No último dia 20 de março, a Câmara de Deputados Federais aprovou o Projeto de Lei (PL) 2253/2022 que acaba com o direito de detentos à saídas temporárias dos presídios para visitar familiares e amigos, em datas comemorativas. O Projeto já havia sido aprovado na Câmara e seguiu para o Senado, onde sofreu alterações e, por isso, precisou retornar para a sanção dos deputados, de onde seguiu para avaliação presidencial.
No Senado, o PL foi aprovado com a alteração, proposta pelo senador Sérgio Moro (União Brasil – PR), que permite a saída de presidiários para fazerem cursos profissionalizantes ou cursarem o Ensino Médio ou Superior. Antes, a proposta era extinguir totalmente as saídas temporárias.
Depois da aprovação do Poder Legislativo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve 15 dias úteis para optar pela sanção ou veto do Projeto de Lei. O prazo terminou no último dia 11 de abril de 2024, e Lula sancionou a norma, chamada de “Lei das Saidinhas”, com um veto.
A seguir, saiba mais sobre as saídas temporárias da prisão e desenvolva repertórios socioculturais sobre o assunto para o vestibular:
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Como funcionavam as saídas temporárias da prisão?
Antes da aprovação da Lei 2253/2022, o Código Penal brasileiro previa que apenas os presos no Regime Semiaberto teriam direito às saídas temporárias da prisão. Esse tipo de regime prisional é intermediário, entre o Regime Fechado e o Regime Aberto, e a Lei de Execução Penal (LEP) determina que a pena do Semiaberto seja cumprida em colônia penal agrícola, industrial ou estabelecimento similar.
As colônias penais visam proporcionar oportunidades de trabalho para os detentos. Entretanto, na realidade, muitos presos do Regime Semiaberto cumprem suas penas em presídios comuns que possuem horta ou oficina, por exemplo. Lá, eles passam mais tempo fora de suas celas trabalhando, estão sob menor vigilância se comparado ao Regime Fechado, e podem portar ferramentas de trabalho.
Além disso, os presos do Regime Semiaberto podem deixar a prisão diariamente para trabalhar ou estudar, sem vigilância ou, em alguns casos, usando tornozeleira eletrônica, desde que comprovem o vínculo estudantil ou trabalhista e retornem à unidade prisional ao fim das atividades diárias.
Para cumprir pena no Semiaberto, os detentos precisam ter sido condenados a uma pena maior que quatro anos e menor que oito anos, há também juízes e promotores que exigem o cumprimento de 1/6 ou 1/4 da pena para que o apenado passe para esse tipo de Regime. Presos com penas maiores também podem ir ao Semiaberto quando chegam aos números de anos estabelecidos para cumpri-lo.
É nesse contexto, também, em que os detentos recebiam o direito às saídas temporárias, chamadas popularmente de “saidinhas”, podendo deixar os presídios até cinco vezes ao ano durante sete dias. Seja para estudar, participar de atividades que visam a ressocialização ou para visitar familiares e amigos em datas como o Dia das Mães, por exemplo.
Os únicos detentos que não poderiam ter acesso às saídas temporárias eram aqueles condenados por crimes hediondos* que resultaram em morte.
*De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), os crimes hediondos são: tortura; tráfico de drogas; terrorismo; homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente; homicídio qualificado; latrocínio (roubo seguido de morte); extorsão qualificada pela morte; extorsão mediante sequestro e na forma qualificada; estupro; atentado violento ao pudor; epidemia com resultado morte; genocídio; falsificação; corrupção ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.
O que mudou na Lei de saídas temporárias da prisão?
Ao fazer a sanção da Lei das Saidinhas, o Presidente da República vetou o artigo que extinguia as saídas temporárias em datas comemorativas. Segundo a jornalista Daniela Lima, apresentadora do programa “Conexão GloboNews”, Lula fez o veto acatando a sugestão de seu Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
Lewandowski, que é ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), trouxe ao Presidente o histórico da Lei das saídas temporárias, que foi editada pelo Ministro da Justiça do último presidente da Ditadura Militar (1964 – 1985), Abi Ackel e João Figueiredo, respectivamente. Ainda de acordo com a jornalista Daniela Lima, “Lula ouviu de seu ministro, egresso do Supremo, que acatar na integralidade o dispositivo aprovado pelo Congresso seria, na prática, cassar um direito que até a ditadura reconheceu”.
