Com a crescente tensão entre Rússia e Ucrânia, o mundo todo vive dias de angústia no que diz respeito a sua geopolítica, em especial países vizinhos do leste europeu e os líderes das grandes potências. Nessas listas, podemos citar Alemanha, Itália, Inglaterra, França, Polônia, Lituânia, Estônia, China e Estados Unidos.
A invasão por parte dos russos no território ucraniano tem diversos episódios recentes e elementos antigos que remetem desde a época em que eles eram a União Soviética.
Para trazer mais sobre por que a Rússia invadiu a Ucrânia e como isso pode impactar a política e economia global, contamos com a participação dos professores de Geografia e Atualidades, Priscila Lima e Saulo Takami e do professor de História, Marco Túlio. Acompanhe o artigo abaixo.
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O que está acontecendo no momento?
O panorama atual envolve a invasão russa no território ucraniano, principalmente na região de Donbass, onde ficam localizadas os estados de Luhansk e Donetsk, cujas capitais têm os mesmos nomes.
Há ainda uma terceira área ucraniana importante nesse conflito, que é a península da Crimeia, que foi anexada pela Rússia em 2014, quando a questão diplomática entre os dois países se tornou ainda mais tensa.
Atualmente, tropas russas estão avançando na Crimeia, em toda a parte leste do território ucraniano, principalmente na região de Donbass e também estão postados na Belarus, parceira comercial e bélica fiel à mãe Rússia. Há relatos de ataques por terra, mar e ar em diversas cidades da Ucrânia, inclusive na capital, Kiev.
Enquanto isso, a Ucrânia busca parceiros para se defender no ocidente e na Otan, que também é uma organização fundamental para entendermos o contexto do conflito. Mas, vamos aos poucos.
Relação entre os povos na União Soviética
Ao longo da linha do tempo da história ucraniana, são vários os conflitos e anexações até a criação da República Socialista Soviética da Ucrânia, em 1921, quando dois terços do território atual ucraniano foi conquistado pelo exército vermelho russo — o outro terço ficou sob domínio polonês.
Milhões de ucranianos sofrem com o Holodomor, campanha de coletivização de Josef Stalin, que gerou uma crise de fome sem precedentes no país, em 1932. Menos de uma década depois, o país é dominado pelo regime nazista em uma série de conflitos. É estimado que mais de 5 milhões de ucranianos tenham sido mortos no período, sendo mais de 1,5 milhões de judeus.
A já citada península da Crimeia foi território russo até 1954, quando o líder soviético, Nikita Khrushchev, a transferiu para a Ucrânia de forma surpreendente. Ainda sob poder da União Soviética, houve o episódio da explosão do reator da usina de Chernobyl, o maior acidente radioativo da história.
A Ucrânia declarou sua independência em 1991, assim como a dissolução da União Soviética como um todo. O país fez parte da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), que era formada por quase todos os países da antiga União Soviética até 2014, quando finalizou sua saída do bloco.
Priscila Lima, professora de Geografia e Atualidades do Estratégia, comenta sobre a União Soviética. “A Ucrânia e a Rússia eram o mesmo. A indústria bélica que temos na Ucrânia foi criada na União Soviética, lógico, tivemos avanços, mas é resultado desse período. É difícil romper. Você não consegue transformar isso — a identidade ucraniana — em um discurso homogêneo, porque há discursos diversos ali”.
Motivações recentes da Rússia
Após a independência da Ucrânia, em 1991, boa parte da população e dos movimentos políticos locais foram se inclinando para ideias do ocidente. A própria saída do país da CEI indica isso, já que o bloco tem a Rússia como seu principal expoente.
Marco Túlio, professor de História, explica mais sobre a CEI. “Não é só uma aliança econômica, já que tem alguns compromissos militares. E a Ucrânia faz parte. Mas, apesar de manter vínculos de cooperação com a Rússia, o país começa a se voltar para o ocidente, tentando se aproximar da Otan e da própria União Europeia. Então há um processo de ocidentalização da Ucrânia”.
