A transposição do rio São Francisco é um projeto antigo, que surge com a expectativa de sanar problemas hídricos comuns no semiárido, clima presente em boa parte do nordeste brasileiro, além do norte do estado de Minas Gerais.
Se a transposição em si já tem valor histórico e econômico, o rio São Francisco então representa o sustento de milhares de famílias que vivem em suas redondezas. Ele representa hoje a segunda bacia hidrográfica que mais gera energia elétrica no País, além de ser um rio perene, ou seja, que nunca seca.
Para falar da importância do rio São Francisco para sua região e como a transposição vem mudando a realidade de diversas localidades afetadas, falamos com a professora de Geografia do Estratégia Vestibulares, Priscila Lima. Saiba mais sobre o “Velho Chico” e suas obras abaixo.
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O rio São Francisco
Nascido em Minas Gerais, mais precisamente em São Roque de Minas, na Serra da Canastra, o rio São Francisco desbrava o Nordeste brasileiro passando por mais quatro estados: Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas.
Com 2.830 quilômetros de extensão, o São Francisco é o maior rio totalmente brasileiro. Ele conta com 168 afluentes, cinco usinas hidrelétricas e atinge mais de 500 municípios. Sua foz é também a divisa natural entre os estados de Alagoas e Sergipe.
Além de ser divisa entre os dois estados, o rio é também uma bacia hidrográfica, que abrange biomas como o cerrado, a caatinga e a mata atlântica. É chamado também de “rio da integração nacional”, já que conecta a região nordeste com a sudeste.
Importância histórica do São Francisco
Conversamos com Priscila Lima, professora de Geografia e Atualidades do Estratégia Vestibulares. Ela comentou sobre a importância que o rio tem nas regiões próximas a ele.
“Em muitas porções que ele corta, especialmente no semiárido, é um dos únicos rios que não secam durante a estação seca. É um rio perene que corta o sertão, então, hoje ele é muito importante por isso. Nós temos o São Francisco como fonte de renda, seja pela extração, pesca… seja no transporte e também pelo turismo que é realizado nele”.
O desenvolvimento de parte do Nordeste, em especial seu interior, também passa pelo rio São Francisco. “Os colonizadores concentraram a população e a economia no litoral, e para ir para o interior, por meio da pecuária, eles iam pelo Rio São Francisco. Por isso que ele é chamado de Rio dos Currais, então ele tem uma importância histórica, e é claro que isso cria laços”, afirma Priscila.
Hidrelétricas locais
Como a bacia do São Francisco é a segunda mais utilizada para geração de energia elétrica no Brasil, atrás apenas da bacia do Paraná, existem sobrecargas. “Ela [a bacia] não tem a maior hidrelétrica do Brasil, nem a segunda e nem a terceira, mas ela tem vários complexos, então ela já saturada”, pontua Priscila.
Atualmente, o rio conta com cinco hidrelétricas:
- Três Marias (MG);
- Sobradinho (BA);
- Luiz Gonzaga / Itaparica (BA/PE);
- Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso (I — BA; II, III e IV — AL); e
- Xingó (AL).
A professora comentou sobre a sobrecarga que o rio passa hoje na geração de energia elétrica e como a transposição pode atuar nesse sentido. “Quando você realiza esse tipo de obra, que vai beneficiar também — e muito — a irrigação, você pode comprometer o volume de água que chega até as barragens.”
“Os pontos principais do debate, antes do início das obras, foram essa questão das hidrelétricas e também se a transposição do rio não estaria beneficiando apenas grandes produtores”, explica.
O projeto: a transposição do São Francisco
São, ao todo, dois eixos — norte e leste —, totalizando 477 quilômetros de extensão. Ao todo, a transposição alcança os estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, além de cruzar o estado de Pernambuco.
O eixo leste, que vai até Monteiro, na Paraíba, e alcança o rio que leva dá nome ao estado, e o eixo norte, que chega até o Rio Grande do Norte e encontra os rios Salgado e Jaguaribe, estão 100% operacionais. Mas ainda faltam algumas obras complementares, como ramais.
Necessidade da transposição e diferentes pontos de vista
A proposta de transposição do São Francisco existe desde os tempos imperiais, em meados do século XIX, e era vista como a única solução para a seca que assola parte do Nordeste.
A transposição foi discutida em outros vários momentos como a Era Vargas e nos governos Figueiredo, Itamar e FHC, em que projetos foram feitos, inclusive com o documento “Compromisso pela Vida do São Francisco”, assinado pelo então presidente.
Mas, a discussão sobre a necessidade da obra sempre vai existir. Muitos defendem que seria possível resolver o problema das secas de outras maneiras, como explica Priscila. “Necessidade não há porque tem outros métodos também. Por que a escolha por uma transposição? Tem a questão política: é uma grande obra, que chama atenção, tanto que ela continua sendo discutida até hoje e continua sendo alvo de campanha até hoje”.
Dentre esses métodos, está uma especialidade da região: os açudes, que são lagos que se formam por um represamento. Essa água pode ser fruto de chuvas ou mesmo de rios existentes na região.
