Pero de Magalhães Gândavo destaca-se na literatura de informação do Quinhentismo por seu olhar sistemático e detalhado sobre o Brasil Colônia. No contexto dos vestibulares, suas obras são fundamentais para compreender como ocorreu o desenvolvimento da colônia, bem como o contexto político, econômico e religioso da época.
Pensando nisso, o Portal Estratégia Vestibulares preparou este artigo para você entender melhor quem foi Pero de Magalhães Gândavo e os principais aspectos de suas obras. Confira!
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Quem foi Pero de Magalhães Gândavo?
Pero de Magalhães de Gândavo, natural de Braga, foi um notável humanista do século XVI, reconhecido por sua erudição e domínio do latim. Embora as datas exatas de seu nascimento e falecimento sejam incertas, há indícios de que ainda estivesse vivo em 1576, ano em que foi publicada sua obra mais relevante: “História da Província de Santa Cruz”.
Além de escritor, atuou como professor na região entre Douro e Minho, onde chegou a fundar uma escola pública. Por ser um homem ilustre de sua época, teve contato com grandes nomes do classicismo português, como Sá de Miranda e Luís de Camões. Este último, inclusive, contribuiu com versos para a “História da Província de Santa Cruz”.
Também teve uma carreira pública de destaque: trabalhou como secretário da Torre do Tombo, em Lisboa, onde possivelmente teve acesso à carta de Caminha.
Sabe-se, ainda, que ele viveu entre 1558 e 1572 na Capitania da Bahia de Todos os Santos, período em que reuniu grande parte das observações que fundamentaram suas crônicas.
De volta à Portugal, foi nomeado Provedor da Fazenda em Salvador por Dom Sebastião, em 29 de agosto de 1576. Isso aconteceu como reconhecimento por serviços prestados, incluindo a tradução e cópia de livros e documentos de interesse da Coroa.
Produção literária de Pero Gândavo
Nesse sentido, Gândavo é considerado um dos principais registradores do Brasil Colônia na segunda metade do século XVI. Suas duas obras centrais são:
- Tratado da Terra do Brasil: escrito por volta de 1569, mas publicado apenas em 1826. O texto descreve de forma prática o território, as riquezas naturais e a organização inicial da colônia em capitanias; e
- História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil (1576): considerada uma continuação do Tratado, foi traduzida para o castelhano, inglês e francês, mas ficou praticamente desconhecida na época. Trata-se de um relato mais completo, com descrições do cotidiano, dos indígenas e das primeiras atividades econômicas.
Essas duas obras, embora escritas em momentos distintos, costumam estar reunidas em um único volume, porque são complementares e tratam do mesmo tema.
Contexto histórico e cultural
É importante salientar que a escrita de Gândavo se deu mais de 70 anos após o descobrimento do Brasil e a carta de Caminha, em um período marcado pela expansão marítima portuguesa e pela disputa com outras potências europeias, como franceses e holandeses, que haviam aderido à Reforma Protestante. Nesse momento, ainda não havia um registro histórico sistemático e cartográfico sobre a colônia e esse fato é abordado no prólogo da obra História da Província:
“A causa principal que me obrigou a lançar mão da presente história, e sair com ela a luz, foi por não haver até gora pessoa que a empreendesse, havendo já setenta e tantos anos que esta Província é descoberta. A qual história creio que mais esteve sepultada em tanto silêncio, pelo pouco caso que os portugueses fizeram sempre da mesma província (…)”
Nesse cenário, a Coroa portuguesa precisava consolidar a posse do território e garantir a difusão da fé católica. Sua obra, portanto, nasce como resposta à necessidade política, religiosa e militar de documentar a colônia e reafirmar a presença portuguesa.
