Tipos de narrador: narração em primeira e terceira pessoa

Tipos de narrador: narração em primeira e terceira pessoa

Narrativas são histórias que contam acontecimentos e eventos, de forma cronológica, com cenário e personagens bem definidos. Um elemento central nesse tipo de texto é a voz que conta o texto. Ela pode aparecer como um personagem, como uma testemunha, ou uma consciência que conhece diferentes ambientes do mesmo enredo, entre outros tipos de narrador.

Neste artigo, conheça mais sobre as diferentes estruturas de narração, como elas são classificadas, construídas e a relevância de cada uma delas dentro da história. Seja para uma narração em primeira pessoa ou em terceira pessoa, ou para uma postura mais crítica do narrador perante os acontecimentos da narrativa. Leia agora!

Generalidades sobre narração

A narração faz parte da história da humanidade, seja para contar acontecimentos do último dia ou semana, relatar um fato muito engraçado que aconteceu em família, expor como foi a festa de aniversário do melhor amigo, entre outras situações cotidianas. 

Então, ao longo da vida, os indivíduos assumem o papel de narradores, como a personalidade que narra a história e a constrói, encadeando os acontecimentos em ordem cronológica, relatando aquilo que considera relevante para a construção do enredo, entre outras habilidades que são usadas popularmente para deixar a história mais interessante. 

Com o surgimento da escrita e, posteriormente, da imprensa, foi possível que essas narrativas fossem registradas e documentadas. Então, as histórias verídicas ou aquelas criadas com objetivos artísticos tornaram-se em literatura

Para constituir uma narrativa, é importante que haja um cenário onde os eventos se desenrolam, com personagens e em um determinado espaço de tempo, criando uma relação cronológica entre os acontecimentos.

A partir de então, o autor decide como vai caracterizar os personagens da história, conforme aparência, personalidade e atitudes. Também pode pensar sobre qual será o tempo em que ele acontecerá e como esse tempo vai ser representado no texto, em relação a vestimenta e costumes, por exemplo. 

Diante disso, os tipos de narrador transitam conforme a intenção do escritor para a composição do texto. Há liberdade do autor em construir uma voz que conte a história em diferentes pontos de vista: como personagem da história, como um crítico, como uma testemunha dos fatos, como uma grande voz onisciente que conhece todos os eventos do enredo ao mesmo tempo e integralmente, entre outros. 

Por exemplo, no texto Memórias Póstumas de Brás Cubas, o autor Machado de Assis construiu uma narrativa em que o narrador é o próprio Brás Cubas, um personagem que já está morto e comenta sobre suas memórias da vida na Terra. 

Focos narrativos

Na construção de uma narrativa, é importante que seja definido um foco narrativo. Isto é, qual o ponto de vista que deve ser preponderante para a construção daquele enredo. Por vezes, é interessante que o texto seja contado por um personagem da própria histórias, adicionando suas opiniões sobre os acontecimentos, enquanto em outras situações há predomínio de um narrador distante que simplesmente conta o enredo, sem participar dele ou opinar sobre ele diretamente.

O foco narrativo interfere na proximidade entre o leitor e o narrador, quanto mais subjetiva for a narração, maior a chance de identificação do interlocutor com o locutor da história. Então, a escolha desse foco narrativo leva em consideração a profundidade e a posição do narrador dentro da história.

Afinal, em romances mais psicológicos, pode ser interessante um narrador que consiga acessar as emoções e pensamentos dos personagens, em um olhar “de cima”. Em histórias em que um protagonista e suas indagações são enfatizadas, pode ser interessante uma narração criada pelo próprio protagonista. 

Classificação do foco narrativo

Uma vez que o foco narrativo foi definido, conforme os objetivos e características do enredo, é possível classificá-lo em primeira ou terceira pessoa do discurso, na flexão singular ou plural, a depender do texto. 

Narrador em primeira pessoa

Um narrador em primeira pessoa, geralmente é um personagem da história que narra os acontecimentos, então pode ser chamado de narrador-personagem. Mas, lembre-se, além de contar o enredo, é um narrador que participa da história e pode falar, agir e interferir no curso da narrativa. 

Como uma narrativa em primeira pessoa traz a interpretação do narrador para o enredo, muitas vezes, são consideradas narrativas “não confiáveis”. Uma vez que as histórias são contadas do ponto de vista de um único personagem, com sua interpretação e sem abertura para o ponto de vista de outras personalidades.

Muitos autores, utilizam um recurso curioso para contornar essa questão da parcialidade: diferentes capítulos são contados por diferentes narradores em primeira pessoa. Então, diferentes pontos de vista são abordados, sem necessariamente alterar a estrutura narrativa. 

Narrador-protagonista

No tipo narrador-protagonista, o contador da história é o personagem central do enredo. Ao descrever os acontecimentos, esse narrador adiciona suas opiniões sobre o contexto, de forma que a história fica mais “tendenciosa” ou parcial, com grande força da perspectiva desse protagonista. 

No livro “O Ateneu” de Raul Pompéia, do movimento determinista brasileiro, a história é contada por Sérgio, o personagem principal, que narra acontecimentos dos tempos da infância, em que estudou em um renomado colégio do Rio de Janeiro, chamado o Ateneu. 

Veja no excerto a seguir o uso de verbos e expressões flexionadas na primeira pessoa do singular, na voz de Sérgio. Além disso, observe como a visão do protagonista é amplamente descrita, trazendo suas impressões para o primeiro plano do texto. 