Essas negociações com a União Europeia e com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), são as principais causas da tensão com sua vizinha Rússia. Com culturas enlaçadas, muitos ucranianos são favoráveis às inclinações dos russos, inclusive falam a língua vizinha e votam em partidos e políticos que defendem tal ponto de vista.
Essa porção de população pró-Rússia está concentrada justamente na região leste da Ucrânia, principalmente em Donbass, local foco dos ataques de “defesa” de Putin.
O presidente russo usa uma série de argumentos que indicam que a Ucrânia seria uma parte da Rússia, e que precisam estar unidos em interesses por pertencerem a uma mesma nação, uma mesma história. Vale lembrar que a “Rússia original”, a formatação do que é o povo russo, aconteceu em território que hoje pertence à Ucrânia no século IX, com a fundação do principado de Kiev.
Ao usar e integrar motivos culturais aos interesses políticos, Putin deixa claro que não irá aceitar a aproximação da Otan ao seu território. Atualmente ele conta com o apoio de metade da população russa para manter sua vizinha fora da organização intergovernamental.
O argumento usado por Putin é de que Rússia e Ucrânia seriam “a mesma coisa”. “Desmembrar o que foi a União Soviética, na visão dele, foi um erro, e isso está presente na retórica dele em diversos momentos: na guerra com a Geórgia, na independência do Kosovo, na tomada da Crimeia e hoje. Para ele, não é uma invasão, e sim uma proteção aos russos que ali estão”, completa Priscila.
Surgimento e importância da Otan
A Organização do Tratado do Atlântico Norte surgiu em 1949, como uma resposta imediata à crescente soviética que espalhava pelo mundo, mas principalmente na Europa. Sua atuação busca a segurança coletiva de seus membros, por meios políticos e militares.
Atualmente, a Otan tem 30 membros, mas a organização possui 12 países fundadores, são eles: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Itália, Portugal, Países Baixos, Noruega, Dinamarca, Islândia, Bélgica e Luxemburgo.
Uma das reações da União Soviética foi criar seu próprio bloco militar, em 1955, no chamado Pacto de Varsóvia. Mas, com a dissolução dos soviéticos em 1991, a Otan passou a buscar países que participaram do pacto.
Com isso, em 1999, Hungria, Polônia e República Tcheca (atualmente Tchéquia), passaram a integrar a organização. Cinco anos depois integrou mais uma leva de países do leste europeu: Bulgária, Romênia, Eslováquia, Eslovênia e os três países bálticos Estônia, Letônia e Lituânia, que historicamente foram dominados pelos russos, inclusive no período da União Soviética.
Albânia, Croácia, Montenegro e Macedônia do Norte, posteriormente fecharam os 30 nomes. O problema está nos três membros chamados aspirantes, que é o status em que se encontram Geórgia e Ucrânia — Bósnia Herzegovina soma-se ao grupo.
“É importante pensar que há uma construção histórica. Na década de 90 a União Soviética estava quebrada, tanto que ela se fragmentou. Com a Rússia fragilizada, ficou mais fácil a ascensão da Otan nesse espaço, porque o principal país estava em reconstrução”, pontua Priscila sobre o crescimento da organização.
A entrada dos dois países da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) na Otan representa uma ameaça à segurança nacional da Rússia. Historicamente, a Ucrânia representa a fronteira ocidental russa, além de permitir um caminho rápido até Moscou. Para se ter uma ideia, Kiev, capital ucraniana fica a pouco mais de 800 quilômetros da capital russa, em um terreno de fácil acesso.
Vale ressaltar que os Estados Unidos prometeram — de forma não oficial — não expandir a organização intergovernamental ao leste europeu, o que não foi cumprido. Diante do cenário de exposição de sua fronteira mais importante e dos flertes do governo ucraniano com a Otan, Putin resolveu agir e invadir o país, alegando defesa.
