O que são refugiados e como a questão é tratada no mundo

O que são refugiados e como a questão é tratada no mundo

Com mais de 100 milhões de refugiados no mundo todo em 2022, a questão tem se mostrado cada vez mais importante em uma sociedade globalizada

Vivemos em um planeta com mais de oito bilhões de pessoas espalhadas por todos os cantos. Segundo a Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), são, ao todo, 39 milhões de voos durante um ano, o que representa 107 mil por dia. Isso sem contar o fluxo de pessoas de outras formas de locomoção. E são muito poucos os refugiados que utilizam aviões para buscar vida nova em outros países.

O mundo vive uma crise de refugiados se locomovendo para buscar melhores condições de vida em diversos lugares da Terra. Pessoas que mudam de cidades, de regiões, de países e até mesmo de continentes de forma forçada, com dificuldades para regularizar seus documentos, profissões, familiares e recomeçar em um lugar distante de casa.

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A principal causa desse tráfego intenso são as guerras e conflitos armados, que são muitos atualmente. Perseguições políticas, religiosas, sociais, fome, destruição dos lares e terrorismo são algumas das principais causas. Saiba, abaixo, o que é um refugiado, como eles são vistos pelo mundo e pelas sociedades e o que é feito sobre esse assunto.

O que são refugiados?

Segundo a Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) um refugiado é uma pessoa que foi obrigada a deixar seu país por motivos como os citados acima, ou passou por um conflito armado ou violação de direitos humanos generalizados e graves.

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Ainda segundo a agência, em 2022 o número de refugiados no mundo atingiu a marca de 100 milhões de pessoas, 11 milhões a mais do que em 2021 e mais do que o dobro apresentado em 2011. Estima-se que a principal causa desse aumento seja a guerra entre Rússia e Ucrânia, que é um conflito recente. 

Refugiados no Brasil

Dados atualizados da Acnur em parceria com o Comitê Nacional para Refugiados (Conare) mostram que o Brasil reconheceu cerca de 60 mil pessoas como refugiadas desde 1985. Mais de 48 mil são venezuelanos, enquanto sírios, congoleses, haitianos, cubanos e angolanos também apresentam números expressivos. 

Em 2021 foram mais de três mil pedidos, com mais de 50% dos casos sendo de crianças e adolescentes na faixa etária de 5 a 14 anos de idade. Os números completos estão presentes na sétima edição do relatório Refúgio em Números, que além da participação do Conare e Acnur, conta também com edição do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra).

Priscila Lima, professora de Geografia e Atualidades do Estratégia Vestibulares comenta sobre a atuação do Brasil em relação aos refugiados que aqui chegam e a forma com que eles são aceitos.

“Quando falamos de refugiados, falamos de direitos humanos. Estamos falando de uma instância que está até mesmo acima do que é o Brasil, que são os direitos supranacionais. Nesse sentido o Brasil, na sua constituição de 1988, abriu espaço para isso. Tanto que os direitos humanos ganharam status superior com essa constituição. E nessa perspectiva o país, teoricamente, aceita bem os refugiados”.

Ainda sim, é necessário pontuar que a aceitação varia de acordo com a etnia ou pátria de um refugiado. “A gente tem que pensar na aceitabilidade que nós temos dentro do Brasil, como sociedade. E essa aceitabilidade é um pouco maior com europeus, refugiados ucranianos, por exemplo, do que com venezuelanos, haitianos, pela própria construção que temos de sociedade”.

Proteção a refugiados no país

Em 2022 é comemorado 25 anos da Lei de Refúgio 9.474/97, que é considerada um marco a nível global de proteção a refugiados. A data mostra que o histórico do Brasil no acolhimento a pessoas que fogem de situações de conflito, perseguição e violência é positivo, ainda que casos de preconceito e exploração existam.

Foi por meio da Lei de Refúgio que o Conare foi criado, o que fortaleceu as políticas normativas para o assunto no país. Mas, a estrutura criada em 97 não acompanhou o aumento no fluxo de refugiados, o que tornou todo o processo cada vez menos célere. Dentre a atuação do órgão, estão a flexibilização de documentação e até a revalidação de diplomas estrangeiros, mas há muito a se fazer.

