Poesia prosaica no teatro: conceito, função e características

Poesia prosaica no teatro: conceito, função e características

Da estrutura híbrida à denúncia social: entenda como a poesia prosaica no teatro transforma a fala cotidiana em arte e aprenda a identificar esse gênero textual híbrido nas questões dos vestibulares

As provas de Linguagens do Enem e dos grandes vestibulares vão muito além de questões isoladas de Gramática e Literatura. Elas priorizam sobretudo a leitura crítica e a interdisciplinaridade, exigindo que o candidato interprete textos de gêneros híbridos e compreenda a função social dos discursos em diferentes contextos.

É nesse contexto que entra a poesia prosaica no teatro, um texto poético híbrido que deliberadamente adota a simplicidade e o coloquialismo da prosa para abordar temas sociais.

Pensando nisso, o Portal do Estratégia Vestibulares preparou este guia para te ajudar a entender o que é a poesia prosaica no teatro e suas principais características. Confira!

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O que é poesia prosaica?

A poesia prosaica é um gênero híbrido, escrito em versos, que intencionalmente adota um estilo de prosa (escrito em parágrafos), para alcançar um objetivo estético específico: a des-idealização da linguagem, em contraste com a exaltação lírica. 

O inverso da prosa poética

É fundamental entender o contraste entre estes dois textos híbridos:

  • Prosa poética: busca a exaltação e a intensa subjetividade dentro de um texto escrito em prosa;
  • Poesia prosaica: busca o realismo, a naturalidade e a objetividade em um texto escrito em versos.

Função da poesia prosaica no teatro

No teatro, a poesia prosaica cria um forte efeito de realismo, naturalidade ou tom documental na fala do personagem. Ao adotar um tom documental, o texto utiliza uma linguagem direta e sem ornamentos para realizar críticas sociais ou refletir sobre a realidade. Essa escolha não simplifica a obra; pelo contrário, o uso estratégico dessa fala “comum” eleva o texto a um alto patamar artístico, transformando o cotidiano em objeto de profunda reflexão.

Características da poesia prosaica

Para identificar a poesia prosaica, você deve analisar o vocabulário, o ritmo, o tema e a estrutura.

Aproximação da conversação e a temática do mundano

No texto, o diálogo soa como uma conversa real, podendo haver frases incompletas, repetições típicas da fala e interrupções.

O termo “temática do mundano” significa que o texto prescinde dos grandes conflitos metafísicos para concentrar-se em:

  • Críticas sociais e econômicas;
  • Histórias de vida simples; e
  • Reflexões sobre o trabalho e a sobrevivência de um povo.

Antilirismo e economia da palavra

Além disso, a poesia prosaica foca mais na precisão das palavras e não no lirismo. Essa estética  resulta em diálogos mais diretos, “secos” e sem aquele sentimentalismo óbvio, comum em obras do Romantismo, por exemplo.

Uso narrativo

A poesia prosaica também frequentemente se manifesta em longas passagens descritivas ou narrativas dentro dos diálogos, aproximando o discurso dramático da cadência do relato épico ou da crônica cotidiana. Desse modo, há uma fusão do épico (narrativo) com o dramático. 

Estrutura híbrida

É comum que o texto esteja estruturado em linhas ou estrofes (versos), que visualmente não se assemelham à poesia tradicional, mas mantêm uma organização rítmica subjacente, conferindo-lhes musicalidade interna.

A poesia prosaica no teatro brasileiro

A obra Auto de Natal da Severina (ou Morte e Vida Severina), de João Cabral de Melo Neto, é um exemplo canônico de poesia prosaica dramática com estrutura de peça teatral (auto) e costuma estar presente nos vestibulares.

João Cabral de Melo Neto e o drama do sertanejo

O autor, João Cabral, é conhecido como o “poeta engenheiro”, visto que ele rejeita o sentimentalismo excessivo em favor de uma linguagem “seca”. 

Dessa forma, sua economia de palavras e recusa em usar metáforas óbvias criam um texto de profunda densidade, cujo foco está na denúncia da realidade geográfica e humana do Nordeste brasileiro. 

O caráter narrativo e prosaico desta obra consiste especialmente no uso de diálogos e personagens, como o Severino, protagonista e narrador. Ele é quem conduz o leitor em sua fuga do sertão  para o litoral em busca de uma vida melhor.