Conflito da Criméia
A Crimeia é um ponto de saída fundamental para ambos os países, já que ela permite acesso de navios e barcos pelo Mar Negro, saindo por Sebastopol. A cidade possui o único porto a que a Rússia tem acesso em sua porção ocidental que não congela no inverno, tornando-se imprescindível.
Essa característica se soma ao fato de que as baías do porto permitem maior segurança aos navios, além da sua estrutura suportar uma grande frota, tanto que ela abastecia aos e aos ucranianos, em um acordo costurado em 1997.
A Crimeia era um estado autônomo integrante da União Soviética até 1945, quando Stalin aboliu o status. Em 1954, o estado foi transferido do estado russo para o ucraniano, ainda sob o regime da URSS. Após a dissolução do país, esperava-se que a Rússia fosse reanexar o local ao seu território, mas isso não ocorreu.
Em 2014, uma série de protestos pró-Rússia e pró-Europa tomaram conta da Ucrânia e culminaram no golpe sofrido pelo presidente Viktor Yanukovych, que se recusou a assinar acordos favoráveis à entrada do país na União Europeia.
O presidente foi afastado pelo parlamento e fugiu para a… Rússia. O governo russo, por sua vez, promoveu um plebiscito na Crimeia, em que mais de 90% manifestaram o desejo de se unir à Rússia. Aqui é importante citar alguns dados:
- 58% da população da Crimeia tem origem étnica russa;
- Duas minorias (ucranianos e tártaros) boicotaram a votação;
- A comissão eleitoral afirmou que mais de 80% da população participou do plebiscito; e
- A Ucrânia nunca reconheceu o plebiscito, assim como a maioria dos países ao redor do mundo.
Marco comenta mais sobre o histórico da Crimeia. “A região é vinculada historicamente à Rússia, inclusive já solicitava a sua separação do território ucraniano faz tempo, tanto que ela vai demandar do governo russo a sua anexação”.
“Foi um processo menos turbulento, em decorrência da realização do plebiscito, que nunca foi reconhecido pelo governo de Kiev, nem pela comunidade internacional, mas deu um ar de que ‘está tudo certo’ já que a maioria da população foi favorável à anexação”, pontua o professor.
Acordos de Minsk
Após a tomada da Crimeia e as ocupações de separatistas pró-Rússia na região de Donbass, a França e a Alemanha passaram a mediar acordos de cessar-fogo na região, a fim de evitar conflitos maiores. Isso em 2014 e 2015: surgem os acordos de Minsk.
Minsk I aborda o cessar-fogo em 12 pontos, enquanto o Minsk II projetou reintegrações de regiões separatistas aos ucranianos, tratando também de retirada de armamentos pesados, retomada de vínculos entre os lados, tanto sociais como econômicos, além de anistia aos participantes do conflito e libertação de prisioneiros de guerra. Nada disso foi respeitado por ambas as partes, e, agora, Putin encerrou o acordo.
“A Crimeia continua sob tutela da Rússia. E as tropas russas conseguem se deslocar tranquilamente ali. Lembrando que a população do local apoia essa movimentação. E o porto de Sebastopol é muito importante para os russos”, explica Priscila.
Regiões separatistas
As regiões separatistas do território ucraniano fazem parte da porção sul e leste da Ucrânia, próximas ao território russo e com maioria de russófonos. Os estados de Luhansk e Donetsk, que ficam na região de Donbass, foram tomados, em partes, por rebeldes que proclamaram independência das áreas.
Essa movimentação foi apoiada e agora reconhecida por Putin, o que permite que os russos construam bases militares na região. Uma das argumentações do presidente russo é justamente de que essa população é de maioria russa e que precisa ser defendido no que tange ao que realmente quer, que seria sua “liberdade e autonomia”.
