Interpretando o texto literário: linguagem, contexto e intertextualidade 

Interpretando o texto literário: linguagem, contexto e intertextualidade 

Entenda como a conotação, o contexto histórico e as figuras de linguagem são cruciais para uma análise eficaz dos textos literários no vestibular

A prova de linguagens no Enem e nos vestibulares exige mais do que apenas saber o conteúdo: exige a habilidade de interpretação de textos literários de forma profunda e contextualizada. O texto literário é uma das bases da cultura e do conhecimento, mas sua natureza subjetiva muitas vezes confunde o estudante.

Pensando nisso, o Portal do Estratégia Vestibulares preparou este guia para te ajudar a entender melhor a linguagem literária e a interpretar os textos com mais facilidade. Confira!

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Como interpretar um texto literário?

A interpretação de textos literários pode ser desafiadora no início, pois exige um repertório interpretativo sólido, construído principalmente pelo hábito da leitura. 

Além disso, a análise eficaz demanda que o leitor identifique o contexto histórico da obra, compreenda os elementos essenciais da narração (personagens e cenário, por exemplo) e reconheça os recursos linguísticos próprios da literatura, como a linguagem conotativa e as figuras de linguagem.

Linguagem, função e intertextualidade no texto literário

Para interpretar corretamente um texto literário, é preciso primeiro reconhecer que uma das chaves está em sua linguagem conotativa.

Linguagem conotativa X denotativa

  • Linguagem conotativa: é a linguagem em seu sentido figurado, subjetivo e contextual. Permite múltiplas interpretações e está carregada de emoção. É a linguagem mais comum nos textos literários. Exemplo conotativo: “Ela tem um coração de gelo” (significa frieza emocional, não a temperatura literal do órgão.);
  • Linguagem denotativa: a linguagem está em seu sentido literal, objetivo e universal. É o significado que você encontra no dicionário e é predominante em textos informativos, como notícias e manuais. Exemplo denotativo: “O coração é um órgão vital do corpo humano”.

Por operar majoritariamente no campo da conotação, o texto literário exige que o leitor vá além do significado óbvio para conseguir compreender a mensagem transmitida. 

Função poética

Além de utilizar a linguagem conotativa com frequência, o texto literário prioriza a função poética da linguagem, cujo foco está na forma como a mensagem é dita. Desse modo, a sonoridade, o ritmo, a escolha lexical e a disposição das palavras são tão importantes quanto o conteúdo em si. 

Essa função da linguagem está principalmente presente em poemas e letras de música. Leia um trecho do poema de Manuel Bandeira para exemplificar:

Canção do vento e da minha vida

O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
[...]

Note que esse poema apresenta propositalmente a repetição do verso “O vento varria…”, que na linguagem conotativa simboliza a ação incessante do tempo. Ao mesmo tempo que o vento remove e leva embora elementos como “folhas, frutos, flores”, a vida do eu lírico fica “cada vez mais cheia” deles. 

O contraste entre o vento que “varria” e a vida que ficava “mais cheia” sugere que a perda se transforma em enriquecimento da memória (paradoxo). Percebeu como é profunda a construção do texto literário? 

Intertextualidade no texto literário

Outro pilar da literatura é a intertextualidade, que é o diálogo implícito ou explícito que um texto estabelece com os outros. Assim, reconhecer uma alusão ou uma paródia é crucial para desvendar as camadas do sentido que a obra pretende expressar.

Um exemplo disso é o poema Canto de regresso à pátria, de Oswald de Andrade, qual parodia o poema Canção do Exílio do poeta romântico Gonçalves Dias:

“Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
[...]”

A voz no texto: eu lírico e narrador

Nos textos em prosa, como os contos e romances, a voz que conta a história é o narrador. É importante distingui-lo do autor: enquanto o autor é uma pessoa real que escreveu a obra, o narrador é ficcional, ainda que fale em primeira pessoa.

Os tipos mais cobrados de narrador são:

  • Narrador em 1ª pessoa (personagem): participa ativamente da história;
  • Narrador em 3ª pessoa (observador ou onisciente): não participa da história. O narrador observador apenas relata o que é visível e audível, ou seja, o que é possível de observar. Por outro lado, o onisciente tem acesso aos pensamentos e sentimentos mais íntimos dos personagens.

Já na poesia (lírica), a voz fictícia que expressa sentimentos e visões é o “eu lírico”.

Análise estrutural da prosa

O texto em prosa é constituído por 4 elementos essenciais: enredo, personagens, tempo e espaço.

Enredo

o enredo é o esqueleto da narrativa e possui sempre as cinco etapas cruciais:

situação

Personagens 

Os personagens podem ser classificados em:

  • Personagens principais (protagonista e antagonista); e
  • Personagens secundários (coadjuvantes), que contribuem para o desenvolvimento da narrativa, mas com participação secundária na história. 

Tempo e espaço

O tempo na narrativa pode ser cronológico (marcado por horas, dias) ou psicológico (subjetivo, o tempo da memória e dos sentimentos do personagem). 

O espaço (cenário) não é apenas um pano de fundo. Ele frequentemente reflete o estado psicológico dos personagens ou tem uma função simbólica na trama.

Análise formal da poesia lírica

A poesia é uma produção que valoriza mais a forma, como já foi citado. Portanto, sua estrutura apresenta geralmente:

  • Métrica e rima: a métrica é o número de sílabas poéticas por verso e a rima é a semelhança sonora entre as palavras, que juntas determinam a musicalidade; e
  • Ritmo e sonoridade: o ritmo é dado pela disposição das sílabas tônicas, pela pontuação e pela escolha das palavras. Palavras com maior presença de vogais abertas (ex.: céu, café) criam um efeito sonoro diferente de palavras com consoantes repetidas (ex.: serpente, sibilante), que usam a aliteração para imitar um som real.