A lei é insuficiente para garantir toda a proteção necessária no que diz respeito à implementação de novas políticas públicas que viabilizem o acolhimento de refugiados, por exemplo.

Além da Lei de Refúgio, há também a Lei de Migração (Nº 13.445/17), que busca atender demandas distintas como de apátridas e pessoas que chegam ao país por conta de desastres ambientais, violações de direitos humanos e conflitos armados. A lei substitui o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, e visa trazer maior segurança jurídica em procedimentos como extradições e transferência de execuções de penas.

Priscila avalia a importância de ambas as leis. “É fundamental porque é um dos papéis do Estado fornecer esse amparo. Nós temos uma ordem econômica, e dentro dessa ordem o que vale é o lucro, mas nós somos seres humanos e precisamos de condições mínimas para viver com dignidade, essa é a essência dos direitos humanos. Então criar regras para garantir uma vida que julgamos minimamente digna é fundamental”. 

“Sem isso, nós estaríamos fadados apenas às condições econômicas e os refugiados não são necessariamente uma boa fonte econômica”, complementa.

Como o assunto é tratado no mundo

Momentos de crise nos países que recebem refugiados acabam gerando sentimentos xenófobos e argumentos como o roubo de empregos, disseminação de culturas contrárias à crença preestabelecida e aumento da criminalidade. Tudo isso faz com que a acolhida a esses povos seja dura e, muitas vezes, criminosa.

“No caso dos países que recebem refugiados depende muito da situação, porque geralmente quando eles chegam em uma situação de crise, esse refugiado não é bem recebido, e isso faz com que aumente o sentimento de xenofobia. Por isso a gente fala que os refugiados enfrentam problemas na saída e na chegada”, pontua Priscila. 

Se a existência dessas pessoas era ameaçada em seu país de origem, em seu destino também não se torna tão diferente. “Na saída porque seu país está devastado e na chegada porque chegam em um país que não necessariamente vai acolher essa massa, vai olhar para eles como se fossem intrusos”, complementa. 

“Em termos econômicos serão vistos como ‘quem roubam os empregos, são aqueles que roubam os investimentos em saúde que pagamos com nossos impostos’, então acaba gerando esse sentimento de xenofobia. Não é uma regra absoluta, mas é algo que acontece com frequência muito grande”, comenta. 

Recuperação de países origem

Há ainda um problema maior: como os países se recuperam depois que boa parte da população debanda para outros lugares? A economia arrasada, infraestrutura básica comprometida e fraqueza das instituições que ali estão são pontos que escancaram problemas sociais difíceis de serem contornados.

“Temos que pensar um pouco ao contrário: o país já está afetado e isso gera um fluxo de pessoas e sem as pessoas, quando a instabilidade que fez com que esses refugiados saíssem se cessar, como tem menos pessoas isso vai dificultar também um alavancar econômico, mas isso interfere em outros fluxos que acontecem depois, quando o país atinge uma certa estabilidade”, afirma.

“Melhor pensar em como o país está para que essas pessoas saiam, as pessoas saem como refugiadas porque a região já está ruim”, argumenta Priscila. A maioria dos refugiados no mundo, em 2021, são de cinco países: Síria, Venezuela, Afeganistão, Sudão do Sul e Mianmar, mas esse levantamento não leva em consideração os refugiados ucranianos, que já somam mais de seis milhões de pessoas.

Para se ter uma ideia, o país com mais refugiados é a Síria, com aproximadamente 6,8 milhões de pessoas que saíram do país em decorrência da guerra civil que dura mais de uma década. A Ucrânia, desde o início da guerra contra a Rússia, em fevereiro, somou em maio o mesmo número, mais 8 milhões de deslocados internos — quando a pessoa se move dentro do próprio país.

Isso significa que em apenas três meses, os ucranianos se tornaram a população com maior número de refugiados no mundo. A maioria desse grupo é composto por idosos, mulheres e crianças.

“Estamos falando de migração forçada. Uma das grandes características dos refugiados é que eles acabam saindo para países próximos, são pessoas que estão saindo de seus países para manter-se vivos, então eles não têm condições de planejar uma viagem para poder ir para um lugar melhor. Elas vão simplesmente para um lugar em que elas conseguem sair da realidade da qual estão fugindo”, afirma. 