Função das obras sobre o Brasil
Desse modo, os relatos de Gândavo não eram apenas descritivos: tinham forte caráter propagandístico e estratégico. Isso porque, junto à Carta do Achamento de Pero Vaz de Caminha, as obras de Pero Gândavo são fontes primárias para compreender a história do Brasil e integram a “literatura de informação” do Quinhentismo, cujos principais propósitos eram:
- Incentivar o povoamento e o desenvolvimento das capitanias hereditárias, por meio da vinda de colonos portugueses;
- Reforçar a defesa contra invasões estrangeiras;
- Promover a catequese e a difusão da fé católica; e
- Agradar ao rei Dom Sebastião e à Coroa portuguesa.
Um detalhe interessante é que Gândavo defendia a manutenção do nome “Província de Santa Cruz”, nome original dado pelos portugueses em 1500. Essa defesa é evidente no primeiro capítulo da obra, o qual denomina-se: “De como se descobriu esta Província, e a razão pela qual se deve chamar Santa Cruz e não Brasil.” Para ele, o primeiro nome estava intimamente ligado ao sentido religioso da colonização.
Conteúdo e estilo da escrita de Gândavo
Conteúdo das obras de Pero Gândavo
As obras de Gândavo apresentam de forma inédita uma visão holística e aprofundada sobre as novas terras, algo inexistente até aquele momento. Nelas, ele descreve:
- Clima e hidrografia: o Brasil é comparado à primavera portuguesa, sem extremos de frio ou calor, ideal para o cultivo. São também destacados os rios, como o Amazonas, São Francisco, Maranhão e Paraguai;
- Capitanias hereditárias: são descritas as oito principais (Itamaracá, Pernambuco, Bahia, Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Vicente), ressaltando o sucesso de Pernambuco e São Vicente;
- Companhia de Jesus: registra a localização dos mosteiros e o papel dos jesuítas na conversão dos indígenas;
- Flora e fauna: menciona mandioca, milho, banana, abacaxi, algodão, cana-de-açúcar e plantas medicinais. Também descreve uma grande variedade de aves, mamíferos e animais peçonhentos, como jararacas e cascavéis;
- Vida cotidiana: aponta a evolução das construções, a distribuição de terras por sesmarias e os conflitos entre indígenas e colonos; e
- Povos indígenas: descreve com riqueza de detalhes rituais antropofágicos, adornos corporais e guerras entre tribos, sob uma perspectiva europeia. Os indígenas são vistos como parte da natureza exótica e bruta, o que justificaria a necessidade de evangelização.
Estilo da escrita de Pero Gândavo
Além de mais detalhada, a escrita de Gândavo apresenta-se mais organizada e sistemática que a de Caminha. Seu estilo caracteriza-se por ser descritivo, etnocêntrico e pragmático, com especial foco naquilo que poderia ter utilidade para o desenvolvimento da colônia.
Logo, diferentemente do texto de Caminha, de caráter epistolar, as obras de Gândavo aproximam-se de uma crônica descritiva. Nelas, os aspectos histórico-geográficos são expostos de forma ordenada, mas com traços de subjetividade do autor.
Análise dos trechos das obras
A seguir, leia alguns trechos sobre os principais assuntos abordados nas obras de Pero Gândavo:
Sobre a costa e suas capitanias
“Esta costa do Brasil está pera a parte do ocidente, corre-se de norte e sul. Da primeira povoação até derradeira há trezentas e cinqüenta léguas. São oito capitanias, todas têm portos muito seguros onde podem entrar quaisquer naus por grandes que sejam. Não há pela terra dentro povoações de portugueses por causa dos índios que não no consentem, e também pelo socorro e tratos do reino lhes é necessário estarem junto ao mar por terem comunicação de mercadorias. E por este respeito vivem todos junto da costa.”
A “Declaração da costa” é uma das primeiras partes do Tratado da História do Brasil e evidencia a importância da faixa litorânea no início da colonização portuguesa, ressaltando a divisão em capitanias e a presença de portos seguros. Ele também justifica a ausência de povoações no interior, atribuindo à resistência indígena e à necessidade de manter comunicação com o reino.
