O Brasil é considerado um dos mais desiguais do mundo por estudos como o World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais), desenvolvido pela Escola de Economia de Paris. Dentre os fatores que marcam essa desigualdade, está a porcentagem de pessoas em situação de fome e insegurança alimentar.
Segundo estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), feito em 2022, 125,2 milhões de brasileiros não têm acesso pleno e permanente a alimentos, o que corresponde a 60% dos domicílios.
O estudo ainda diz que 33,1 milhões de pessoas estão passando fome no país, o que configura insegurança alimentar grave. Na última pesquisa, feita em 2020, esse número correspondia a 19,1 milhões de brasileiros.
O relatório ainda pontua que “As mudanças ocorridas ao longo das últimas décadas no padrão de acesso dos brasileiros aos alimentos refletem as opções de políticas econômicas e sociais dos governos nesse período. Em outras palavras, as medidas de Segurança Alimentar (SA) e dos níveis de Insegurança Alimentar (IA), incluída a mensuração da fome pelo nível de IA grave, são indicadores fortes do impacto dessas opções do Estado brasileiro.”
Os dados, disponíveis no site olheparaafome.com. A coleta de dados foi realizada de novembro de 2021 a abril de 2022, e ilustram o momento em que o país vive. Considerando que o quadro aumentou de 10,3 milhões para 33,1 em quatro anos, é possível dizer que o período agravou consideravelmente a fome no Brasil.
No artigo abaixo você vai encontrar mais números sobre fome e insegurança alimentar no país, como isso impacta o dia a dia na sociedade e também a importância e relevância do tema em possíveis perguntas e abordagens nos vestibulares. Vamos lá?
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O levantamento e suas comparações
O inquérito foi realizado em 12.745 domicílios — a pesquisa anterior foi feita em 2.180 domicílios — nas cinco regiões do país, em áreas rurais e urbanas. Para se ter uma ideia, 125,2 milhões é correspondente a mais de duas vezes a população do nosso país vizinho Argentina, enquanto 33,1 milhões é praticamente a população dos estados da Bahia e do Rio de Janeiro somados.
Fome como um problema histórico
Um dos pontos colocados pelo relatório foi que a “fome retornou aos patamares da década de 90”. O retrocesso, portanto, é de trinta anos, já que o Brasil, após esse período, passou por momentos de crescimento econômico e melhora nesse cenário. O Brasil tinha conquistado avanços no tema, saindo, inclusive do agora extinto Mapa da Fome, que era desenvolvido pela ONU, no final dos anos 2000.
Entre 2004 e 2013, o programa Fome Zero, do Governo Federal, se tornou uma referência no combate à pobreza e à miséria, conseguindo reduzir significativamente a insegurança alimentar no Brasil. O primeiro retrocesso foi notado entre a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013 e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2018.
Nesse período, a segurança alimentar de 77,1% da população, levantada no PNAD 2013, caiu para 63,3% na POF 2018. Enquanto isso, a insegurança alimentar subiu de 12,6% para 20,7% no mesmo período.
De 2018 para 2020, a piora foi ainda maior. A segurança alimentar caiu para 44,8%, enquanto a insegurança foi para 34,7%. Em dois anos, quase 9 milhões de pessoas passaram a ter a fome como rotina em seu cotidiano.
A professora de Sociologia do Estratégia Vestibulares, Alê Lopes, explicou, em videoaula, as diferenças entre o Censo e o PNAD, ambos organizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“O IBGE faz a PNAD entre os Censos, que são decenais. A diferença entre os dois é que, no Censo, todos os domicílios são visitados, exceto a população de rua, já que a amostragem é feita a partir das unidades habitacionais. A PNAD é por amostragem, se estabelece uma generalização no dado. Isso é muito científico, todo o mundo faz pesquisa por amostragem”, explica, Alê.
Quais são os parâmetros para medir a segurança alimentar
No Brasil são quatro parâmetros sobre segurança alimentar, segundo a Escala Brasileira de Medida Direta e Domiciliar da Insegurança Alimentar:
- Segurança alimentar: está garantida quando a família tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais;
- Insegurança alimentar leve: há preocupação ou incerteza quanto acesso aos alimentos no futuro e qualidade inadequada dos alimentos resultante de estratégias que visam a não comprometer a quantidade de alimentos;
- Insegurança alimentar moderada: há redução quantitativa de alimentos entre os adultos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos; e
- Insegurança alimentar grave: há redução quantitativa severa de alimentos também entre as crianças, ou seja, ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores. Nessa situação, a fome passa a ser uma experiência vivida no domicílio.