Figuras de linguagem na literatura

A figura de linguagem é um recurso bastante utilizado nas produções literárias, pois por meio dela a linguagem atinge a conotação. Nesse sentido, algumas das principais figuras de linguagem observadas na literatura são: 

FiguraDefinição e funçãoExemplo
MetáforaComparação implícita por semelhança.A vida é uma peça de teatro”
ComparaçãoComparação explícita entre elementos, com uso de “como”.A vida é como uma peça de teatro”
MetonímiaSubstituição por contiguidade (ex.: autor pela obra).“Li Machado de Assis.
SinestesiaMistura de sensações de diferentes órgãos dos sentidos.“A flor tem um cheiro doce.” 
ParadoxoUnião de ideias inconciliáveis em uma só frase. “Estou cego e vendo tudo.”
AntíteseUso de palavras de sentidos opostos. “Luz e sombra faziam parte da sua jornada.”
IroniaDizer o oposto do que se pensa, geralmente com tom de crítica ou sarcasmo.Aprecio a tranquilidade do trânsito na hora do ‘rush’.” 
HipérboleExagero intencional para enfatizar uma situação ou sentimento. “Chorei rios de lágrimas.”
AnáforaRepetição intencional da mesma palavra ou grupo de palavras no início de versos ou frases.Tudo que ele faz é bom. Tudo que ele diz é verdadeiro. Tudo nele inspira confiança.”
Assíndeto/ PolissíndetoOmissão de conectivos (assíndeto);  repetição excessiva de conectivos (polissíndeto).“Ele chegou, viu, venceu.” / “Ele chegou e viu e venceu.”

Análise de figuras de linguagem no texto literário

Para ficar mais fácil de entender o papel da figura de linguagem nos textos literários, leia o seguinte exemplo:

Soneto XI

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente; 
É dor que desatina sem doer.

(Luiz Vaz de Camões)

Nos versos acima, do clássico poema camoniano, a complexa natureza do amor é definida pelo uso da metáfora (“Amor é fogo…”) e do paradoxo, recurso dominante que estrutura todo o trecho ao definir o sentimento por meio de contradições (“arde sem se ver”; “dói e não se sente”). O uso dessas figuras revelam que a experiência do amor é logicamente incompreensível, mas profundamente intensa e contraditória. 

O contexto histórico-literário na interpretação

Os textos literários frequentemente possuem relação com seu contexto histórico. Desse modo, um poema do Romantismo (século XIX), por exemplo, carregará a subjetividade e o nacionalismo próprios desse contexto, enquanto um texto do Realismo trará a crítica social, a análise psicológica e a objetividade.

Observe como os textos dessas duas escolas literárias possuem características distintas:

"Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais escuros que a asa da graúna…” 

(Iracema, José de Alencar)
"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas Memórias Póstumas.”

(Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis)

Note que enquanto no trecho da obra Romântica, o narrador cria a imagem de uma heroína nacional idealizada, com exaltação da natureza brasileira e descrição hiperbólica, Memórias Póstumas de Brás Cubas inicia com a perspectiva de um “defunto autor”, com o tom irônico e cínico. 

O narrador, portanto, rompe com o idealismo romântico e faz uma crítica social à vaidade humana. Logo, para uma interpretação adequada da obra literária, é de suma importância dominar as características mais marcantes do contexto histórico-literário em que foi escrita, pois este frequentemente define a estética, a temática e a visão de mundo do autor.

Crítica social na literatura

Ademais, a literatura funciona como um espelho e instrumento de denúncia de problemas, injustiças e hipocrisias sociais de uma época. Por isso, temas como crítica social e marginalidade são recorrentes e cruciais, exigindo do leitor a capacidade de ligar o texto à realidade histórica e social do seu tempo.

Exemplos de denúncias de problemas sociais podem ser vistos nas seguintes produções:

Vidas Secas – Graciliano Ramos (Segunda Geração Modernista)

O romance é uma profunda crítica à miséria do sertanejo, ao ciclo da seca e à opressão dos coronéis. Todo o livro possui propositalmente uma linguagem seca, cujo foco é a vida dos retirantes Fabiano e Sinhá Vitória, sem nomear sequer seus filhos. Esse detalhe reforça a crítica à coisificação e desumanização devido à fome e exploração, sendo um retrato brutal da marginalidade regional.

“Os meninos eram uns brutos, como o pai. Quando crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados, maltratados, machucados por um soldado amarelo.”

Quarto de Despejo —  Carolina Maria de Jesus (1960)

Obra escrita em formato de diário, por uma mulher negra e catadora de papel que vivia na favela Canindé, em São Paulo. Carolina faz uma poderosa denúncia da marginalidade e da pobreza urbana existentes no Brasil no final da década de 1950.

“Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos.”

Dicas de leitura de textos literários para o vestibular

Otimize sua leitura:

  1. Leia o comando da questão: leia o enunciado e as alternativas antes do texto. Sublinhe as palavras-chave do comando (ex: função, recurso expressivo), pois elas guiarão seu olhar analítico;
  2. Atenção ao gênero e autor: o título da obra e o autor muitas vezes fornecem o contexto. Saber que você está lendo Gregório de Matos (Barroco) ou Manuel Bandeira (Modernismo) já dá uma pista sobre a temática e o estilo; 
  3. Relação texto-contexto: utilize as informações fornecidas no enunciado (como a data de publicação ou a biografia breve do autor) para conectar o conteúdo do trecho à sua época.

+ Veja também: Dicas para melhorar sua interpretação de texto para o Enem

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