Os movimentos literários da transição entre os séculos XIX e XX são marcados por uma transformação na construção das artes. Ao mesmo tempo em que algumas escolas valorizavam o academicismo e a estética, outras se voltaram para a liberdade do artista, a expressão dos acontecimentos do mundo por meio das obras artísticas, entre outras características que marcam o período.
Neste artigo, serão abordados os principais movimentos literários que destacam as modificações pontuais e marcantes que ocorreram com a mudança do século XIX e XX no cenário artístico, especialmente no campo literário. Entre os temas descritos estão o parnasianismo, os principais aspectos do simbolismo, as diferentes características do pré-modernismo e, por fim, o estabelecimento do modernismo. Acompanhe!
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A transição literária entre os séculos XIX e XX
A história da literatura é marcada por períodos em que a escrita clássica, academicista e formal é valorizada, entremeados por épocas em que os autores buscam outras inspirações, temáticas e formas de escrita, inovando o processo de escrita.
Observa-se, contudo, que no século XIX novos aspectos influenciaram as escolas literárias na estruturação de seus textos. As inovações científicas e tecnológicas, além dos conflitos geopolíticos interferiram na forma como os autores compreendiam suas obras e, consequentemente, novas características foram adicionadas aos escritos.
Romantismo, realismo e naturalismo
Enquanto o romantismo mantinha certo apreço pela formalidade, descrição detalhada dos personagens, os escritores brasileiros adicionaram traços de brasilidade em seus livros, o que já denota uma nova visão política, com objetivo de contribuir para a construção de uma identidade nacional.
Então, o realismo e o naturalismo surgem como uma nova maneira de expressar a realidade, com palavras mais chocantes para o público da época, com perspectivas inovadoras sobre a vida. Inclusive, o naturalismo adiciona conhecimentos das ciências biológicas para indicar o determinismo, quando o meio influencia sobre os comportamentos dos personagens.
Esse cenário já era destacadamente diferente do que é observado na arte acadêmica, que muitas vezes preza pelo belo, pela perfeição formal, pela estética rebuscada, palavras preciosistas. E é com base nesse conceito de arte que surge a escola parnasiana.
Parnasianismo
Os autores parnasianos, ao observarem o contexto do realismo e do naturalismo, sentiam-se incomodados. Para eles, a arte tinha o objetivo de expressar o belo, descrever a realidade formalmente, opondo-se aos choques de vivência construídos em literaturas naturalistas, por exemplo.
No parnasianismo, há um apreço importante pela literatura academicista, com rigor formal, preocupação excessiva com a estética dos textos. Assim, os poemas eram construídos com métrica, contagem de sílabas fonéticas, rimas estrategicamente construídas e, geralmente, eram a descrição de um objeto, como no exemplo abaixo.
Vaso chinês
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.
Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura;
Que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.
(Alberto de Oliveira)
Os parnasianos levantaram o lema de que a arte deve ser realizada com o objetivo apenas de ser arte, contemplativo. Ou seja, opunham-se à ideia de que as obras artísticas devem ter engajamento político, social ou ainda expor a realidade de diferentes maneiras. No Brasil, os principais autores são Alberto de Oliveira, Olavo Bilac, Teófilo Dias e Raimundo Correia.
Simbolismo
O simbolismo é uma escola literária que se estabeleceu exatamente na transição entre os séculos XIX e XX, entre as décadas de 1890 e 1900. As poesias simbolistas, ao contrário da objetividade marcante dos parnasianos, eram extremamente subjetivas e etéreas.
A visão dos simbolistas sobre o mundo era pessimista, ao observar a industrialização em crescimento e as diferentes inovações tecnológicas, os autores também notavam uma expansão da desigualdade social.
Então, muitos deles recorreram à espiritualidade, às ideias ilógicas, subjetivas e individuais, como afastamento da realidade social que afligia a população da época. Para isso, suas poesias afastaram-se do rigor formal e estético proposto no parnasianismo.
Na verdade, eram textos inovadores que utilizavam figuras de linguagem como a sinestesia para transmitir sensações, muitas vezes etéreas e metafísicas, ao mesmo tempo em que havia uma preocupação com a musicalidade das poesias.
Inclusive, muitos desses recursos eram utilizados para descrever textos com conotação mais psicológica, aprofundando em questões mais individuais da mente humana, questionamentos subjetivos e suas nuances.
Interrogação
Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crês? nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito,
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.
Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno…
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.
Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
Eu não sei se é amor. Será talvez começo.
Eu não sei que mudança a minha alma pressente…
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
(PESSANHA, Camilo. Clepsidra. São Paulo: Núcleo, 1989.)
Pré-modernismo
Entre todos os movimentos que participaram da transição entre o século XIX e XX, o pré-modernismo é o mais relevante deles. A produção literária nesse período foi muito numerosa e as obras tinham características muito diversas entre si, congregando informações, temas, estéticas e estilos completamente diferentes.
O principal fator que une as obras pré-modernistas é um assunto em comum: a realidade do cenário brasileiro. Assim, autores com formas de escritas muito diversas foram influenciados pelas escolas literárias anteriores e criaram textos sobre essa temática em formatos semelhantes ao parnasianismo, ao simbolismo ou outros, mas com aspectos diferentes, adicionando tópicos que o escritor julgasse importante.
Parte dessa indignação social entre os escritores pré-modernistas está atrelada ao contexto histórico: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a recente Proclamação da República no Brasil (1889), a urbanização e favelização recente no Brasil, a seca e precarização da vida no Nordeste estão entre os acontecimentos que estão compreendida no período.
