo. Por esses e outros motivos, a professora Alê Lopes defende a necessidade de urbanização, de forma a garantir políticas públicas e estrutura para essas habitações.

Como melhorar a vida nas favelas?

Já que criar novas moradias e acabar com as favelas atuais parece improvável, é preciso focar no que pode ser feito para melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem hoje nessas moradias. Ela defende que é necessário promover a revitalização, urbanização, levar os serviços públicos e tornar o local produtivo como possíveis indicações.

“O Caminito, bairro argentino, era constituído por áreas periféricas e degradadas que hoje viraram pólo de turismo. Um lugar que outrora fora de péssimas condições sanitárias e de moradia. Sem remover as pessoas, houve a transformação desses espaços. A gente consegue fazer isso trazendo dignidade, tornando essas áreas mais saudáveis e produtivas do ponto de vista econômico, trazendo turismo, arte”, exemplifica.

Ela completa que, para isso ocorra, é necessário vontade política, estudos multidisciplinares que analisem as oportunidades e as formas que a região pode ser desenvolvida. Essa integração poderia impulsionar a economia das cidades e minimizar a influência do tráfico de drogas e até mesmo do crime organizado. 

“Lutar por moradia digna não significa necessariamente remover as pessoas das suas moradias. Existem muitas formas de melhorar a vida delas. A favela é um espaço da cidade, então pensar o lugar da favela é pensar todo o desenvolvimento urbanístico da cidade”, lembra.

Por fim, Alê Lopes lembra que existe um fato histórico, que é os processos que levaram à existência das favelas, mas isso não significa que seja possível acabar com elas. “Essa é a origem histórica da favela. E aí tem uma estrutura que não temos como retroceder. É uma trajetória cuja decisão não tem como voltar atrás”. 

Como o tema pode cair no vestibular?

Segundo a professora, o tema pode aparecer em questões de várias disciplinas, com esses diversos ganchos que foram apresentados. Desde como se formaram, até obras artísticas que retratam o modo de vida e as relações identitárias, textos de crítica social, relação com autores da sociologia. 

Pode aparecer sobre o viés das políticas públicas, da segregação socioespacial, da falta de oportunidades e da formação da criminalidade e violência. Por ser um tema tão importante na sociedade brasileira e que afeta a vida de milhões de brasileiros, o tema é de fundamental importância na atualidade.

Veja também: 7 séries sobre a sociedade brasileira para aumentar seu repertório sociocultural

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