Embora seja um autor moderno, Cabral resgata formas tradicionais da poesia ibérica e popular:

  • Redondilha maior: o poema é quase inteiramente escrito em versos de sete sílabas poéticas. Esse ritmo é típico do cordel e dos desafios nordestinos, que visa facilitar a memorização e a oralidade;
  • Rimas toantes: ele utiliza frequentemente rimas baseadas apenas na vogal tônica (como “seco/medo”), conferindo uma sonoridade sóbria ao texto.

Para compreender melhor, leia um trecho do Auto:

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
(...)

— Bem me diziam que a terra
se faz mais branda e macia
quando mais do litoral
a viagem se aproxima.
Agora afinal cheguei
nesta terra que diziam.
Como ela é uma terra doce
para os pés e para a vista.
Os rios que correm aqui
têm água vitalícia.
Cacimbas por todo lado;
cavando o chão, água mina.
Vejo agora que é verdade
o que pensei ser mentira
Quem sabe se nesta terra
não plantarei minha sina?
(...)

A poesia prosaica: da encenação à recepção 

Na encenação da poesia prosaica, o ator deve priorizar a naturalidade e a verossimilhança na fala, suavizando o rigor da estrutura poética para aproximá-la mais da fala cotidiana. 

Além disso, o diretor precisa preservar o ritmo e a cadência dos versos sem permitir que a cena se torne “artificial” ou meramente declamatória. Quando esse equilíbrio é alcançado, o público experimenta a sensação de ouvir a “vida real”, o que potencializa o impacto da crítica social e a força do tema abordado.

Análise de poesia prosaica para Enem e vestibulares

Como a poesia prosaica pode ser abordada nas questões? Confira as dicas:

  • Identifique a linguagem: note a presença de trechos que, embora usando linguagem cotidiana e temas sociais, possuam uma densidade e uma estrutura rítmica que os elevam além da prosa comum;
  • Analise a função: identifique a simplicidade e o antilirismo, cuja função é quase sempre ligada à crítica social, ao foco no realismo e à objetividade; e
  • Reconheça a fusão de culturas: a questão pode pedir para reconhecer como as raízes do teatro português e a cultura popular brasileira se mesclam na construção dos personagens na poesia prosaica.

Questão de vestibular sobre poesia prosaica

Enem (2011)

O RETIRANTE ENCONTRA DOIS HOMENS CARREGANDO UM DEFUNTO NUMA REDE, AOS GRITOS DE: “Ó IRMÃOS DAS ALMAS! IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO FUI EU QUE MATEI NÃO”

— A quem estais carregando,
Irmãos das almas,
Embrulhado nessa rede?
Dizei que eu saiba.
— A um defunto de nada,
Irmão das almas,
Que há muitas horas viaja
À sua morada.
— E sabeis quem era ele,
Irmãos das almas,
Sabeis como ele se chama
Ou se chamava?
— Severino Lavrador,
Irmão das almas,
Severino Lavrador,
Mas já não lavra.

MELO NETO, J. C. Morte e vida Severina e outros poemas para vozes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994 (fragmento).

O personagem teatral pode ser construído tanto por meio de uma tradição oral quanto escrita. A interlocução entre oralidade regional e tradição religiosa, que serve de inspiração para autores brasileiros, parte do teatro português. Dessa forma, a partir do texto lido, identificam-se personagens que

a) se comportam como caricaturas religiosas do teatro regional.
b) apresentam diferentes características físicas e psicológicas.
c) incorporam elementos da tradição local em um contexto teatral.
d) estão construídos por meio de ações limitadas a um momento histórico.
e) fazem parte de uma cultura local que restringe a dimensão estética.

Resposta:

Em Morte e Vida Severina, João Cabral resgata a estrutura dos autos medievais, utilizando a redondilha maior, verso comum na poesia de cordel, para conferir um ritmo popular e narrativo ao texto. Ao descrever o cortejo do lavrador assassinado, o autor promove uma síntese entre a tradição religiosa, inspirado nos autos de Gil Vicente, e a oralidade regional. Assim, o excerto apresenta personagens que transpõem o drama social do retirante para o plano simbólico e teatral, fundindo a realidade local à herança literária clássica.

Alternativa correta: C.

+ Veja também: Teatro em versos: conceito, características e raízes históricas

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