Entenda as mudanças aprovados após a sanção com veto do Presidente:
Crimes hediondos
COMO ERA | COMO FICOU |
Apenas condenados por crimes hediondos que resultaram em morte não podiam ter acesso às saídas temporárias. | Condenados por crimes com violência ou grave ameaça também serão impedidos de deixar a prisão temporariamente. |
Até 2020, condenados por crimes hediondos ainda podiam ter acesso às “saidinhas” ao progredirem para o Regime Semiaberto. A norma foi alterada pelo Pacote Anticrime, implementado pelo então Ministério da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ainda assim, presos por crimes hediondos que conquistaram direito ao benefício antes de 2020, ainda podiam sair dos presídios temporariamente. Um exemplo é o caso de Elize Matsunaga, condenada a 16 anos e dez meses por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, em 2016, e que teve acesso ao Regime Semiaberto em 2019, podendo, desde então, usufruir das saídas temporárias.
Progressão da pena
COMO ERA | COMO FICOU |
Para passarem a cumprir pena em um regime mais brando, os detentos têm seus antecedentes, disciplina e senso de responsabilidade avaliados. Atualmente, o exame criminológico não é obrigatório para a progressão, mas pode ser solicitado por um juiz, em decisão fundamentada. | Só irá mudar de regime penal, o detento que for aprovado no exame criminológico, que avalia aspectos psicológicos e psiquiátricos. Além disso, o exame precisa resultar em um comportamento de baixa periculosidade, por parte do presidiário. |
Em entrevista ao portal de notícias G1, o professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), Pierpaolo Botini, avaliou a obrigatoriedade do exame criminológico: “Essa dificuldade na progressão de regime com a restrição da saída temporária vai deixar muito mais gente presa. O reflexo disso é um problema para a segurança pública, pois no Brasil, a criminalidade organizada acontece dentro dos presídios. Então, quanto mais gente estiver presa, mais combustível a gente dá para esse crime organizado”.
Tornozeleira eletrônica
COMO ERA | COMO FICOU |
Juízes só podem determinar monitoramento eletrônico quando o presidiário for para o Regime Semiaberto, ganhar direito a saídas temporárias ou estiver em prisão domiciliar. | Agora, os juízes poderão determinar o monitoramento por tornozeleira eletrônica para pessoa em liberdade condicional*, Regime Aberto ou Semiaberto. |
*O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) explica que “liberdade condicional” é um benefício concedido aos condenados, mediante determinados requisitos, que permite o cumprimento da pena em liberdade, antecipando seu retorno ao convívio em sociedade.
Número de saídas temporárias
COMO ERA | COMO FICOU |
Todos os detentos do Regime Semiaberto têm o direito de solicitar até cinco saídas de sete dias por ano. | O dispositivo da Lei de Execução Penal que permite as cinco solicitações foi revogado. A alteração não prevê um novo número máximo de “saidinhas” por ano. |
Como era o Projeto de Lei original?
O Projeto de Lei n º 2253 foi apresentado em 2011 pelo deputado federal Pedro Paulo (MDB-RJ), e, ao longo dos 13 anos que levou para ser aprovado, passou por diversas modificações de comissões, da Câmara, do Senado, e agora da Presidência.
A proposta inicial do deputado era implementar “critérios mais rígidos” para concessão do benefício das “saidinhas” e não acabar com a possibilidade que os detentos têm de deixar os presídios. Antes do veto presidencial, que manteve o direito às saídas em datas comemorativas, Pedro Paulo opinou sobre o PL em entrevista ao site da BBC News Brasil:
“A saidinha [tem que ser observada] sob esse aspecto da ressocialização ao ambiente comunitário, à sua família, à sociedade que ele vai conviver quando terminar a pena. Por isso é um erro o projeto do jeito que está”.
Dados sobre saídas temporárias da prisão no Brasil
Segundo o Sistema de Informação do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen), o Brasil possuía 839,7 mil pessoas presas em julho de 2023, quando ocorreu o último levantamento. Esse número coloca o País como o terceiro com maior população carcerária do mundo, de acordo com a pesquisa “The World Prison Brief”, da Universidade de Londres, atrás apenas dos Estados Unidos (em 2º lugar) e da China (em 1º lugar).
Já os dados sobre as “saidinhas” no Brasil, divulgados pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), do Ministério da Justiça, apontam que de janeiro a junho de 2023, 120.244 presos tiveram acesso à saída temporária em todo o País. Desse total, 7.630 não retornaram aos presídios, se atrasaram na volta ou cometeram uma falta no período da saída, o que representa uma parcela de 6,3% do total de beneficiados.
