O debate sobre a pobreza menstrual tem ganhado força em todo País nos últimos tempos. O Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo para a Infância das Nações Unidas (Unicef), ambas agências da Organização das Nações Unidas (ONU), publicaram juntas o relatório “Pobreza Menstrual: desigualdades e violação de direitos”, dando um novo panorama sobre a questão no Brasil.
Nesse sentido, é importante compreender de que forma o problema tem afetado meninas e mulheres de todas as idades, tema que pode ser exigido no vestibular.
Para a Organização das Nações Unidas (ONU), o acesso à higiene menstrual deve ser tratado como um direito humano relacionado à saúde pública que afeta a qualidade de vida e a dignidade das mulheres. Segundo o relatório “Livre para Menstruar”, são 500 milhões de mulheres no mundo sem dispor de instalações adequadas para a menstruação.
Pensando nisso, o Estratégia Vestibulares conversou com a pesquisadora e redatora do documento da Unicef sobre pobreza menstrual, Caroline Costa Moraes dos Santos e com Rodrigo Timbó, representante da ONG Absorvendo Amor. Nesse texto, você confere tudo sobre a pobreza menstrual e seus reflexos para as mulheres brasileiras.
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O que é pobreza menstrual?
Pobreza menstrual é uma forma de pobreza relacionada ao fato biológico de menstruar. Envolve inúmeras dimensões, como falta d’água, de produtos de higiene, de saneamento e de acesso à educação menstrual. A pobreza menstrual ocorre, portanto, na total ou parcial ausência de recursos para cuidar da menstruação e seus processos decorrentes.
Segundo o documento da Unicef, a menarca — primeira menstruação — ocorre entre 12 e 14 anos, período escolar das menstruantes. O relatório aponta que 90% das menstruantes passarão de três a sete anos menstruando durante período escolar, 38,1% delas sem acesso a algum item básico de higiene como banheiro, papel higiênico ou pia com sabão.
O relatório mostra, ainda, que 632 mil meninas brasileiras vivem sem acesso a pelo menos um banheiro em suas casas, 237 mil vivem em situação de defecação a céu aberto. Além disso, a proporção de uma mulher negra se encontrar nessa situação é três vezes maior do que uma mulher branca.
“Essa pesquisa é uma tentativa de mostrar que no Brasil há dados sobre isso, mas que eles precisavam ser melhor investigados”, explica a autora da pesquisa, Caroline dos Santos. Com histórico de atuação anterior junto a ONG “Nós Mulheres” na distribuição de absorventes, a pesquisadora conta que a produção do documento foi triste e surpreendente: “ao fazer o trabalho voluntário e conversas com outras pessoas, eu sabia da realidade e história dessas mulheres”.
O que caracteriza a pobreza menstrual?
Ao contrário do que possa parecer, pobreza menstrual não diz respeito apenas a acesso a absorventes e produtos. Como já dito, trata-se de um conjunto de deficiências e privações que vão desde o acesso à água, banheiros, saneamento básico, sabão e produtos.
Caroline defende que a maior parte das mulheres e pessoas menstruantes já passaram por alguma situação de pobreza menstrual. Confira os itens que caracterizam as situações de pobreza menstrual:
- Acesso à água encanada;
- Acesso a banheiros;
- Acesso a itens de higiene menstrual;
- Acesso a medicamentos;
- Acesso a conhecimentos e informações; e
- Privações de liberdade relacionadas ao fato de menstruar.
O levantamento “Impacto da pobreza menstrual no Brasil” revela que 25% das meninas brasileiras já faltaram à aula por não possuírem absorventes. Ao todo, são 45 dias letivos de aulas perdidos por ano. É importante lembrar que, no Brasil, um terço do valor do absorvente são tributos pagos ao Estado.
