As frases dos cadernos de questões do Enem, que devem ser copiadas pelo participante no momento da aplicação do exame, tem a tradição de serem “temáticas” e remeterem a algum autor ou obra. Todo ano acabam ficando famosas pelo teor motivacional ou por remeterem a obras famosas.
Mas para que servem, afinal? Os trechos em questão tratam-se de uma verificação grafológica, que permite avaliar se o candidato que realizou a prova é ele mesmo. A frase não faz parte da avaliação do exame.
Neste ano, o artista “homenageado” nas frases dos cadernos do Enem foi Patativa do Assaré (1909 – 2002), um poeta popular, compositor, cantor e improvisador nascido no Ceará. Confira abaixo a frase de cada um dos tipos de prova do Enem 2022.
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Prova amarela — primeiro dia
A frase da prova amarela foi “Saudade é canto magoado”, do poema “Saudade”:
Saudade
Saudade dentro do peito
É qual fogo de monturo
Por fora tudo perfeito,
Por dentro fazendo furo.
Há dor que mata a pessoa
Sem dó e sem piedade,
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.
Saudade é um aperreio
Pra quem na vida gozou,
É um grande saco cheio
Daquilo que já passou.
Saudade é canto magoado
No coração de quem sente
É como a voz do passado
Ecoando no presente
Prova azul — primeiro dia
Na prova azul, o verso escolhido foi “Sabemos que a terra é nossa”, do poema “A terra é nossa”:
A terra é nossa
A terra é um bem comum
Que pertence a cada um.
Com o seu poder além, Deus fez a grande Natura
Mas não passou escritura
Da terra para ninguém.
Se a terra foi Deus quem fez,
Se é obra da criação,
Deve cada camponês
Ter uma faixa de chão.
Quando um agregado solta
O seu grito de revolta,
Tem razão de reclamar.
Não há maior padecer
Do que um camponês viver
Sem terra pra trabalhar.
O grande latifundiário,
Egoísta e usurário,
Da terra toda se apossa
Causando crises fatais
Porém nas leis naturais
Sabemos que a terra é nossa.
Prova branca — primeiro dia
Quem fez a prova no caderno de questões da cor branca, recebeu o verso “A terra é um bem comum”, também do poema “A terra é nossa”, assim como no caderno azul.
Prova rosa — primeiro dia
Já no caderno de questões rosa, a frase foi “Cada qual anda alegre e sorridente”, do poema “Amanhã”:
Amanhã
Amanhã, ilusão doce e fagueira,
Linda rosa molhada pelo orvalho:
Amanhã, findarei o meu trabalho,
Amanhã, muito cedo, irei à feira.
Desta forma, na vida passageira,
Como aquele que vive do baralho,
Um espera a melhora no agasalho
E outro, a cura feliz de uma cegueira.
Com o belo amanhã que ilude a gente,
Cada qual anda alegre e sorridente,
Como quem vai atrás de um talismã.
Com o peito repleto de esperança,
Porém, nunca nós temos a lembrança
De que a morte também chega amanhã.
Prova amarela — segundo dia
O caderno de prova amarelo do segundo dia utilizou o trecho “Foi com este milagre que venci”, do poema “Como deixei de fumar”:
Como deixei de fumar
Certa vez, um cigarro astucioso
Me falou com disfarce de ladrão:
– para seres Poeta primoroso
Eu te ajudo na tua inspiração
Quando a mente cansada permanece
De sentido e de rimas bem vazia,
Com algumas tragadas te aparece
O que queres dizer em poesia.
Te incentivo a falar dos indigentes
E da vida que encerra dias breves,
Te forneço as imagens excelentes
No perfil da mulher que tu descreves
Desta minha fumaça o conteúdo
Alimenta o prazer de uma ilusão,
Tu me fumas poeta, que eu te ajudo,
Para nunca faltar-te inspiração
Risca o fósforo e me queimes, por favor,
Tu precisas compor a tua rima
E eu também procurando outro setor
Subirei bem feliz de mundo acima
Quando ouvi do cigarro os seus pedidos
Escutei um conselho para mim,
Eu senti penetrar em meus ouvidos
Uma voz a falar dizendo assim:
– O cigarro procura te enganar
Te iludir e fazer a tua ruína,
Vai fazendo teus versos sem fumar,
Não aumentes no corpo a nicotina
Quando ouvi esta voz suave e pura,
Do meu eu transformado me encontrei
E falei ao cigarro com censura,
Tenhas calma, amanhã te fumarei
E no dia terceiro, indiferente
Me disse ele: Fumante vagabundo!
Descobri o teu truque e estou ciente,
Só se acaba amanhã no fim do mundo
Dando Graças a Deus eu conheci
Que alcancei uma graça, uma virtude,
Foi com este milagre que venci
O maior inimigo da saúde.
Prova azul — segundo dia
O caderno azul do segundo dia também utilizou o poema “Amanhã” com a frase ” Com o peito repleto de esperança“, assim como foi na prova rosa do primeiro dia.
Prova cinza — segundo dia
A frase da prova cinza foi “Vou seguindo novos planos”, do poema “Minha idade e minha poesia”:
Minha idade e minha poesia
Completei noventa anos
É idade bem comum,
Vou seguindo novos planos
Para os meus noventa e um,
Chegando aos noventa e dois
Procuro logo depois
O meu regime mudar,
Mudarei de refeição
Comendo feijão com pão
Para a saúde aumentar.
Quando mudar de comida,
Eu mudarei de atitude
Vou levando minha vida
Com poesia e saúde,
Sem faltar inspiração
Conhecendo com razão
Que o mundo foi Deus quem fez
E a vida não é sentença
Com a divina licença
Recito aos noventa e três.
Se a nossa vida é um drama
E este mundo é um teatro,
Conduzindo a mesma fama
Recito aos noventa e quatro,
Para mostrar o meu dom
Como sou poeta bom,
Com a poesia brinco
E mesmo neste absurdo
Cachingando, cego e surdo
Recito aos noventa e cinco.
Canto a Terra e o Infinito
Neste simples português,
Compondo verso bonito
Recito aos noventa e seis,
Cortando como gilete
Passo por noventa e sete
E vou aos noventa e oito,
Não há quem me desaprove
Que no meus noventa e nove
Rimo afoito com biscoito.
Mas quando completar cem,
Aí é dura a parada,
Não dou bolas pra ninguém
Nem quero saber de nada,
Vou todo cheio de ruga
Igualmente a tartaruga,
Com o pensamento fraco
Caducando lá num canto
Rimando diabo com santo
E careta com macaco.
Veja amigo esta verdade
Cheia de filosofia,
Isto aí é minha idade
Com a minha poesia.
Responda com brevidade
Dizendo se recebeu
A nossa velha amizade
Eu acho que não morreu.
Prova rosa — segundo dia
Por fim, a prova rosa do segundo dia utilizou o poema “Ciúmes” com o trecho “Eu não quero saber dos teus segredos”:
Ciúmes
Tal qual a ave noturna quando agoura
Que até faz a criança apavorar,
O ciúme lhe fez não me entregar
O soneto que eu fiz à professora.
É bem livre e liberta a nossa loura
Como o pássaro que voa pelo ar,
Para a mesma prender e dominar
Tua força não é superiora.
Ciumento, egoísta, tenha calma
E não queira perder a sua alma,
É preciso saber que existe Deus.
Se, com manhas, trapaças ou enredos,
Eu não quero saber dos teus segredos,
Não procure também saber dos meus.
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