Um levantamento do portal de notícias G1, divulgado em janeiro de 2024, demonstrou que na última saída temporária, em dezembro do ano passado, 52 mil presos puderam deixar o cárcere para as comemorações de Natal. Desse número, 95% retornaram na data estabelecida, totalizando 49 mil pessoas, contra 2,6 mil (ou 5%) que estão considerados foragidos.
Filmes sobre prisão
Conheça algumas obras que tratam sobre o sistema prisional no Brasil e no exterior:
Carandiru: O Filme (2003)
Baseado no livro “Estação Carandiru”, do médico Drauzio Varella, o filme conta a história de um médico (Luiz Carlos Vasconcelos) trabalhando na prevenção da AIDS no maior presídio da América Latina, o Carandiru. Ao contar, também, as histórias de diversos detentos e os motivos de suas prisões, o longa-metragem chega ao momento do massacre cometido pela Polícia Militar no presídio, em 1992.
Juízo (2007)
O documentário acompanha a trajetória de jovens pobres, menos de 18 anos de idade, diante do encarceramento, e tudo que eles vivem desde o instante da prisão até o julgamento por crimes como roubo, tráfico e homicídio.
A 13ª Emenda (2016)
Estudiosos, ativistas e políticos analisam a correlação da 13ª emenda da Constituição estadunidense (que aboliu a escravidão, exceto em caso de pena por crime) e a criminalização da população negra dos Estados Unidos.
Questões sobre prisão
Confira como o tema das prisões já apareceu nas provas e saiba como direcionar seus estudos:
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas (IFNMG) 2017
TEXTO 07
Fonte: https://s3.amazonaws.com/lowres.cartoonstock.com/law-order-crime-criminal-human_rights-prisons-prison_guardsmban3783_low.jpg. Acesso em: 08 abr 2017.
A punição justa e as condições mínimas de conforto de infratores da lei são temas recorrentes nas discussões sobre os direitos humanos de presos. Há dois pontos de vista divergentes sobre esse tema: o daqueles que defendem que os infratores devem sofrer na prisão para, pela dor e pelo medo, regenerarem-se e os que acreditam que somente o tratamento humanizador pode reinserir um infrator na sociedade. O TEXTO 07 ironiza o ponto de vista daqueles que:
A) Defendem os direitos humanos nas prisões.
B) Confiam que a justiça de Deus prevalece sobre a dos homens.
C) Protegem infratores em liberdade que deveriam estar presos.
D) Acreditam que os direitos humanos devem ser aplicados somente aos não contraventores.
Resolução: A alternativa D está correta.
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) 2009
Leia as manchetes e o trecho de reportagem abaixo.
“Em entrevista à Agência Brasil, o padre Valdir João disse que os cerca de 1.400 agentes da sua pastoral [carcerária] não conseguem conversar com os presos sem autorização do líder de cada área [das] organizações [criminosas] nos presídios”…
Disponível em: http://www.notadez.com.br/content/noticias.asp?id=25572. Acesso em 30/03/2009.
“O PCC hoje controla mais de 90% do sistema prisional de São Paulo e grande parte dos presídios do Brasil”.
Disponível em: http:// www.conjur.com.br/2007-mar-22/promotor_lanca_livro_crime_organizado_presidios. Acesso em: 30/03/2009.
“Presídios de SP são controlados por 700 homens do crime organizado”
GLOBO ONLINE. 31/05/2006.
Considerando o conceito de território e outros dele derivado – territorialidade, desterritorialidade, reterritorialização e multiterritorialidade etc., as manchetes e trecho de reportagem acima exemplificam que
A) as prisões brasileiras se transformaram em múltiplos territórios dominados pelas organizações criminosas. Porém, esses territórios se encontram incomunicáveis com o espaço exterior aos muros das prisões.
B) o Estado se constitui como o único agente capaz de desterritorializar e reterritorializar a população carcerária no interior da maioria das prisões brasileiras.
C) a superlotação, promiscuidade, violência etc. das prisões brasileiras atuam como forte fator desterritorializador. Por outro lado, nessas prisões, inexiste qualquer situação de reterritorialização que permita a muitos presidiários recriar múltiplos territórios.
D) as múltiplas territorialidades do crime organizado no interior das prisões brasileiras tornaram desnecessárias as ações de controle e de disciplinamento da população carcerária pelo Estado.
E) as prisões do Brasil se transformaram em territórios ou múltiplos territórios comandados por várias facções criminosas ou redes de “poderes paralelos”, como as do narcotráfico.
Resolução: A alternativa E está correta.
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