Machismo, misoginia e pobreza menstrual
O documento da Unicef cita o “tabu”, o “preconceito” e a “vergonha” como um dos fatores que geram o silenciamento indesejado para os avanços necessários à problemática, pois segregam as pessoas da informação e do conhecimento sobre seu próprio corpo. Na prática, a situação se confirma.
Rodrigo Timbó tem 17 anos e é um dos fundadores e o líder de logística da ONG “Absorvendo Amor”, fundada em 2018 por estudantes secundaristas no Rio de Janeiro. Para ele, o silêncio sobre a questão nos últimos anos fez uma diferença muito negativa para a realidade das pessoas que menstruam, pois impede que as soluções sejam discutidas.
“O relato de não sabia ou não conhecia é o mais comum. Muitas jovens ainda não têm conhecimento sobre os diversos meios e tipos de absorvente, por exemplo. Outro relato é o da vergonha, em que muitos, durante uma ação da ONG nas ruas, se escondiam ou riam da situação”, conta.
Caroline elucida que o conceito ‘pobreza menstrual’ só existe “a partir da conquista e maturidade do movimento feminista de olhar para as questões das mulheres e entender que uma série de tabus não são para serem tabus”, como é o caso da menstruação, característica biológica das pessoas que mensturam.
“Precisamos entender que estamos dentro de uma sociedade extremamente misógina e que trata a menstruação não só como um tabu, mas o sangue menstrual como algo de nojo e repulso”, lembra. Todas essas questões podem ser cobradas no vestibular a partir da ót
A pesquisadora também avalia que esses avanços trazidos pela organização feminista tira o problema do foro íntimo para a esfera pública. A visibilidade revela que o problema não é individual, mas sim um problema político e que afeta a economia do país como um todo.
Pobreza menstrual: o cenário brasileiro
O relatório “Pobreza Menstrual no Brasil” revelou dados que até então eram pouco discutidos e mencionados no debate sobre a menstruação, por muito tempo considerada um tabu no País.
A autora do estudo compreendeu a dimensão do problema quando realizou trabalho voluntário em um abrigo de adolescentes, ao perceber como a falta de absorventes e acesso à higiene estava atrelada a saúde mental e desempenho escolar de meninas, mulheres e menstruantes.
“Com isso, surge a tentativa de reunir de forma extensa a bibliografia internacional, entender o problema em outras línguas, e a partir de um trabalho de programação e ciência de dados para tratar a base de microdados, fazer a geração de dados de acordo com o conceito estabelecido para pobreza menstrual”, afirma.
Após ir atrás de variáveis, Caroline se surpreendeu com os resultados. “São mais de quatro milhões de escolares que não dispõe de pelo menos um dos itens investigados, como banheiro, papel higiênico, sabão e pia nas escolas”, alerta.
Muito além do absorvente
A questão traz à tona problemas que viviam escondidos e eram pouco lembrados ao se levar em conta a questão da pobreza menstrual como um todo. A pobreza menstrual é uma forma de pobreza que tem diversas causas e consequências. É difícil pensar em dignidade menstrual, quando milhares de pessoas não têm acesso ao básico, como água e esgoto encanados.
Uma das críticas que a distribuição de absorventes descartáveis recebe é a questão do impacto no meio ambiente. No entanto, Caroline alerta que as pessoas mais vulneráveis não têm como utilizar produtos reutilizáveis. “Se há a falta de acesso a água, como essas pessoas vão lavar e sanitizar de maneira adequada um absorvente reutilizável ou coletor menstrual?”, indaga.
Problemas como a falta de infraestrutura, saneamento básico para garantir água limpa e canalizada e esgoto, ao serem resolvidos, resolveriam uma gama de problemas sociais e de saúde pública e não só a pobreza menstrual.
Ao ser questionado sobre a relação da pobreza menstrual com a educação nas escolas, Rodrigo afirma que “a educação sexual hoje é praticamente inexistente”. A ONG “Absorvendo amor” luta para que isso mude. “O maior sonho de uma ONG é que ela não precise existir”, afirma.