Assim, os autores conclamavam todas essas mudanças e revoltas para seus textos, que eram escritos por ora com os moldes estéticos do parnasianismo, mas com a subjetividade clássica do simbolismo, adicionada aos padrões mais explícitos do naturalismo, por exemplo.
Uma das principais obras do pré-modernismo, no Brasil, é Os Sertões, escrita por Euclides da Cunha. Ele era um jornalista que acompanhou os eventos da Guerra de Canudos, no Nordeste brasileiro.
O foco principal do livro é demonstrar como os revoltosos se posicionaram durante os conflitos e, em muitos trechos, o autor traz a realidade de forma a exaltar a força dos sertanejos. Esse tipo de texto era comum, como forma de desmistificar figuras que sofriam preconceito no país, bem como para destacar a potência que havia na população nacional — esse aspecto é conhecido como nacionalismo crítico, muito presente nos textos do pré-modernismo.
Fim de batalha
A vida normalizava-se naquela anormalidade,
despontavam peripécias extravagantes. Os soldados da
linha negra, na tranqueira avançada do cerco, travavam,
às vezes, noite velha, longas conversas com os jagunços.
O interlocutor da nossa banda subia à berma da
trincheira e, voltado para a praça, fazia ao acaso um
reclamo qualquer, enunciando um nome vulgar, o primeiro
que lhe acudia ao intento, com voz amiga e lhana, como
se apelidasse algum camarada; e invariavelmente, do
âmago do casario ou, de mais perto, de dentro dos
entulhos das igrejas, lhe respondiam logo, com a mesma
tonalidade mansa, dolorosamente irônica. Entabulava-se
o colóquio original através das sombras, num reciprocar
de informações sobre tudo, do nome de batismo ao lugar
do nascimento, à família e às condições de vida.
Não raro a palestra singular derivava a coisas
escabrosamente jocosas e pelas linhas próximas, no
escuro, ia rolando um cascalhar de risos abafados.
O diálogo delongava-se até apontar a primeira
divergência de opinião.
Salteavam-se, então, de lado a lado, meia dúzia
de convícios ríspidos, num calão enérgico. E logo depois,
um ponto final – a bala…
(Os Sertões, Euclides da Cunha)
Modernismo
Uma vez que os pré-modernistas trouxeram uma inovação temática, com uma miscelânea de estilos para o contexto literário, a liberdade de expressão do artista e os assuntos relacionados à realidade brasileira tornavam-se cada vez mais urgentes de serem abordados na literatura, segundo os sucessores do movimento, os modernistas.
Especialmente na aterias/artes/semana-de-arte-moderna/” target=”_blank” rel=”noreferrer noopener”>Semana de Arte Moderna de 1922, instaurou um novo modelo de fazer artístico, tanto no campo literário, quanto nas artes plásticas, composição de músicas e até narrativas teatrais.
No modernism<span id=”urn:enhancement-6214aa59-3381-46e1-af79-c856f4ca8120″ class=”textannotation”>o, preza-se pela subjetividade do autor em escrever sobre os temas que desejar, abordando temáticas sociais, cotidianas, urbanas, rurais, nacionais, a depender de seus objetivos com a <span id=”urn:enhancement-7eb6d870-2236-4557-bea4-d397e8577fba” class=”textannotation”>escrita.
É uma escola literária de experimentação, liberdade, que trouxe novas nuances para os poemas e prosas. Por exemplo, o uso de vocabulário informal, construção de poemas em versos livres, versos brancos, união entre o formato visual do texto com seu conteúdo, emprego da metalinguagem e criação de estruturas textuais não convencionais.
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar & agraves mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.
Não quero saber do lirismo que não é libertação.
(Manuel Bandeira, 1922)
Questão sobre movimentos literários da transição entre os séculos XIX e XX
Enem (2023)
O grande hall do hotel estava repleto. […] Os criados passavam apressados, erguendo numa azáfama os pratos de metal. Ao alto, os ventiladores faziam um rumor de colmeias. Senhoras e cavalheiros, perfeitamente felizes, as senhoras, quase todas com largos boás de plumas brancas, choravam e sorriam. Estávamos bem na bizarra sociedade de entalhe que é o escol dos hotéis. Alta, longa, comprida, com uma cintura de esmaltes translúcidos e o ar empoado de uma íntima do general Lafayette, a escritora americana cuja admiração por Gonçalves Dias chegara a fazê-la estudar e propagar o Brasil, mastigava gravemente. Logo ao lado, um grupo de engenheiros, também americanos, bebia, com gargalhadas brutais e decerto inconvenientes, champanhe Mumm. […] De vez em quando parava à porta um novo hóspede, hesitava, percorria com o olhar a extensa fila de mesas onde o debito se acalorava. A um canto, Miles. Peres, filhas de um rico argentino, yatch-recorderman nas horas vagas e vendedor de gado nas outras, perlavam risadinhas de flerte para o solitário e divino Alberto Guerra, seguro dos seus bíceps, dos seus brilhantes e quiçá dos seus versos.
JOÃO DO RIO. Dentro da noite. São Paulo: Antiqua, 2002 (fragmento).
Nessa descrição, o narrador traça um panorama sociocultural das primeiras décadas do século XX. Sua perspectiva revela uma
A) percepção irônica da importação de valores e modismos.
B) euforia generalizada com as facilidades da modernidade.
C) visão otimista sobre as atitudes da mulher emancipada.
D) adesão propagandística aos gostos burgueses e ao luxo.
E) preocupação nacionalista com a integridade da língua.
Resposta correta: A ironia sobre a importação de valores e modismos é o que se infere da passagem “Estávamos bem na bizarra sociedade de entalhe que é o escol dos hotéis
Alternativa correta: A.
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