Sobre o indígenas e seus costumes
Duma nação de gentio que se acha nesta Capitania – Capítulo V
“Chamam-se aimorés, a língua deles é diferente dos outros índios, ninguém os entende, são eles tão altos e tão largos de corpo que quase parecem gigantes. (…) Estes índios não vivem senão pela frecha, seu mantimento é caça, bichos e carne humana (…). Muitas terras viçosas estão perdidas junto desta capitania, as quais não são possuídas dos portugueses por causa destes índios.”
Da condição e costumes dos índios da terra – Capítulo VII
“Finalmente que são estes índios muito desumanos e cruéis, não se movem a nenhuma piedade: vivem como brutos animais sem ordem nem concerto de homens, são muito desonestos e dados à sensualidade e entregam-se aos vícios como se neles não houvera razão de humanos.”
Nos trechos acima, presentes no Tratado da Terra do Brasil, o autor traz à tona características e costumes de nativos que não haviam sido registrados ainda por Pero Vaz de Caminha, destacando rituais antropofágicos de certos grupos indígenas. Logo, isso corrobora a imagem do “selvagem” a ser catequizado ou combatido.
Pero Gândavo também lamenta, no final, que muitas terras estejam ocupadas por esses grupos de indígenas, sendo um empecilho para a expansão das atividades coloniais naquele momento.
Sobre a diversidade de plantas e animais
Capítulo V – Das plantas, mantimentos e frutas que há nesta província
“São tantas e tão diversas as plantas, frutas, e ervas que há nesta província, de que se podiam notar muitas particularidades, que seria cousa infinita escrevê-las todas, e dar notícia dos efeitos de cada uma miudamente. Primeiramente tratarei da planta e raiz de que os moradores fazem seus mantimentos que lá comem em lugar de pão. A raiz se chama mandioca (…).”
Capítulo VII – Das aves que há nesta província
“Entre todas as cousas de que na presente história se pode fazer menção, a que mais aprazível e formosa de oferece à vista humana é a grande variedade das finas e alegres cores das muitas aves que nesta província se criam.”
Capítulo VI – Dos animais e bichos venenosos que há nesta província
“Como esta província seja tão grande e a maior parte dela inabitada e cheia de altíssimos arvoredos, e espessos matos, não é de espantar que haja nela muita diversidade de animais, e bichos muito ferozes e venenosos (…)”
Nos fragmentos acima, retirados da História da Província de Santa Cruz, nota-se a intenção de registrar a diversidade natural do Brasil, a partir da adoção de um tom admirativo e utilitário, voltado a destacar recursos que de algum modo poderiam ser aproveitados pelos colonizadores.
Nesse viés, certamente essas informações causaram curiosidade em outros europeus, visto que as descrições de Gândavo sobre as novas terras soavam como um “paraíso tropical” a ser desbravado.
Sobre a missão dos jesuítas
Capítulo XIII – Do fruto que fazem nestas partes, os Padres da companhia com sua doutrina
“Por todas as capitanias desta província estão edificados mosteiros dos padres da Companhia de Jesus e feitas em algumas partes algumas igrejas entre os índios que são de paz onde residem alguns padres para os doutrinar e fazer cristãos: o que todos aceitam facilmente sem contradição alguma porque como eles não tenham nenhuma lei nem cousa entre si que adorem, é-lhes muito fácil tomar esta nossa.”
Aqui, Gândavo enfatiza a presença da Companhia de Jesus como parte importante do processo de organização colonial, especialmente com a construção de mosteiros em locais onde os indígenas são mais receptivos à fé cristã. A partir desse escrito, Gândavo deixa clara a utilidade política e religiosa da ocupação portuguesa na “Terra de Santa Cruz”.
+ Veja também: Literatura portuguesa: o que é, importância e principais correntes
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