A ONG tem foco em menstruantes em fase escolar e passou por três etapas nos últimos anos. Os participantes realizavam doações, palestras e rodas de conversa dentro de uma escola em Botafogo, no Rio de Janeiro.
Com o decreto de lockdown, focaram na educação menstrual por meio das mídias sociais, além da organização e divisão do projeto, que sofreu queda no número de participantes. Já após a flexibilização, receberam uma demanda absurdamente grande de locais que procuravam-os e voltaram a crescer.
Como o tema pode cair no vestibular?
As questões sobre pobreza menstrual podem aparecer de diversas formas no vestibular e em perguntas multidisciplinares. Podem surgir na matéria de Biologia, Sociologia, Filosofia e Geografia, na forma de Atualidades. O tema também pode surgir como forma de proposta de redação, por isso é preciso atenção.
O tema é relativamente novo no debate público e ganhou força após o veto da Presidência da República a parte do projeto de lei 4.968/2019 que, dentre outras coisas, previa a distribuição gratuita de absorventes a pessoas em situação de pobreza menstrual.
Nesse sentido, a recomendação caso o tema apareça é considerar que, frente às pesquisas recentes e dados alarmantes sobre pobreza menstrual, é necessário reconhecer que o problema existe. Como proposta de intervenção interessantes para o tema, os entrevistados falam sobre educação sexual, acesso à água, saneamento e produtos de higiene íntima.
“Ter um absorvente higiênico descartável vai servir para que o fluxo menstrual seja contido e depois aquele produto possa ser descartado e trocado por outro”, explica Caroline. Ela acredita que isso é uma solução muito útil para resolver ao menos o básico, a curto prazo, da problemática e dar dignidade às meninas, mulheres e menstruantes.
Entretanto, somente a distribuição de absorventes descartáveis não resolve o problema, pois existe a parte de educação sexual que é fundamental, mas sem recursos e acompanhamento da distribuição, também não faz muita coisa. “De que adianta darmos informação as meninas, mulheres e menstruantes, se ela vai continuar sem acesso aos meios materiais para cuidar da menstruação?”, questiona.
Com palestras e conversas ministradas por profissionais, principalmente de idades próximas aos estudantes, a ONG “Absorvendo Amor” desenvolve conexões com os jovens com o intuito de se sentirem à vontade para tirarem suas dúvidas e conversarem abertamente.
“Estamos caminhando para doar absorventes reutilizáveis, e a longo prazo gostaríamos de parar com essas doações, já que deveriam ser feitas pelo Estado, e partir para a área educacional”, declara Rodrigo.
O papel do homem não-menstruante no debate
Uma outra questão que pode surgir é sobre o papel do homem não-menstruante no debate acerca da pobreza menstrual. Tanto Caroline quanto a ONG “Absorvendo amor” acreditam que é fundamental a inserção de toda a sociedade no debate, inclusive os homens.
Para Rodrigo, “o papel do homem nesse debate é começar entendendo que o mesmo não sabe, abaixando a cabeça e escutando. Após isso, é uma forma deste homem mostrar aos demais que seu papel é desconstruir esse tabu”.
Caroline também acredita que a educação sobre os corpos devem ser estendidas aos meninos. Ela lembra de um caso em que indagaram “Por que a pobreza menstrual é tão importante? Não é só segurar a menstruação e esperar chegar no banheiro”. Ela acredita que com uma educação mais aberta sobre o corpo seria possível combater a desinformação e as mentiras que contam para prejudicar o debate.
Ela fala sobre o desconhecimento que os homens têm sobre a questão e que muitas vezes é uma tentativa de desqualificar as demandas das mulheres. “Muitas vezes é ódio e não um desconhecimento”. Para ela, a responsabilidade não é apenas da escola: é no postinho, nas mídias, nas redes sociais, empresas, campanhas publicitárias para atingir a todos, de forma respeitosa.
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Texto: Julia Wasko e Lucas Zanetti