Dos mais de seis milhões de ucranianos, pelo menos metade deles está ou passou pela Polônia, país vizinho a oeste, ou seja, no sentido contrário ao russo. A Polônia tinha, em 2021, 38 milhões de habitantes.

Culturas e reações

Mas nada garante que algum país vizinho trará a tão sonhada paz para populações refugiadas. “Vemos muitos refugiados que saem de alguns países africanos e vão para outros países africanos onde também há conflitos, onde também há guerra”, caracteriza a professora.

No Brasil, ainda que não estejamos em guerra, a situação de certos grupos de refugiados não é fácil. Venezuelanos cruzam a fronteira por Roraima, e enfrentam ataques xenófobos constantes da população local e de outros lugares, quando migram para outros estados brasileiros.

Ainda que 72% dos refugiados estejam em países vizinhos aos seus países de origem, há também migrações que envolvam viagens longas e perigosas, como travessias a nado ou por barcos improvisados, de Cuba e Haiti para os Estados Unidos, ou mesmo do Marrocos para a Espanha.

Priscila Lima exemplifica citando a população curda, um grupo étnico formado por mais de 25 milhões de pessoas e que não tem independência política e nem territorial. Sua região, o Curdistão, hoje abrange parte dos territórios da Turquia, da Síria, do Iraque e do Irã. 

“Muitos deles saíram de uma área que pertence à Turquia, principalmente. Há um governo muito opressor e nacionalista quanto aos curdos na Turquia, e muitos deles saíram e foram, por exemplo, para a Finlândia. Dentro da política de refugiados da Finlândia eles foram muito bem recebidos”, explica. 

Além da questão territorial, há a questão política e como as mudanças e instabilidades de um país afetam o acolhimento aos refugiados. “Alguns deles foram para outras áreas, por exemplo, na Síria, em que em alguns momentos eles não foram recebidos, já em outros, em outros momentos, por uma pressão geopolítica da Síria contra a Turquia, o líder sírio Bashar-al-Assad, concedeu alguns benefícios para os curdos”, explica Priscila.

“Isso depende muito da situação geopolítica e os refugiados são peças que podem ser utilizados como instrumentos para afetar outros países. A Turquia não quer que a Finlândia receba os curdos e ameaça não deixar o país entrar na União Europeia, por exemplo”, contextualiza a professora.

Diferenças de tratamentos na mídia e sociedade

A questão dos refugiados atinge diversas partes do planeta, mas a atenção midiática não é distribuída conforme o impacto social, e sim devido às influências do país ou da região. Priscila comenta as diferenças de tratamentos de acordo com uma determinada perspectiva.

“A própria mídia trata isso de uma maneira distinta. Há uma diferença na abordagem, que se tornou mais recorrente e mais apelativa, não é errado, mas gera um sentimento maior de ‘coitado dos ucranianos’, pela própria abordagem feita pela mídia, e isso se justifica porque nós temos uma ordem geopolítica onde a realidade é contada pelos olhos dos Estados Unidos e seus aliados, principalmente os europeus. E como o Brasil é influenciado por esse grupo, acaba tendo essa perspectiva”, afirma. 

“É claro que se você for na Rússia a abordagem é outra, se você for na China a abordagem é outra e essa diferenciação reflete nas condições socioeconômicas do país onde a pessoa está saindo e também a realidade em que nós estamos. Se você assistir o mesmo refugiado em diferentes países vai ter diferentes abordagens, o nome disso é geopolítica, não adianta”, finaliza.

Como a questão pode ser trabalhada nos vestibulares e Enem?

A questão dos refugiados pode ser usada em perguntas de geopolítica que busquem, segundo a professora Priscila Lima, as motivações e consequências dessas migrações forçadas, além dos impactos nas áreas mais atingidas, ou em países com alto fluxo de refugiados, tanto de saída, como de chegada.

O tema também pode ser base de redações que abordem as migrações humanas ou um conflito ou guerra específica. Pode ser usado também na parte de História, perguntando sobre migrações ocorridas em outras épocas e suas motivações, por exemplo.

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