Em seu discurso, Putin também diz temer que assim que a Ucrânia fizesse parte da Otan, o exército da organização tomaria essas áreas para domínio ucraniano novamente, o que feriria tal liberdade.
Como o ocidente analisa a guerra
Com a invasão da Rússia no território ucraniano, diversas autoridades das potências mundiais estão se reunindo constantemente para discutir sanções econômicas e políticas para os russos.
Dentre as sanções já impostas estão o corte de importações de alta tecnologia russa, retirada de bancos russos do sistema financeiro internacional e limitar a capacidade da Rússia de realizar transações em dólares e euros.
Enquanto isso, parte da Europa sofre com crise energética. A Itália, por exemplo, sofreu uma alta no preço do megawatt hora que foi de 15 euros em janeiro de 2021 para 180 no final do mesmo ano. Já o preço do barril de petróleo chegou a 100 dólares pela primeira vez em sete anos.
O professor de Geografia, Saulo Takami, aprofunda a questão da energia na Itália. “O país é membro da Otan. É interessante guerrear agora com a Rússia? Mas, se a energia está cara, pode ficar mais cara ainda. Tem que colocar em mente: é uma questão de jogo de interesses”.
E parte dessa crise impacta diretamente a economia russa e suas relações comerciais com a Europa, já que o país é um grande exportador de gás natural. Tanto que uma das principais obras europeias dos últimos anos é o gasoduto Nord Stream II, que liga a Rússia à Alemanha pelo Mar Báltico. A obra já está pronta mas suas operações ainda não começaram.
Soma-se ao fato de que diversas potências mundiais passam por momentos de instabilidade e prévias eleitorais, como explica Priscila. “Tem eleições na câmara e senado nos Estados Unidos, trocas de governo na Alemanha, Reino Unido passando por algumas crises internas e eleições na França com tendências à extrema direita”.
Enquanto isso, a Otan prometeu posicionar mais soldados em países próximos ao conflito, como nos países Bálticos e Polônia. Todavia, a aliança militar afirma que não pretende enviar tropas para a Ucrânia.
Exigências russas e posicionamento ucraniano
As principais exigências de Vladimir Putin incluem uma desmilitarização de Kiev, que seu vizinho jamais seja admitido como membro da Otan e concessões para as áreas separatistas. O objetivo, portanto, é muito claro: não permitir que uma aliança liderada pelos Estados Unidos fique próxima ao seu território, com fácil acesso à sua capital.
O argumento de Putin é simétrico e indica o que ele pensa sobre o estado ucraniano: “o que os EUA pensariam se colocássemos tropas nossas no Canadá e no México?”.
Os países Bálticos também fazem fronteira com a Rússia, mas seu terreno é de difícil acesso, com montanhas e o Lago Peipus, que separa o território russo da Estônia. Já na Ucrânia a divisa é uma longa planície.
Saulo Takami comenta sobre o relevo do local. “A Estônia e Letônia fazem fronteira com a Rússia, mas aí a gente precisa olhar para a geomorfologia. A divisa com a Letônia é montanhosa e na fronteira com a Estônia existem dois lagos, o que dificultaria uma invasão, sem falar da floresta de coníferas. Tudo isso conta quando olhamos as condições fisiográficas”.
Por outro lado, a Ucrânia se diz impedida de exercer seu direito como estado soberano de decidir o seu próprio caminho. Volodymyr Zelensky, atual presidente do país, diz querer negociar com Putin para buscar uma saída menos sangrenta, mas afirmou também que a invasão é um ataque da segunda guerra se repetindo, e que a Europa pode interrompê-la, se agirem de forma mais rápida.
Zelensky foi eleito presidente após o golpe de 2014 com discurso antisistema e pró-Europa. Ele teve destaque no cenário político ucraniano como comediante que, em seu papel mais importante na televisão, assumia a presidência por acaso e atuava contra a esfera política presente no país.
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