Noturno: definição, características e exemplos

Noturno: definição, características e exemplos

Da liturgia medieval à poesia moderna, veja como a noite se tornou símbolo de silêncio, introspecção e beleza artística

Muito mais do que poemas sobre a noite, os noturnos são composições literárias que mergulham em sentimentos profundos, com uma linguagem carregada de simbolismo e musicalidade. 

Se você está se preparando para o vestibular, entender esse tipo de texto pode fazer toda a diferença na hora da prova, especialmente em questões de interpretação de texto. 

Neste guia, você vai descobrir o que é um noturno, quais são suas principais características e como ele aparece na literatura e na música. Confira!

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O que é noturno?

O noturno é uma forma poética lírica inspirada pela noite, a qual frequentemente evoca sentimentos de melancolia, introspecção e mistério. A palavra “noturno” deriva do latim nocturnus, que significa “relativo à noite”, e apareceu historicamente em diferentes contextos, inclusive litúrgicos, poéticos e musicais.

Para retratar essa atmosfera, é comum observar a aplicação de elementos e palavras que remetem à noite, o que cria uma imagem expressiva que pode ser facilmente percebida pelo leitor. Desse modo, essa composição literária é uma forma de arte que busca capturar a atmosfera noturna e sua instabilidade.

Características do noturno

O noturno é essencialmente lírico, devido à expressividade emocional, subjetividade do eu lírico, musicalidade e forte evocação de sentimentos (melancolia, solidão, amor, efemeridade ou espiritualidade). No entanto, muitos exemplos literários possuem um tom elegíaco, especialmente quando associados a temas de perda, morte ou saudade.

Enquanto forma poética, há algumas características distintivas importantes:

  • Ambientação noturna: como já foi citado, a poesia noturna se passa à noite ou remete à noite como estado simbólico. Assim, a noite é evocada não apenas como um momento do dia, mas como espaço emocional, espiritual ou filosófico;
  • Imagética simbólica: é comum a presença de símbolos como escuridão, lua, sombras, silêncio, estrelas, sono e morte. Esses elementos não são apenas estéticos, mas funcionam como metáforas para o estado da alma do eu lírico; 
  • Linguagem introspectiva e musicalidade suave: a linguagem do noturno tende a ser fluida, suave e melódica, refletindo o ambiente silencioso e misterioso da noite. Além disso, não raras vezes, no âmbito musical, observa-se uma cadência lenta e delicada da composição;
  • Dimensão de transição: o noturno tende a se localizar em um limiar simbólico, entre o sono e a vigília, a vida e a morte, o humano e o divino. Portanto, nos poemas noturnos frequentemente percebem-se esses estados de passagem; e
  • Uso intenso de figuras de linguagem: a partir dessas ferramentas  estilísticas da linguagem, reforça-se a atmosfera melancólica noturna. Entre as mais frequentes, destacam-se: as metáforas e alegorias, que associam a noite à morte, ao silêncio ou à renovação cíclica da vida, por exemplo; a personificação, especialmente ao atribuir qualidades humanas à noite, à escuridão ou à natureza; e antíteses, que exploram contrastes como luz/trevas, silêncio/ruído, vida/morte, sonho/realidade.

Estrutura

Os poemas noturnos são bastante livres, ou seja, não há regras definidas para métrica, esquema de rimas ou número de versos. É possível afirmar, então, que a única restrição desses poemas é a construção de uma imagem noturna e a forte expressão de sentimentos.

Noturno na história da literatura e da música

Pode-se dizer que as raízes do noturno como forma artística encontram-se nas práticas religiosas da Igreja Católica. Nesse contexto, na liturgia cristã antiga, os nocturni (ou nocturnae, no plural latino) eram orações e vigílias noturnas. 

Posteriormente, a palavra passou a ser usada para peças musicais não litúrgicas tocadas à noite e, mais tarde, para obras poéticas que expressavam a atmosfera da noite em si. 

O noturno na literatura

Na poesia, o termo “noturno” foi empregado por John Donne, poeta inglês do século XVII, em “A Nocturnal upon S. Lucy’s Day” (1633). Nessa obra, o noturno surge como um gênero elegíaco e lírico, com tom reflexivo, situado simbolicamente à meia-noite, evocando o solstício de inverno – o dia mais curto do ano – e temas como perda e espiritualidade. Para elucidar, leia um trecho do poema de Donne

Um noturno no Dia de Santa Luzia

É a meia-noite do ano, e é a do dia,
De Luzia, que mal sete horas se desvenda;
O sol se exauriu, e seus frascos
Lançam fagulhas, não raios constantes;
Toda a seiva do mundo secou;
O bálsamo geral, a terra hidrópica sorveu,
Onde, como aos pés da cama, a vida murchou,
Morta e sepultada; mas tudo isso parece rir,
Comparado a mim, que sou seu epitáfio.
(...)