O que diz a lei
A lei nº 11.346, de setembro de 2006 foi a responsável por criar o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). Segundo a lei, “a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população”.
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Alê Lopes pontua como a fome era vista pelos governos do país. “A característica que a gente percebe até o final da década de 90 é que a fome foi combatida pela solidariedade da sociedade civil. As pessoas achavam que era importante a gente doar comida. E continua sendo importante. Mas, ao transferir para a sociedade a responsabilidade sobre combater a fome, significava o Estado não reconhecer que a alimentação era um direito social. O Estado se isentava dessa responsabilidade”.
“Fome é uma violação de Direitos Humanos. Está no pacto internacional de direitos sociais, de 1966. É por isso que a ONU e a Unicef desenvolvem campanhas internacionais de combate à fome”, complementa a professora sobre a abordagem do tema no mundo.
Os reflexos da fome no país
O relatório destaca as particularidades dos seus dados, citando pontos como localidades, gênero, cor, grau de escolaridade e outras carências que acompanham o cenário de insegurança alimentar.
Desigualdades regionais
As regiões Nordeste e Norte são as mais afetadas pela fome, mas isso não significa que o problema não existe em outras regiões. No Sul e Sudeste, o percentual de lares em insegurança alimentar grave é de 9,9%; no Centro-Oeste, o número sobe para 12,9%; na região Norte a porcentagem sobe para 25,7%, enquanto no Nordeste o índice alcança 21% do seu total.
Outras carências
A falta de água é um problema que acompanha a fome. O levantamento mostra que 42% dos lares com insegurança hídrica — fornecimento irregular ou falta de água potável — também estão sujeitas à fome. Ainda segundo o relatório, a proporção de casas rurais com habitantes em situação de fome dobra quando a ausência de água é notada. A situação afeta outras áreas da saúde, como a questão da pobreza menstrual entre mulheres.
Insegurança alimentar na pandemia
Metade dos entrevistados disse ter tido uma redução da renda da família durante a pandemia. São essas casas que constituem a maior proporção de insegurança alimentar leve. Ou seja, a renda que antes da pandemia era estável, fez com que pessoas até então seguras fossem empurradas a um cenário inconstante, tornando lares que não estão em condição de pobreza mais inseguros no que tange a alimentação.
Gênero, cor e escolaridade
A baixa escolaridade, lares chefiados por pessoas pretas ou pardas e por mulheres foram os que mais sofreram nesse período. 19,3% dos lares chefiados por mulheres, 18,1% por pessoas pretas ou pardas e 22,3% por pessoas com baixa escolaridade (sem ter ido à escola ou ter ido por menos de quatro anos) enfrentam a fome atualmente.
Auxílios governamentais e renda familiar
Quando falamos em renda e insegurança alimentar, os números mostram como auxílios governamentais fazem a diferença em lares vulneráveis. O estudo aponta que a fome está presente em 43% das famílias com renda per capita de até 1/4 do salário mínimo.
Alê Lopes aponta como isso funciona. “Colocar R$ 500 reais a mais em uma família diminui a insegurança grave de 20% a 4%. Evitar a insegurança alimentar passa por fazer políticas de transferência de renda. Cuidado com o estigma social que se construiu em torno da negativa dessas políticas”.
Alimentação saudável e não saudável
O estudo “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, desenvolvido por pesquisadores da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB), também avaliou o consumo de alimentos saudáveis e não saudáveis.
Dentre as respostas obtidas, foi notável uma redução considerável no consumo de alimentos saudáveis durante a pandemia. 44% dos entrevistados relataram diminuição na compra de carnes, 40% na compra de frutas e 36,8% de legumes e hortaliças. Além disso, o consumo de ovo aumentou em 18,8%, no que foi relacionado pelos pesquisadores como um substituto das carnes.
Em lares que estão em situação de insegurança alimentar, o estudo detectou uma redução de mais de 85% de alimentos considerados saudáveis durante a pandemia. Os dados foram extraídos entre os meses de novembro e dezembro de 2020.
Como o tema pode ser desenvolvido em um vestibular
Alê também comenta sobre como o tema é importante para o Brasil. “É complexo fazer políticas públicas para resolver um problema que é estrutural e que vem desde lá da colonização. É um tema que vale muito a pena pela conversa que ela faz com o momento atual e nossos passados”.
O assunto pode ser visto em questões que envolvem as disciplinas de Sociologia, Geografia e História, abordando as políticas públicas, seus desenvolvimentos e dados. Além disso, é possível relacionar com Biologia, abordando a alimentação, e redação, já que é um tema que pode ser discutido com propostas para esse problema.
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