“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.” Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.”

Narrador-testemunha

Como sugere o nome, o narrador-testemunha relata fatos que aconteceram em ambientes e situações que ele participou direta ou indiretamente. Em geral, são personagens que contam a história em primeira pessoa, sobre o protagonista. 

Trata-se de uma visão secundária sobre os eventos, sem adicionar os elementos tão psicológicos e íntimos sobre o protagonista, apenas relatando suas reações ou estado de espírito conforme os acontecimentos se encadeiam. Ainda assim, dada a proximidade do narrador-testemunha com o personagem principal, ainda é um texto tendencioso, com um ponto de vista em concordância com as ideias do protagonista. 

No trecho abaixo, conta-se a história do detetive Sherlock Holmes, a partir do ponto de vista de um  amigo muito próximo, Watson, que assume o papel de narrador-testemunha.

“Dando uma olhada em minhas anotações sobre os setenta estranhos casos através dos quais estudei os métodos de meu amigo Sherlock Holmes nos últimos  oito anos, há muitos que são trágicos, alguns cômicos, um grande número meramente esquisito, mas nenhum banal; pois, trabalhando mais pelo amor à sua arte do que pela aquisição de riqueza, ele recusava participar de qualquer investigação que não tendesse ao incomum e mesmo ao fantástico. De todos esses casos variados, entretanto, não posso lembrar de nenhum que tenha apresentado feições mais singulares do que aquele ligado a uma conhecida família de Surrey, os Roylotts de Stoke Moran”

Narrador em terceira pessoa

Os narradores que constroem a história na terceira pessoa do discurso, seja singular ou plural, demonstram um certo grau de distanciamento com a história. Geralmente são personalidades que estão de fora assistindo, observando e anotando os acontecimentos.

Essa narrativa, em termos gerais, possui um componente de impessoalidade. As tendências em demonstrar o ponto de vista de um só personagem são diminuídas quando o contador da história não está diretamente ligado a ela. 

Narrador onisciente

A palavra onisciente significa “ciência de tudo”,  ou seja, o tipo de narrador onisciente representa as narrativas em que o narrador conhece todos os detalhes da história, inclusive pode conhecer os pensamentos e emoções dos personagens. 

São histórias contadas na terceira pessoa, justamente para transitar entre as personalidades da história, apresentando diferentes os pontos de vista sobre os acontecimentos. Como eles podem acessar o psicológico dos personagens, as narrativas assumem um teor mais profundo, abordando reflexões e como elas se manifestam dentro do enredo.

Um narrador onisciente pode ser neutro, sem interferir na história, opinar sobre ela ou criar uma relação com o leitor, induzindo a defender um ponto de vista. Ou, ainda, pode ser onisciente e interferir na opinião do interlocutor, agindo de forma parcial e crítica em relação aos eventos da narrativa, então será classificado como intruso. 

O trecho abaixo, narrado em terceira pessoa, foi retirado do livro “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo.

“João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro.

         A comida arranjava-lha, mediante quatrocentos réis por dia, uma quitandeira sua vizinha, a Bertoleza, crioula trintona, escrava de um velho cego residente em Juiz de Fora e amigada com um português que tinha uma carroça de mão e fazia fretes na cidade.

         Quando deram fé estavam amigados. Ele propôs-lhe morarem juntos e ela concordou de braços abertos, feliz em meter-se de novo com um português, porque, como toda a cafuza, Bertoleza não queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente o homem numa raça superior à sua.”

Narrador observador

Existe, ainda, o narrador observador, que também não está dentro da história, mas assiste a ela. Diferentemente de um tipo de narrador onisciente, os observadores não têm conhecimento sobre todas as coisas, então não possuem informações sobre reflexões psicológicas ou repercussões emocionais nos personagens.

Basicamente, é uma voz que conta a história vista “do lado de fora”, de uma forma superficial, fugindo da profundidade notada em outros focos narrativos. Não há uma relação íntima entre personagens e narrador, isso faz com que seja uma narrativa mais impessoal e neutra, com maior foco nos eventos do enredo do que no ponto de vista de cada personagem. 

O trecho abaixo de Mário de Andrade, retirado da obra Macunaíma, foi escrito com narrador observador, e possui capítulos com narrador-personagem, transitando entre os dois focos narrativos. 

“A inteligência do herói estava muito perturbada. Acordou com os berros da bicharia lá embaixo nas ruas, disparando entre as malocas temíveis. E aquele diacho de sagui-açu que o carregara pro alto do tapiri tamanho em que dormira… Que mundo de bichos! (…) A inteligência do herói estava muito perturbada. As cunhãs tinham rido ensinado pra ele que o sagui-açu não era saguim não, chamava elevador e era uma máquina. De-manhãzinha ensinaram que todos aqueles piados berros cuquiadas sopros roncos esturros não eram nada disso não, eram mas cláxons campainhas apitos buzinas e tudo era máquina. As onças pardas não eram onças pardas, se chamavam fordes hupmobiles cevrolés dodges mármons e eram máquinas. Os tamanduás os boitatás as inajás de curuatás de fumo, em vez eram caminhões bondes autobondes anúncios-luminosos relógios faróis rádios motocicletas telefones gorjetas postes chaminés… Eram máquinas e tudo na cidade era só máquina!”

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