O semiárido brasileiro é a localidade mais açudada do planeta, com mais de 70 mil reservatórios superficiais. Para se ter uma ideia, a capacidade de acumulação de água da região é de um terço do que o São Francisco despeja anualmente no Oceano Atlântico.
A professora também comenta sobre motivos econômicos para a escolha do modelo de transposição. “Com a transposição, é possível ter uma mudança do curso do rio, claro, e ganhar um volume de água considerável para outras porções. Dependendo dos outros métodos que você use, não será possível acumular tanta água quanto na transposição”.
Impactos ambientais
O projeto sofre com críticas em alguns aspectos que vão além da necessidade de suas obras e aspectos político-econômicos, que são os impactos ambientais, ainda com danos incertos. Ainda sim, é possível citar problemas como desmatamento, para construir os canais e estações, desertificação e assoreamento, que pode levar à sedimentação do solo para os reservatórios, comprometendo a capacidade de funcionamento dos mesmos.
Priscila comenta sobre alguns impactos gerados na região. “A transposição do rio é uma solução para pessoas que sobrevivem de cisternas no Nordeste brasileiro, principalmente no sertão. Você vai colocar água, vai ter uma maior evapotranspiração, maior quantidade de chuva… vai criar um corredor que vai romper com a biodiversidade… Não que vai acabar, mas você vai alterar a dinâmica do bioma, porque passa a ter mais água numa região onde não tinha.”
“O rio principal, o curso principal, tende a ter menos água também. Então, há diversos prejuízos e benefícios, e aí cada corrente vai levantar uma bandeira, até porque nada é neutro. E sempre há o ponto positivo e o negativo”, afirma.
A biodiversidade também é um tema que levanta debate sobre a obra. Já foi notado o comportamento distinto de aves migrantes, que voavam até Minas Gerais e agora podem ficar nos eixos transpostos. Espécies de águas paradas podem perder espaço para outras de águas correntes, considerando que há trechos de conexão com rios menores e açudes. Ainda sim, o monitoramento sobre todos esses impactos precisará ser constante ao longo das décadas.
Dificuldades geológicas e logísticas
O clima e a falta de suporte logístico também são fatores que dificultaram a execução das obras, como explica a professora. “Por causa do calor, há elevada amplitude térmica diária. Ou seja, durante o dia fica muito quente e durante a noite é um pouco mais frio”
“Não se faz essa obra muito rápido e deixa exposta essa estrutura, porque ela tende a rachar e quebrar, e como vai passar água não pode ter rachaduras, porque senão a estrutura vai ficar perdendo água”, pontua Priscila.
E, quando falamos em logística, é necessário lembrar que esse tipo de obra é feita em lugares que não contam com estrutura mínima, o que dificulta todo o processo. “ [A obra] vai cortar trechos que não fazem parte de uma rede de abastecimento. Então, para chegar em alguns pontos leva um certo tempo, porque não há todas as estradas. Ali não tem uma estrutura para quem está trabalhando, não tem restaurantes ou banheiro, dependendo da região”.
Importância da transposição para as regiões afetadas
A previsão, segundo o Governo Federal, é que a transposição atinja mais de 16 milhões de pessoas, alterando a realidade da seca e aumentando a capacidade de produção de grandes produtores locais.
“A primeira coisa que a gente tem que fazer aqui é dividir os grupos de população que são beneficiadas. Haverá um benefício muito grande para os grandes produtores, porque vai chegar água até eles, e essas terras se tornam mais caras. Quem vai conseguir comprar essas terras são os grandes proprietários”, explica Priscila.
A professora também comenta sobre um erro comum quando falamos do semiárido que é achar que as terras são inférteis, o que não é verdade.
“O que falta no semiárido é água. Se você consegue fazer a transposição do rio, você vai conseguir produzir muito bem ali. Não é à toa que a gente tem um polo de fruticultura, que é uma fruticultura irrigada. Não são as condições climáticas que favorecem a água, mas é uma irrigação. Uma fruticultura irrigada que faz fortes exportações”.
Ainda que os maiores beneficiados sejam os produtores, Priscila pondera que a transposição deverá atingir também pessoas em situação de pobreza. “Algumas famílias passam a se beneficiar com a chegada das águas. São famílias pobres que tinham que andar muito para conseguir água em poços, quando suas cisternas estão vazias e passam até água um pouco mais próximo a si”.
Foto: Marinelson Almeida Silva / Wikimedia commons
Como o tema pode cair no vestibular
O tema é amplo e diversas abordagens podem ser tomadas, já que a obra certamente é uma das maiores e mais polêmicas da história do Brasil, além de atingir o cotidiano de milhões de pessoas e mudar o panorama de toda uma região e bioma. Priscila deu seu panorama sobre como a transposição pode aparecer nos vestibulares brasileiros.
“A gente pode pensar nos aspectos humanos primeiro: a questão da terra ficar mais cara. Quem vai conseguir comprar essa terra? A dinâmica de concentração e valorização da terra onde houve a transposição e quais áreas estão recebendo essa água. A gente pode falar sobre os impactos ambientais, as mudanças ambientais que surgem quando você coloca água, traz exposição de água em um ecossistema que não tinha. Acho que são os principais. Em termos de disputas políticas é pouco provável para vestibular”.
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