Entretanto, deve-se destacar que os poemas noturnos foram compostos por poetas de diversas nacionalidades, ultrapassando as fronteiras europeias e ganhando novas vozes em contextos latino-americanos. Exemplos disso são as obras de Rosario Castellanos e Gabriela Mistral

O tempo é longo demais para a vida;
Para o saber, insuficiente.
Para que viemos, noite, coração da noite?
Sonhar que não morremos
E, por vezes, por um instante, despertar.

(Rosario Castellanos)
Noturno do descendimento
(Nocturno del Descendimiento)

(...)
de encontrar-me neste pobre anoitecer
com teu vulto vencido numa encosta
que cai e cai e cai sem parar
num transe que ninguém me contara.
De tua vertical cai tua carne
em casca de fruta que golpeiam:
o peito cai e caem os joelhos
e, em broto abatido, a cabeça.
Chega agora, Cristo, aos meus braços,
peso divino, dor que me entregam,
pois estou só nesta luz oblíqua
e o que vejo não há outro que veja
e o que acontece talvez toda noite
não há quem o perceba ou o compreenda,
(...)

(Gabriela Mistral. Tala, 1938)

Portanto, a história do noturno na poesia está ligada ao simbolismo da noite como espaço de contemplação, silêncio e transformação interior, influenciada principalmente pelas práticas cristãs antigas.

O noturno na música

No contexto musical, o noturno foi aplicado pela primeira vez no século XVIII, como designação para as composições a serem tocadas em uma festa à noite, sem necessariamente carregar os elementos noturnos. 

Porém, a partir do século XIX, o termo Noturno passou a se referir, de forma mais específica, a uma peça musical escrita para piano solo. O compositor irlandês John Field é considerado o criador desse gênero musical na forma como o conhecemos hoje. Suas composições seguiam uma forma livre e tinham um caráter terno, com uma melodia suave e cantável, o que se tornou a marca do noturno musical.

No entanto, foi Frédéric Chopin quem levou o noturno ao seu auge artístico. Seus 21 noturnos são obras intensamente líricas, com grande liberdade formal e expressividade. 

Ele expandiu a forma com elementos passionais e dramáticos, criando peças em forma ternária, contendo seções contrastantes. Os noturnos de Chopin influenciaram diretamente outros compositores como Liszt, Schumann, Fauré e Tchaikovsky.

O noturno no Brasil

Na literatura brasileira, o noturno também se fez presente, especialmente entre artistas modernistas, como Cecília Meireles, e outros poetas consagrados, a exemplo de Mário Quintana e Olavo Bilac. 

Além disso, na música, podem ser destacados Ernesto Nazareth e Heitor Villa-Lobos, o qual compôs o Noturno ‘Hommage à Chopin’. 

Para compreender melhor como se deu a composição de noturnos brasileiros, leia, a seguir, um trecho do poema Noturno de Cecília Meireles

Quem tem coragem de perguntar, na noite imensa?
E que valem as árvores, as casas, a chuva, o pequeno transeunte?

Que vale o pensamento humano,
esforçado e vencido,
na turbulência das horas?

Que valem a conversa apenas murmurada,
a erma ternura, os delicados adeuses?

Que valem as pálpebras da tímida esperança,
orvalhadas de trêmulo sal?

O sangue e a lágrima são pequenos cristais sutis,
no profundo diagrama.

E o homem tão inutilmente pensante e pensado
só tem a tristeza para distingui-lo.

(...)

Mas a noite desmanchava-se no oriente,
cheia de flores amarelas e vermelhas.
E os cavalos erguiam, entre mil sonhos vacilantes,
erguiam no ar a vigorosa cabeça,
e começavam a puxar as imensas rodas do dia.

Ah! o despertar dos animais no vasto campo!
Este sair do sono, este continuar da vida!
O caminho que vai das pastagens etéreas da noite
ao claro dia da humana vassalagem!

Repare como o poema traz bem uma atmosfera típica de um noturno: a noite aparece como um momento de silêncio e reflexão, perfeito para pensar sobre a vida e a fragilidade da existência humana. Ao longo dos versos, é possível perceber uma transição simbólica da escuridão para a luz, na qual a aurora surge como sinal de recomeço, ilustrada pelos cavalos que puxam “as imensas rodas do dia”. 

A poetisa ainda faz uso de perguntas retóricas que reforçam esse tom existencial, de quem busca sentido em meio ao caos. Nota-se também que há uma mistura de lirismo com a ideia de morte simbólica e renascimento, bem característico desse tipo de poema. 

Portanto, entender esses aspectos em um texto literário é essencial para quem quer ter sucesso nas provas de literatura dos vestibulares, pois muitas vezes é essa visão mais refinada sobre o texto, seu gênero e contexto, que garantem a resposta certa!

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